Entrar

CLÍNICA AMPLIADA E COGESTÃO: DESAFIOS DA POLÍTICA DE HUMANIZAÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Maria Gilda Alves de Oliveira

epub-BR-PROENF-GES-C11V2_Artigo3

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • compreender a humanização como uma questão de gestão do trabalho em saúde;
  • analisar a clínica ampliada e a cogestão como ferramentas de humanização na saúde;
  • considerar os desafios da clínica ampliada e da cogestão para as práticas e a gestão na saúde.

Esquema conceitual

Introdução

Em 1988, por meio dos artigos 198 a 200 da Constituição Federal que então se promulgava, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS). Paim1 afirma que o SUS é uma conquista do povo brasileiro, salientando, assim, o caráter democrático da proposta nascida de um movimento social, que congregou, em torno da questão da saúde, estudantes, pesquisadores e profissionais de saúde, setores populares, instituições acadêmicas e científicas.

Naquele momento, inaugurava-se uma das maiores políticas sociais da história brasileira, com uma proposta de democratização da sociedade, que tinha como ponto de partida o campo da saúde. O cerne dessa proposta era o reconhecimento da saúde como direito humano social, devendo por isso mesmo ser garantido como direito universal.

Desde então, o SUS tem realizado um percurso histórico, marcado por muitas realizações, mas também com alguns desafios, destacando-se:

 

  • insuficiência do financiamento dos serviços e das ações do sistema, muitas vezes entendida como o seu nó górdio;
  • dificuldades quanto à efetividade da aplicação do princípio da integralidade da atenção, quando se trata do acesso a ações e serviços de saúde com alto grau de densidade das tecnologias duras;
  • lacunas no acesso às ações e aos serviços devido às questões relacionadas aos modos e manejos do cuidado.

Essas lacunas têm sido associadas a uma série de fatores e questões: modelos de gestão centralizados e verticais, alienação do profissional de saúde em relação ao processo de trabalho, fragilidade de vínculo entre profissionais e usuários, fragmentação do cuidado,2 entre outros. Todas essas questões estão associadas ao tema da humanização.

Remontando ao Humanismo, corrente filosófico-política renascentista,3 o tema da humanização hoje tem apontado para a tomada do ser humano, em todas as suas dimensões — biológica, psicológica, social, histórica e cultural —, como o lugar de referência para tomada de decisões, desenvolvimento de ações e elaboração de políticas. O tema alude, assim, a uma observação do princípio do respeito à dignidade humana, nos diversos ambientes em que se desenvolvam atividades humanas.4

Embora possa ser referido a essa base de compreensão, o tema da humanização, que tem estado presente em diferentes áreas de atuação, tais como administração, economia, e no setor de serviços, tem sido concebido em cada uma delas por ideias diversas acerca do que seja a humanização.3 E, relativo às práticas de cuidado e gestão da saúde, o tema também apresenta diversidade de vertentes.

Rios considera que os primeiros movimentos em torno do tema da humanização na saúde possam ser associados às áreas de saúde mental e de saúde da mulher. Em relação à primeira, a humanização encontrar-se-ia relacionada à luta antimanicomial. Quanto à saúde da mulher, a referência pode ser encontrada no movimento feminista pela humanização do parto e do nascimento. Desde então, a ideia foi ganhando força dentro do setor, tendo se traduzido nas seguintes vertentes:5

[...] a humanização como movimento contra a violência institucional na área da saúde, como princípio de conduta de base humanista e ética, como política pública para a atenção e gestão no SUS, como metodologia auxiliar para a gestão participativa, como tecnologia do cuidado na assistência à saúde.

No presente texto, assume-se a perspectiva de Campos,6 segundo a qual a proposta de humanização da saúde se encontra fortemente vinculada a uma proposta de reforma das modalidades da clínica, que se chamam “modos de cuidar”. Obviamente que, dada a indissociabilidade entre os modos de cuidar e seus manejos, a humanização na saúde também se encontra relacionada à gestão da clínica.

É com base nessa compreensão que se instituiu, em 2003, a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS, que tem como princípios:2

 

  • a transversalidade;
  • a indissociabilidade entre atenção e gestão;
  • o protagonismo;
  • a corresponsabilidade;
  • a autonomia de sujeitos e coletivos.

Entre seus dispositivos, encontram-se a clínica ampliada e a cogestão, por meio das quais são introduzidos novos modos de operar as relações entre profissionais e usuários dos serviços de saúde, que são críticos dos modos marcados por rígida divisão e hierarquia entre as profissões do setor, padronização de atividades e despersonificação dos usuários. Ao romperem com modos hegemônicos de cuidar e de gerenciar o cuidado, a clínica ampliada e a cogestão representam desafios para a prática de profissionais e gestores de saúde.

Este programa de atualização não está mais disponível para ser adquirido.
Já tem uma conta? Faça login