- Introdução
A diarreia crônica pode decorrer de múltiplas etiologias. A sua intensidade e o tempo de ocorrência impactam na qualidade de vida e no estado nutricional da criança acometida.1 As causas determinantes podem ter relação com inadequação e erros alimentares, doenças determinantes de má-absorção, alterações no sistema imune, processos inflamatórios de caráter crônico e infecções entéricas. Há uma vasta possibilidade de processos envolvidos na etiopatogênese da diarreia crônica de acordo com a faixa etária considerada, as condições ambientais e socioeconômicas.2
A diarreia crônica é definida como perda entérica fecal de pelo menos 10g/kg/dia em lactentes e de 200g/dia para crianças maiores por um período superior a 14 dias. A frequência evacuatória, em geral, é superior a três emissões/dia, e o volume fecal é difícil de ser mensurado em crianças.3 A diarreia crônica, em geral, surge de forma insidiosa e tem duração superior a quatro semanas. Alguns autores englobam a diarreia persistente de mais de duas semanas de duração, conceitualmente, como diarreia crônica.4
Nos países em desenvolvimento ou em comunidades insalubres, a diarreia crônica está, na maior parte dos casos, relacionada às infecções entéricas repetitivas e à desnutrição proteicoenergética. Esse tipo de diarreia decorre de enteropatia crônica, com redução na capacidade digestiva e de absorção de nutrientes. Nos países desenvolvidos, as crianças estão menos expostas à ocorrência de infecções e ao desenvolvimento de enteropatia ambiental, e a diarreia crônica é originada, na maior parte das vezes, por doenças de base determinantes de processos disabsortivos.5
No Brasil, nos últimos anos, a implantação dos programas de hidratação oral, imunização contra o rotavírus e melhoria da assistência básica promoveu uma redução na prevalência de doença diarreica crônica advinda das infecções entéricas. Houve, igualmente, uma significativa redução na morbidade e na mortalidade decorrentes de doença diarreica em geral.6
A exploração diagnóstica nas diarreias crônicas é condicionada aos fatores relacionados à idade de início do processo, aos aspectos das evacuações e ao grau de repercussão nutricional. A presença de diarreia nas primeiras semanas de vida, com grave repercussão nutricional, orienta para causas genéticas determinantes de má-absorção.
A frequência evacuatória, o volume e o aspecto das fezes orientam quanto ao tipo da má-absorção presente. Há uma extensa gama de possibilidades causais, o que faz com que os exames subsidiários devam ser requisitados com critério seletivo, direcionados aos fatores causais, poupando o paciente de uma extensa investigação laboratorial ou invasiva.7
O pediatra deve conhecer as principais etiologias determinantes de diarreia crônica e, por meio de cuidadosa anamnese, dados do exame físico e avaliação nutricional, ser capaz de levantar as principais hipóteses causais e orientar uma exploração laboratorial concisa e objetiva para o fechamento do diagnóstico em questão.
- Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- identificar os mecanismos fisiopatológicos envolvidos nas diarreias crônicas em pediatria;
- avaliar o tipo de diarreia crônica que se apresenta na criança, procurando extrair os dados para requisitar os exames que confirmarão a etiologia em questão da anamnese e do exame clínico;
- implementar, após o diagnóstico, as medidas necessárias para combater o quadro diarreico e recuperar o estado nutricional da criança.
- Esquema conceitual