Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- explicar os principais mecanismos fisiopatológicos e neurofuncionais associados à dispneia em diferentes condições clínicas, incluindo doenças cardiorrespiratórias, oncológicas, neuromusculares e sistêmicas;
- identificar e selecionar métodos e instrumentos disponíveis para a avaliação da dispneia, considerando suas múltiplas dimensões sensoriais, afetivas e funcionais;
- aplicar e interpretar os resultados da avaliação da dispneia de forma integrada à prática clínica, contribuindo para o planejamento de intervenções personalizadas em diferentes cenários assistenciais.
Esquema conceitual

Introdução
A dispneia é um sintoma multifatorial, comum e incapacitante, que interfere negativamente em diversas dimensões da vida dos indivíduos, comprometendo desde a capacidade funcional até aspectos emocionais e sociais.¹ Está presente em aproximadamente metade dos pacientes internados em serviços de cuidados agudos e em cerca de um quarto daqueles que buscam atendimento ambulatorial. Embora seja um achado frequente em doenças cardiorrespiratórias, como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doenças pulmonares intersticiais (DPIs), asma e insuficiência cardíaca (IC),2 a dispneia também pode acometer indivíduos sem diagnóstico formal de doença respiratória, sendo um marcador de alterações precoces na função pulmonar.3
Dados recentes demonstram que a prevalência de dispneia na população geral adulta é de aproximadamente 10% (IC 95% 7–15%), com estudos mostrando variação de 2,4% a 32,3%, dependendo da faixa etária e presença de comorbidades. Fatores associados incluem idade avançada, sexo feminino, maior índice de massa corporal e doenças respiratórias ou cardíacas. Outro achado interessante é que a dispneia também pode ser indicativa de alterações precoces da função pulmonar, mesmo na ausência de diagnóstico estabelecido de doenças respiratórias. No entanto, as evidências disponíveis derivam exclusivamente de países de alta renda, limitando a generalização dos achados para populações de países de baixa e média renda, onde a prevalência e fatores associados à dispneia ainda são pouco conhecidos.3
A dispneia é descrita como uma sensação subjetiva de desconforto respiratório, frequentemente caracterizada por esforço respiratório, aperto torácico ou sensação de fome de ar. Essa experiência é modulada por mecanismos fisiopatológicos complexos, incluindo a desarmonia entre o impulso neural inspiratório e a resposta dinâmica do sistema respiratório.4 A literatura aponta que as diversas manifestações da dispneia envolvem vias aferentes distintas, o que reforça a necessidade de uma abordagem avaliativa que considere suas múltiplas dimensões sensoriais e emocionais.2,5

Além disso, a presença da dispneia tem se mostrado um preditor de gravidade em diferentes cenários clínicos, como em pacientes com covid-19, estando associada a maior risco de internação em unidades de terapia intensiva (UTI).2
Diante de seu impacto negativo sobre a realização de atividades de vida diária (AVDs), atividades físicas, recreativas e/ou de lazer e laborais, torna-se imprescindível realizar uma avaliação detalhada da dispneia. Essa avaliação deve abranger não apenas a identificação e quantificação da intensidade do sintoma, mas também caracterizá-la de forma multidimensional no que se refere às suas experiências sensoriais e angústia-afetivas e ao impacto gerado por ela em outros domínios de saúde. Essa conduta facilitará a compreensão do real impacto que ela exerce no estado funcional e de saúde do paciente, de modo a promover estratégias de intervenção mais assertivas e eficazes.

No contexto da reabilitação pulmonar e cardíaca, por exemplo, monitorar sistematicamente a dispneia é essencial tanto para avaliar a estabilidade clínica quanto para prescrever e ajustar a intensidade do treinamento, especialmente em indivíduos cujo principal fator limitante é de origem respiratória, como na DPOC, DPI, asma e covid-19. Vale ressaltar que estas intervenções não acontecem apenas à nível ambulatorial, podendo-se generalizar tal aplicabilidade também para ambientes hospitalares e de cuidados intensivos.
Para uma avaliação adequada da dispneia, é fundamental conhecer sua definição, os mecanismos fisiopatológicos associados a ela e suas implicações terapêuticas, para, daí sim, conhecer os instrumentos e suas características. Diversos instrumentos vêm sendo empregados para avaliar tanto a intensidade quanto as múltiplas dimensões do sintoma, incluindo escalas de intensidade, questionários e testes funcionais. Essa abordagem multifacetada contribui para intervenções mais precisas e personalizadas. Antes do estudo dos instrumentos de avaliação, será feita uma revisão conceitual e dos principais mecanismos relacionados à dispneia em pacientes com doenças cardiorrespiratórias.