Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- discutir o histórico da esporotricose e sua distribuição no mundo e no Brasil;
- identificar a biologia do agente da esporotricose nas fases de vida parasitária e não parasitária (ambiental);
- descrever a manifestação da esporotricose em diferentes espécies;
- interpretar os sinais clínicos da esporotricose nos animais;
- listar as formas de diagnóstico da esporotricose;
- aplicar as formas de tratamento e manejo da infecção e da doença;
- reconhecer os aspectos de saúde pública e saúde única da esporotricose;
- empregar as ações de controle da esporotricose, visando à saúde dos animais e dos humanos.
Esquema Conceitual
Introdução
A esporotricose é uma doença subaguda ou crônica, causada por fungos termodimórficos do gênero Sporothrix, que está atualmente distribuída em todo o mundo, principalmente nas zonas tropicais e subtropicais.1
A infecção geralmente ocorre por inoculação traumática de solo, plantas e matéria orgânica contaminados com o fungo. Certas atividades de lazer e ocupacionais são tradicionalmente associadas à micose, como floricultura, agricultura, mineração e exploração de madeira.2
Ocorre, também, a transmissão a partir do contato com a lesão de animais infectados, principalmente gatos. Desse modo, veterinários, técnicos, cuidadores e proprietários de gatos com esporotricose constituem uma categoria de risco para a aquisição da doença.1–4
Clinicamente, a esporotricose é caracterizada por pequenos nódulos que evoluem para supuração e ulceração. Tais nódulos se localizam na pele e no tecido subcutâneo e, menos frequentemente, atingem órgãos internos.5,6
Em humanos, a esporotricose pode ser classificada como sistêmica, imunorreativa ou de regressão espontânea, de acordo com sua manifestação na pele e na membrana mucosa.7,8 Embora a doença cause uma morbidade considerável, ela raramente é associada à mortalidade.2 Essas categorias clínicas não são atribuídas aos animais, porque eles têm, frequentemente, mais de uma forma de apresentação da doença.9
A forma mais comum de esporotricose em cães e gatos consiste em nódulos cutâneos e úlceras, com o envolvimento frequente de mucosas.9
A esporotricose ocorre em todo o mundo. A doença tem sido menos frequente na Europa e mais frequente nas Américas, na África, no Japão e na Australásia, com áreas hiperendêmicas no Brasil, na China e na África do Sul.9–11 É considerada a micose subcutânea mais frequente na América Latina, onde é endêmica.1
Entre os animais suscetíveis, o gato é a espécie de maior importância. Isso não se deve somente ao fato de ser altamente vulnerável à infecção e à doença, mas também à capacidade de transmissão para pessoas e outros animais.9
Um aspecto de grande relevância na atualidade é a visão de saúde única. Ações voltadas a esse conceito devem favorecer a vida de humanos e animais envolvidos, evitando a contaminação e buscando viabilizar o tratamento de todos.12
História da esporotricose
A primeira observação bem documentada da esporotricose foi feita por Schenck, em 1896, quando isolou o agente de lesões na mão e no braço direito de um homem com 36 anos de idade, nos Estados Unidos.13,14 Dois anos após, dois casos humanos foram descritos em Chicago. Em 1900, foi proposta a espécie Sporothrix schenckii (Ascomycota: Ophiostomatales).15
No Brasil, a doença natural foi observada em ratos Mus decumanus (Rattus norvegicus) oriundos de esgotos e em ratos brancos criados em laboratório. Em humanos, a observação data de 1907.16 Sugeriu-se que a transmissão ocorria por meio de mordeduras, uma vez que o organismo era isolado da mucosa da boca e formas morfologicamente idênticas eram encontradas na mucosa do estômago, e pela inoculação de culturas do agente.16 Cavalos naturalmente infectados foram identificados pela primeira vez em 1909, nos Estados Unidos, e em 1934, no Brasil.17,18
Saunders, em um trabalho de revisão publicado em 1948, apresentou a distribuição da esporotricose pelo mundo. Ele mostrou que, além de humanos, ratos e equídeos, a doença acomete outras espécies, como:9,19
- cão;
- gato;
- hamster,
- chimpanzé;
- suíno;
- golfinho;
- caprino;
- tatu;
- raposa;
- camelo;
- galinha.
Ainda em 1896, Schenck inoculou o material obtido do caso humano em um cão sadio, que desenvolveu a doença, demonstrando que essa espécie era também suscetível à esporotricose.13,14,19 Infecções experimentais em gatos foram reportadas em 1907, na França.19
Mesmo com todas as descrições das infecções em humanos e diversas espécies animais, a esporotricose ainda era classificada como uma doença ocupacional de horticultores. Considerava-se que as infecções em animais ou humanos eram oriundas de feridas provocadas por farpas ou espinhos.19 Entretanto, em 1952, nos Estados Unidos , foi relatado o primeiro caso de esporotricose felina com transmissão a um ser humano.20 No Brasil, em 1955, foram relacionadas rotas zoonóticas de transmissão, por meio de arranhões de gatos e preás e mordidas de ratos e cães, embora houvesse predomínio da transmissão sapronótica, por traumas envolvendo farpas e espinhos.21
Em 2007, estudos fenotípicos e genotípicos levaram à descrição de quatro novas espécies no complexo Sporothrix:22,23
- S. globosa;
- S. brasiliensis;
- S. mexicana;
- S. luriei.
A espécie S. brasiliensis é considerada restrita ao Brasil e se mostra altamente patogênica para humanos e animais, caracterizando-se por um alto grau de transmissibilidade de gatos para humanos e de gatos para cães. Essa condição leva à manifestação de surtos em gatos e humanos no Brasil.24