- Introdução
No Brasil, em 2016, 11,1% dos nascimentos foram prematuros, o que representou 317.657 recém-nascidos pré-termo (RNPTs).1 Entre os prematuros, 39.273 (12,4%) nasceram com peso inferior a 1.500g, representando uma parcela importante dos pacientes internados em unidades de terapia intensiva neonatal (UTINunidade de terapia intensiva neonatals).
A adoção de algumas medidas na assistência perinatal, no final do século passado, como o uso antenatal materno de corticosteroide, a padronização dos procedimentos de reanimação neonatal, o advento das UTINunidade de terapia intensiva neonatals, a terapia de reposição do surfactante exógeno, as novas estratégias ventilatórias e a melhoria da nutrição dos pacientes, entre outras, permitiu uma redução importante da mortalidade neonatal nos Estados Unidos entre os anos de 1990 e 1998 que foi seguida da estabilização das taxas no período de 1998 a 2005 e nova queda a partir de 2005. Nesse último período, nenhuma terapia nova foi introduzida na assistência neonatal, sendo o declínio da mortalidade atribuído à melhoria contínua da qualidade da assistência.2
Comportamento semelhante, em relação à mortalidade neonatal, foi observado pelo Pediatrix Medical Group (MEDNAX, Inc.), que engloba dados de 25% das UTINunidade de terapia intensiva neonatals norte-americanas. A mortalidade neonatal caiu de 2,8%, no ano de 2000, para 1,4% em 2014, após o início das iniciativas de melhoria na qualidade da assistência, sobretudo após 2006, com o início do projeto “100.000 Babies Campaign”, uma iniciativa que teve, como objetivos:3
- melhorar os desfechos neonatais por meio do aprimoramento do cuidado nas UTINunidade de terapia intensiva neonatals, especificamente com ações de promoção do aleitamento materno;
- melhorar o uso das medicações, de forma a maximizar seus efeitos benéficos, minimizar os efeitos colaterais e as interações medicamentosas e diminuir o custo e os erros de medicação;
- reduzir as infecções associadas a cateter central;
- diminuir o uso da ventilação mecânica;
- diminuir a admissão de prematuros na UTINunidade de terapia intensiva neonatal com hipotermia.
A redução das taxas de mortalidade de recém-nascidos pré-termo com muito baixo peso (RNPTMBPrecém-nascidos pré-termo com muito baixo peso) ao nascer, mediante a introdução de programas de melhoria da qualidade da assistência nas UTINunidade de terapia intensiva neonatals, entre os anos de 2005 e 2014, de 14,0 para 10,9% também foi apontada pela Vermont Oxford Network (VONVermont Oxford Network), rede que coleta dados desses pacientes em mais de 700 UTINunidade de terapia intensiva neonatals.4
O movimento da neonatologia em busca da melhoria da qualidade na assistência neonatal também pode ser evidenciado pelo número de publicações da National Institute of Child Health and Human Development (NICHDNational Institute of Child Health and Human Development) Neonatal Network — rede formada por 17 centros acadêmicos dos Estados Unidos, cuja produção científica influencia o cuidado neonatal mundialmente. No período de 1991 a 2014, em 73% das publicações, havia mensagem relativa à qualidade do cuidado neonatal.2
No Brasil, embora também tenha ocorrido uma redução das taxas de mortalidade neonatal em prematuros, elas ainda são superiores às norte-americanas. Em 2016, a mortalidade dos RNMBPs foi de 32,3%, superior à norte-americana, de 10,9% em 2014. Diante desse cenário, é imperioso que se desenvolvam programas de melhoria da qualidade da assistência nas UTINunidade de terapia intensiva neonatals, especialmente no cuidado do RNPT, para que se consiga reduzir a mortalidade dessas crianças.3,5–8
As iniciativas norte-americanas de melhoria da qualidade da assistência neonatal ao prematuro reduziram não só as taxas de mortalidade, mas algumas delas tiveram impacto também nas doenças que acometem esses pacientes no período neonatal, como displasia broncopulmonar (DBPdisplasia broncopulmonar), sepse, enterocolite necrosante (ECNenterocolite necrosante), hemorragia peri-intraventricular (HPIVhemorragia peri-intraventricular) e retinopatia da prematuridade (ROPretinopatia da prematuridade).3,5–8 A diminuição da incidência dessas doenças é fundamental, uma vez que elas estão diretamente associadas a pior desenvolvimento dos prematuros na infância.9
Diante deste cenário, este artigo foi elaborado a fim de estimular e contribuir para um movimento de implementação de programas de melhoria da qualidade na assistência das UTINunidade de terapia intensiva neonatals brasileiras. Tem como objetivo apresentar alguns conceitos de qualidade e segurança em saúde e algumas ferramentas que podem ser utilizadas para promover a melhoria da qualidade em saúde. Além disso, o texto visa apresentar um modelo de como realizar a gestão da qualidade em UTINunidade de terapia intensiva neonatal. Por fim, são apresentadas algumas iniciativas para redução da morbidade neonatal em prematuros.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de:
- reconhecer e valorizar os principais conceitos de qualidade e segurança em saúde, as principais ferramentas da qualidade e alguns indicadores utilizados para gerenciamento da qualidade em UTINunidade de terapia intensiva neonatals;
- analisar as etapas da implementação de um programa de gestão da qualidade da assistência em UTINunidade de terapia intensiva neonatals;
- reconhecer os princípios relativos à segurança na assistência à saúde;
- avaliar iniciativas implementadas para melhorar a qualidade da assistência neonatal a prematuros.
- Esquema conceitual