Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- elencar as principais causas de deficiência visual (DVdeficiência visual) na criança;
- analisar a magnitude e os achados clínicos das principais doenças na DVdeficiência visual infantil;
- estabelecer o diagnóstico e o tratamento das principais doenças associadas à DVdeficiência visual na infância;
- reconhecer a importância do tratamento oftalmológico e multidisciplinar às crianças com DVdeficiência visual;
- considerar o relevante papel da família/cuidador para o desenvolvimento da criança.
Esquema conceitual
Introdução
Em todo o mundo, estima-se que existam 19 milhões de crianças com DVdeficiência visual. Dessas, 12 milhões têm uma deficiência causada por erros refrativos não corrigidos, e 1,5 milhão têm cegueira irreversível.1 Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, anualmente, 500 mil crianças ficam cegas, e que, dessas, 90% vivem em países em desenvolvimento.2 Estima-se que a prevalência de baixa visão (BV) é três vezes maior. Com os conhecimentos atuais, sabe-se que a maioria das causas de DVdeficiência visual infantil são preveníveis ou tratáveis.
De acordo com a OMS, a prevenção da cegueira na infância é prioritária por diversos motivos. Por exemplo, é responsável por reduzir a expectativa de vida das crianças e pode causar repercussões emocionais, econômicas e sociais devastadoras.3 Além disso, crianças com DVdeficiência visual apresentam estado de saúde especial e, frequentemente, múltiplas deficiências associadas, o que requer cuidados médicos e terapêuticos especializados, de preferência dentro do período crítico sensível do desenvolvimento.4
O normal desenvolvimento visual requer adequadas condições anatômicas e fisiológicas. Sendo assim, a presença de doença ocular que represente um obstáculo à formação de imagem nítida em cada olho pode levar a um mau desenvolvimento visual, que se tornará irreversível se não tratado em tempo hábil.5,6 Portanto, recomenda-se instituir o tratamento precoce das várias doenças oculares, preveníveis ou tratáveis, com a devida intervenção oftalmológica, e inseridas as crianças com perda visual isolada ou associada a outras deficiências em programas de habilitação ou reabilitação infantil multiprofissional.6
Já é sabido que o papel da família e/ou do cuidador é primordial para que a criança com DVdeficiência visual atinja o seu desenvolvimento, em todos os campos da esfera social, com autonomia e independência. Daí a importância de incluí-los em grupos de apoio psicossocial e de empoderamento, estimulando sua participação ativa no processo terapêutico da criança.3,6
A evidência diagnóstica da DVdeficiência visual e sua causa são fundamentais para o melhor planejamento das políticas de saúde específicas à realidade da população.3
Alguns fatores podem corroborar diretamente para o grau de atraso no desenvolvimento visual e global dessas crianças, dificultando suas atividades de vida diária e inclusão social. Tais aspectos consistem em5
- idade de início da doença ocular;
- presença de outras deficiências;
- contexto social;
- fatores etiológicos da DVdeficiência visual.
As condições que podem causar DVdeficiência visual nas crianças são diferentes daquelas que causam a doença nos adultos. Essas condições estão desigualmente distribuídas entre os diversos países e regiões do mundo, e variam de acordo com5
- o nível de desenvolvimento socioeconômico;
- as condições de saúde;
- a taxa de mortalidade infantil abaixo dos 5 anos de idade;
- a disponibilidade de cuidados médicos primários;
- o acesso à atenção oftalmológica adequada.
A OMS classifica as causas de perda visual infantil de acordo com o local anatômico mais afetado e a etiologia subjacente.1 Utilizando esse critério em bebês, a perda visual pode ser categorizada como pré-natal ou pós-natal. Dentre as causas pré-natais, encontram-se
- as anomalias congênitas (anoftalmia, microftalmia e coloboma);
- a catarata congênita;
- as distrofias retinianas;
- o glaucoma infantil;
- a córnea congênita turva.
Dentre as causas perinatais (da vigésima semana de gestação até 1 a 4 semanas após o nascimento), encontram-se
- o comprometimento cortical;
- a oftalmia neonatal;
- a retinopatia da prematuridade (ROPretinopatia da prematuridade).
As condições pós-natais são incomuns durante a infância. As causas congênitas e perinatais são mais encontradas nos países desenvolvidos,7 onde as desordens hereditárias apresentam-se com maior frequência e as doenças da retina e do nervo óptico constituem as principais causas de cegueira infantil. A deficiência visual cerebral ou cortical (DVCdeficiência visual cerebral ou cortical) tem-se apresentado como a principal causa de DVdeficiência visual, estando associada a5,7
- hipóxia perinatal;
- hidrocefalia;
- meningite;
- trauma de nascimento;
- episódios de afogamento;
- leucomalácia periventricular (LPVleucomalácia periventricular).
Os dados disponíveis nos países em desenvolvimento são escassos e não refletem a magnitude do problema. Nos países africanos e asiáticos, os agentes infecciosos (como sarampo, oftalmia neonatal e catarata devido à rubéola) ou nutricionais (xerostomia por deficiência de vitamina A) destacam-se como os principais causadores de DVdeficiência visual nas crianças.2,7
No Brasil, um país com dimensões continentais, caracterizado por marcadas diferenças socioeconômicas e culturais, nos estados e dentro dos grandes centros, são escassos os estudos populacionais que refletem a realidade. Além disso, os dados existentes refletem as realidades regionais e utilizam definições e classificações distintas quanto à DVdeficiência visual na infância.3,6,7 As características da DVdeficiência visual são semelhantes nos países em desenvolvimento, e suas principais causas são3,5
- a catarata pediátrica;
- a ROPretinopatia da prematuridade;
- o glaucoma congênito (GCglaucoma congênito);
- a DVCdeficiência visual cerebral ou cortical;
- as ametropias não tratadas, incluindo
- hipoplasia do nervo óptico (HNOhipoplasia do nervo óptico);
- albinismo;
- toxoplasmose congênita (TxCtoxoplasmose congênita).
Este capítulo apresenta aspectos importantes para a compreensão das principais causas de DVdeficiência visual na criança e a especificação da conduta para cada entidade.