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DESVENDANDO O BURNOUT: DEFINIÇÃO, QUADRO CLÍNICO E INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA

Letícia Maria Akel Mameri-Trés

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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • identificar a síndrome de burnout;
  • diferenciar síndrome de burnout de outras condições;
  • conduzir o tratamento da síndrome de burnout.

Esquema conceitual

Introdução

O conceito de síndrome de burnout está em construção, o debate científico é intenso e vem gerando perspectivas teóricas variadas. Burnout seria uma síndrome ou uma doença? A síndrome de burnout realmente existe? O que a define? Seria ela exclusivamente ocupacional ou não? Existem características individuais predisponentes? Como lidar com prevenção, tratamento e reabilitação?

Inicialmente, é de suma importância deixar claros alguns conceitos básicos sobre síndrome de burnout na ciência médica que serão esclarecidos pela leitura deste capítulo.

Quando se trata de linguagem científica, por sua seriedade e rigorosidade, convém ter domínio do padrão gramatical culto, normativo, descrito e organizado, ao longo de séculos, pelos profissionais de letras. A linguagem científica formal tem características próprias, apregoadas — em todos os tempos — por bons orientadores médicos, exemplificados nos excertos que se seguem.1

Se a precisão da linguagem é necessária a todos, ela é imprescindível aos pesquisadores e cientistas, já que a imprecisão é incompatível com a ciência.1 Para pôr fim ao debate sobre se burnout seria uma doença ou não: burnout é uma síndrome e na medicina existem razões para diferenciar síndrome de doença.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), doença é qualquer ausência de saúde acompanhada por alterações do estado de equilíbrio de uma pessoa em relação ao meio ambiente. Dessa forma, o termo “doença” engloba o prejuízo das funções da psique, de um órgão específico ou do organismo como um todo, o que dá origem a sintomas e sinais característicos. Para que uma condição seja considerada doença, é preciso que ela atenda a três critérios:2

 

  • ter uma causa reconhecida;
  • manifestar-se por meio de sintomatologia específica;
  • provocar alterações no organismo, sejam visíveis, sejam detectadas por meio de exames.

O termo “síndrome” tem origem na palavra grega syndromé, que significa “reunião”. Quando aplicada no universo médico, síndrome é definida como uma reunião de sintomas e sinais que estão associados a mais de uma causa. Ou seja, diferentemente do que acontece em uma doença, a sintomatologia das síndromes é inespecífica.2,3

Enquanto as doenças têm uma razão conhecida e definida por trás de sua manifestação clínica, síndromes são quadros que podem ter diversas origens. Dessa forma, alguns pacientes diagnosticados com síndromes podem nunca chegar a um diagnóstico definitivo sobre a causa de seus sinais e sintomas. As síndromes podem fazer parte de várias doenças. Síndrome não é doença, é uma condição médica.2,3

A síndrome de burnout é um conjunto de sinais e sintomas que significa “queima” ou “combustão total”. O termo “burnout” faz parte do vocabulário coloquial em países de língua inglesa e costuma ser empregado para denotar um estado de esgotamento completo da energia individual associado a intensa frustração com o trabalho.4

No modelo científico da etiologia de doenças, o status de doença só é alcançado quando se conhecem os mecanismos biológicos que estariam na base (portanto, como causas) da doença em questão. Logo, na medida em que não é possível evidenciar de forma positiva as bases biológicas do burnout, esse fenômeno não poderia ser considerado uma doença, de acordo com esse modelo teórico.

É com base nesse argumento que alguns autores questionam, inclusive, a pertinência de se proceder à investigação da validade diagnóstica do burnout, alegando que esse é um conceito inventado, não representativo de uma doença real.

Mesmo que o burnout não possa (e nunca venha a poder) ser considerado uma doença do ponto de vista do modelo científico vigente, isso não é suficiente para justificar o entendimento de que a síndrome não existe, tão pouco negar a importância do ponto de vista social (tanto em razão de suas causas, relacionadas, primariamente, à organização do trabalho, quanto por suas inquestionáveis consequências em nível socioeconômico) e individual de se aprofundar na discussão científica.

A expressão “burnout” apareceu impressa em um romance de Greene (1960–2004) e em trabalhos de Bradley (1969) e Sommer (1973), mas em nenhuma dessas publicações houve intenção de transformar essa palavra em um conceito com definição.5,6

Definir burnout foi um passo foi dado por Herbert J. Freudenberger (1926–1999), psicanalista judeu de origem alemã, radicado nos Estados Unidos, em estudos da perda de motivação e comprometimento, tendo como outros sintomas psíquicos e físicos perda de energia, quando manifestado por voluntários em tratamento de uma instituição de drogados, e como resultado do estresse excessivo, último passo na progressão dos propósitos fracassados de manejar e diminuir uma variedade de situações negativas do trabalho.5,6

Burnout, enfim, é uma resposta ao estresse crônico quando outros mecanismos de ajuste não funcionam e, desde essa definição Herbert J. Freudenberger, vem despertando o interesse de pesquisadores, em especial, no campo da saúde ocupacional.5,6