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ESTRESSE PRECOCE E NEUROPSIQUIATRIA: ETIOLOGIA, PROGNÓSTICO E PREVENÇÃO

Érica de Lana

Jesus Landeira-Fernandez

Patricia Franca Gardino

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  • Introdução

Abuso, negligência e abandono são exemplos de estressores que podem acometer crianças e adolescentes. A ocorrência de estresse precoce tem sido associada à maior vulnerabilidade para o posterior desenvolvimento de psicopatologias, como transtornos de ansiedade e depressão: os eventos traumáticos ocorridos nas fases iniciais do desenvolvimento também se associam ao aumento da vulnerabilidade (psicológica e neural) para o posterior desenvolvimento de transtornos mentais,1 entre eles o transtorno de estresse pós-traumático (TEPTtranstorno de estresse pós-traumático).2–4 Os ambientes físico e social têm um importante impacto na fisiologia e no comportamento, influenciando o processo de adaptação ao estresse.

Ao mesmo tempo em que as experiências mudam o cérebro e o pensamento, a neurobiologia está sendo igualmente modificada.5

Essa vulnerabilidade ocorre em uma interação com aspectos genéticos e pode ser potencializada na ocorrência de estresse posteriormente na vida, e isto se dá pelos efeitos de “programação neural de longo prazo” que o estresse precoce é capaz de exercer nas áreas cerebrais associadas ao funcionamento emocional (como a avaliação de características emocionais no ambiente e a resposta ao estresse).6,7 Muitos pacientes com transtornos neuropsiquiátricos apresentam déficits no funcionamento emocional.

As experiências emocionais iniciais (até os 5 anos) estão ligadas à etiologia, à gravidade, à recorrência, ao prognóstico e à resposta ao tratamento dos transtornos mentais.2 O incremento do conhecimento nessa área demonstra a importância de um entendimento mais profundo sobre o efeito do estresse precoce (e seus subtipos), especialmente para profissionais de saúde mental.

  • Objetivos

Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de

  • identificar os modelos neurobiológicos para os transtornos mentais;
  • correlacionar os traumas infantis à etiologia, à gravidade, à recorrência, ao prognóstico e ao tratamento dos transtornos mentais;
  • reconhecer a importância da abordagem clínica dos traumas infantis, especialmente para casos graves e com queixas clínicas difusas.
  • Esquema conceitual

Ao longo das últimas décadas, houve uma grande mobilização da Medicina para avanços no estudo do cérebro, tanto no que diz respeito à sua estrutura quanto a suas funções. Um paradigma recente que tem se solidificado cada vez mais dentro da área da Psicologia é a associação de teorias e práticas psicológicas ao conhecimento neurocientífico. Apesar de ainda ser um tema recente de estudo para a área, há diversas evidências, tanto teóricas quanto práticas, da aplicabilidade dessas informações na prática de profissionais de Psicologia.

Ao participar de congressos internacionais sobre estudos da mente, vê-se a presença em massa de pessoas discutindo neurociências. Portanto, ainda que esse não seja um tema ao qual os psicólogos estão acostumados a lidar, é de fundamental importância que eles façam um esforço para se aproximarem mais dessa abordagem.

Quando se fala sobre a relevância prática do estudo do cérebro e da neurociência de modo geral na Psicologia, um dos tópicos que mais dialoga com essa perspectiva é o de “traumas infantis e transtornos mentais” devido às suas consequências diretas na psicopatologia e no adoecimento. Sendo assim, o propósito deste artigo é explorar um pouco mais o tema em questão.

A ideia de que os transtornos mentais possuem um modelo cerebral está se expandindo: tem sido possível, na abordagem de pacientes que apresentem algum tipo de psicopatologia, realizar, além de uma avaliação psicológica dos processos emocionais, tanto uma avaliação cognitiva (neuropsicológica, com testes que avaliam aspectos como memória, percepção, linguagem e função executiva)8 quanto um exame de imagem cerebral. Então, de acordo com suas funções cerebrais e o seu desempenho em testes cognitivos, pode-se ter uma hipótese diagnóstica de qual seja seu problema.

Assim, ainda que não se tenha uma precisão absoluta na criação dessa hipótese clínica a partir de dados de neuroimagem, é seguro falar em um modelo neurobiológico de transtornos mentais. Um exemplo disso poderia ser um indivíduo que possui transtorno obsessivo-compulsivo (TOCtranstorno obsessivo-compulsivo), considerando que a maioria das pessoas com TOCtranstorno obsessivo-compulsivo tem alguma disfunção no córtex pré-frontal em sua porção orbitofrontal.9

Da mesma forma, indivíduos que apresentam TEPTtranstorno de estresse pós-traumático têm um funcionamento do córtex cingulado anterior (do inglês anterior cingulate cortex [ACC]) prejudicado,10 bem como pessoas com transtorno bipolar de humor ou transtorno depressivo maior também possuem suas particularidades a nível cerebral.11,12

Na Figura 1, por exemplo, os autores comparam o funcionamento cerebral em repouso (por meio de uma técnica de neuroimagem funcional da família das ressonâncias nucleares magnéticas chamada Resting State Network [RSN]) de pacientes deprimidos (linha A) e de sujeitos controles (linha B); em C, apresenta-se um mapa topográfico da comparação do funcionamento cerebral entre os dois grupos. Nesse estudo, os pacientes com depressão mostraram maior atividade do córtex frontal cerebral, o que poderia ser relacionado aos sintomas cognitivos de ruminação, por exemplo.

Figura 1 — Exame de neuroimagem funcional de pacientes com depressão (A) e participantes controles (B). Em C, podem ser vistas as comparações entre deprimidos e controles: as áreas em vermelho estão mais ativas nos deprimidos, e as áreas em azul, menos ativas, comparadas com os pacientes controle.

Fonte: Barkhof e colaboradores (2014).13

A partir dessa perspectiva, poder-se-ia afirmar que o comportamento emocional é mediado por um sistema biológico (neural) subjacente, ou seja, existe um mecanismo neurobiológico que fundamenta e propicia esse comportamento. Se considerar que o sistema nervoso se desenvolve na interação com o meio ambiente do indivíduo, especialmente durante a infância, pode-se pensar que a experiência precoce tenha um papel importante para a formação desse mecanismo neurobiológico que está por trás do comportamento emocional.

Na Figura 2, é possível visualizar o modelo integrativo para os efeitos das experiências infantis para comportamento emocional mesmo em longo prazo.

HPA: hipotálamo-pituitária-adrenal.

Figura 2 — Modelo integrativo para os efeitos das experiências infantis para comportamento emocional mesmo em longo prazo. Na seta superior à esquerda, sugere-se que o ambiente precoce promove alterações no substrato neurobiológico, que, por sua vez, irá fundamentar o comportamento emocional. Com os estudos da neurobiologia do estresse precoce e as suas implicações clínicas, acredita-se que esse mecanismo neurobiológico se refira ao eixo HPA e às áreas límbicas cerebrais; da mesma forma, esse comportamento emocional prejudicado é identificado como os sintomas de transtornos mentais, como a depressão, os transtornos de ansiedade e de personalidade, entre outros.

Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Neste artigo, será estudada a experiência infantil como contribuinte para se gerar um transtorno mental no futuro. Em sua vida adulta, um indivíduo pode vivenciar uma situação estressante e desenvolver um transtorno referente ao trauma, enquanto outro pode passar por uma situação similar e não desenvolver nenhum transtorno. Quais razões levam uma pessoa a desenvolver o transtorno? É o que se busca entender com alguns estudos sobre os efeitos do estresse precoce no aumento da vulnerabilidade para o TEPTtranstorno de estresse pós-traumático, por exemplo.

Ao se procurar explicações para um quadro de trauma em vivências precoces, será introduzido o debate de como um trauma infantil pode participar da construção no futuro de uma personalidade doente ou de um sistema mental psicológico adoecido. Nos estudos dessa interface da Psicologia com as neurociências, uma primeira premissa que se tem é de que os comportamentos e as emoções são uma expressão da função cerebral.

Se uma pessoa está feliz, triste, com raiva, ou se está em um quadro de depressão ou esquizofrenia, existem circuitos cerebrais sendo ativados para que ela esteja assim. Há estruturas cerebrais funcionando para gerar esse fenômeno comportamental, cognitivo, emocional e afetivo. Portanto, nesse primeiro momento, se está procurando qual seria a base neural das doenças mentais.

O funcionamento cerebral distinto entre pessoas tem explicações que levam em consideração fatores genéticos, ambientais e da interação entre eles. Isso leva à ideia anteriormente mencionada sobre a influência de situações de estresse na infância no cérebro de uma criança, que, por sua vez, trará consequências para suas estruturas e funções cerebrais na fase adulta.7

A seguir, pode ser vista uma ilustração das áreas cerebrais mais comumente associadas ao processamento emocional (Figura 3).

Figura 3 — Áreas cerebrais mais comumente associadas ao processamento emocional. O esquema à direita mantém a identidade de cores com a representação cerebral, à esquerda.

Fonte: Adaptada de Lent (2008).14

ATIVIDADES

1. A ideia de que as doenças mentais possuem um modelo cerebral está se expandindo. No que tange à relação entre o transtorno mental e sua associação neurobiológica, assinale a alternativa correta.

A) TOCtranstorno obsessivo-compulsivo e disfunção no córtex pré-frontal em sua porção orbitofrontal.

B) TOCtranstorno obsessivo-compulsivo e alguma disfunção no córtex pré-frontal em sua porção dorsolateral.

C) TEPTtranstorno de estresse pós-traumático e alguma disfunção no córtex cingulado posterior.

D) TEPTtranstorno de estresse pós-traumático e alguma disfunção no hipocampo.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "A".


O TOCtranstorno obsessivo-compulsivo tem sido associado a alterações no funcionamento ou dimensão do córtex pré-frontal em sua porção orbitofrontal.

Resposta correta.


O TOCtranstorno obsessivo-compulsivo tem sido associado a alterações no funcionamento ou dimensão do córtex pré-frontal em sua porção orbitofrontal.

A alternativa correta é a "A".


O TOCtranstorno obsessivo-compulsivo tem sido associado a alterações no funcionamento ou dimensão do córtex pré-frontal em sua porção orbitofrontal.

2. De acordo com o modelo neurobiológico para os transtornos mentais, pacientes com TEPTtranstorno de estresse pós-traumático caracterizam-se por apresentar:

A) disfunções no córtex pré-frontal em sua porção orbitofrontal.

B) disfunções graves no lóbulo temporal.

C) funcionamento do ACC prejudicado.

D) funcionamento irregular do córtex pré-frontal e do hipocampo.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "C".


De acordo com o modelo neurobiológico para os transtornos mentais, pacientes que apresentam TEPTtranstorno de estresse pós-traumático têm um funcionamento do ACC prejudicado.

Resposta correta.


De acordo com o modelo neurobiológico para os transtornos mentais, pacientes que apresentam TEPTtranstorno de estresse pós-traumático têm um funcionamento do ACC prejudicado.

A alternativa correta é a "C".


De acordo com o modelo neurobiológico para os transtornos mentais, pacientes que apresentam TEPTtranstorno de estresse pós-traumático têm um funcionamento do ACC prejudicado.

3. De acordo com estudos utilizando técnicas de neuroimagem funcional da família das RSNs, pacientes deprimidos apresentam:

A) menor atividade do córtex frontal cerebral.

B) maior atividade no córtex cingulado e redução de atividade na amígdala.

C) menor atividade no hipotálamo e no hipocampo.

D) maior atividade do córtex frontal cerebral.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "D".


Estudos comparativos do funcionamento cerebral em repouso, utilizando técnicas de neuroimagem funcional da família das RSNs para comparar cérebros de pacientes deprimidos a cérebros de sujeitos controles, evidenciaram que os pacientes com depressão mostraram maior atividade do córtex frontal cerebral, o que poderia ser relacionado, por exemplo, aos sintomas cognitivos de ruminação.

Resposta correta.


Estudos comparativos do funcionamento cerebral em repouso, utilizando técnicas de neuroimagem funcional da família das RSNs para comparar cérebros de pacientes deprimidos a cérebros de sujeitos controles, evidenciaram que os pacientes com depressão mostraram maior atividade do córtex frontal cerebral, o que poderia ser relacionado, por exemplo, aos sintomas cognitivos de ruminação.

A alternativa correta é a "D".


Estudos comparativos do funcionamento cerebral em repouso, utilizando técnicas de neuroimagem funcional da família das RSNs para comparar cérebros de pacientes deprimidos a cérebros de sujeitos controles, evidenciaram que os pacientes com depressão mostraram maior atividade do córtex frontal cerebral, o que poderia ser relacionado, por exemplo, aos sintomas cognitivos de ruminação.

4. No que diz respeito à relação entre experiências infantis, alterações neurobiológicas e comportamento emocional, assinale a alternativa correta.

A) As alterações no substrato neurobiológico promovidas pelas experiências na infância se dão no eixo HPA e nas áreas límbicas cerebrais, o que irá fundamentar um comportamento emocional prejudicado.

B) Embora o ambiente precoce promova alterações no substrato neurobiológico, essas alterações são revertidas até a idade adulta e, portanto, só afetam o comportamento emocional em curto prazo.

C) As alterações neurobiológicas decorrentes de experiências na infância estão relacionadas unicamente com os quadros de estresse, não se relacionando com transtornos mentais, como a depressão ou os transtornos de ansiedade e de personalidade.

D) Embora as experiências da infância estejam relacionadas com os transtornos mentais na idade adulta, as alterações neurobiológicas só ocorrem nessa fase da vida em decorrência dos transtornos mentais.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "A".


Existem evidências de que o ambiente precoce promove alterações no substrato neurobiológico, o qual, por sua vez, irá fundamentar o comportamento emocional. Com os estudos da neurobiologia do estresse precoce e as suas implicações clínicas, acredita-se que esse mecanismo neurobiológico se refira ao eixo HPA e às áreas límbicas cerebrais; da mesma forma, esse comportamento emocional prejudicado é identificado como os sintomas de transtornos mentais, como a depressão, os transtornos de ansiedade e de personalidade, entre outros.

Resposta correta.


Existem evidências de que o ambiente precoce promove alterações no substrato neurobiológico, o qual, por sua vez, irá fundamentar o comportamento emocional. Com os estudos da neurobiologia do estresse precoce e as suas implicações clínicas, acredita-se que esse mecanismo neurobiológico se refira ao eixo HPA e às áreas límbicas cerebrais; da mesma forma, esse comportamento emocional prejudicado é identificado como os sintomas de transtornos mentais, como a depressão, os transtornos de ansiedade e de personalidade, entre outros.

A alternativa correta é a "A".


Existem evidências de que o ambiente precoce promove alterações no substrato neurobiológico, o qual, por sua vez, irá fundamentar o comportamento emocional. Com os estudos da neurobiologia do estresse precoce e as suas implicações clínicas, acredita-se que esse mecanismo neurobiológico se refira ao eixo HPA e às áreas límbicas cerebrais; da mesma forma, esse comportamento emocional prejudicado é identificado como os sintomas de transtornos mentais, como a depressão, os transtornos de ansiedade e de personalidade, entre outros.

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