- Introdução
O uso de antimicrobianos revolucionou o tratamento das infecções, tornando-se possível a transição do tratamento de patologias antes consideradas fatais para problemas de saúde controláveis. Com a esperança do controle das doenças infecciosas, os antimicrobianos foram descobertos em 1929 e utilizados em 1935.1,2
Entretanto, com pouco tempo de uso dos antimicrobianos, alguns microrganismos apresentaram-se resistentes e, no início da década de 1950, essa resistência tornou-se crescente e desafiadora para os pesquisadores, afetando, principalmente, o ambiente hospitalar e se estendendo para a comunidade e para o meio ambiente.1,2
A ameaça à saúde pública em decorrência do crescimento da resistência antimicrobiana foi impulsionada pelo uso indevido, pela subutilização e pelo mau uso dos antibióticos — na saúde humana, na saúde animal e na produção de alimentos.1,2
Conceitua-se bactéria resistente a determinado antibiótico quando o germe é capaz de crescer in vitro em concentrações usualmente alcançáveis no sangue pelo agente antimicrobiano. Em relação à multirresistência, embora não exista uma definição padrão, o termo é empregado para descrever resistência a duas ou a mais classes não relacionadas de antibióticos, às quais a bactéria é, normalmente, considerada suscetível.3
A resistência aos agentes antibacterianos pode ser um fenômeno inato a determinada espécie ou adquirido por meio de um dos mecanismos de transferência genética entre bactérias.3 A resistência inata constitui uma característica biológica dos microrganismos de uma espécie particular. Por ser previsível, a resistência natural não tem relevância no diagnóstico laboratorial do perfil de susceptibilidade antimicrobiana nem na terapêutica antibiótica.1,3
Já a resistência aos agentes antibacterianos adquirida, reflete uma verdadeira mudança na composição genética da bactéria, tornando resistente um microrganismo primariamente susceptível ao agente antimicrobiano. Esse mecanismo é o mais importante e pode ser associado à disseminação de microrganismos com resistência provenientes de processos infecciosos.1,3
O isolamento de bactérias resistentes foi impulsionado pela presença crescente de indivíduos com comprometimento dos mecanismos de defesa e pelo uso intensivo de novos dispositivos e de procedimentos invasivos.2,3
São vários os fatores de risco para a colonização ou para a infecção pelos microrganismos multirresistentes (MMRsmicrorganismos multirresistentes) nos pacientes hospitalizados, e os mais frequentes são:2,3
- idade avançada;
- doenças de base e gravidade clínica;
- internações em outras instituições hospitalares;
- exposição a múltiplos dispositivos invasivos e a agentes antimicrobianos;
- longa permanência hospitalar.
É no ambiente hospitalar, principalmente em unidades de terapia intensiva (UTIs), que a antibioticoterapia tem seu maior impacto ecológico.2,3 Uma vez que a resistência tenha se manifestado, as bactérias resistentes podem espalhar-se nos hospitais e na comunidade.4
Para a transmissão hospitalar, o microrganismo deve ser capaz de resistir ao ambiente, colonizar a pele e as mucosas de pacientes e dos membros da equipe de saúde, sobreviver em várias superfícies e resistir às terapias antibióticas e aos antissépticos.3
A forma mais importante para a disseminação de MMRsmicrorganismos multirresistentes é a transmissão de um paciente infectado ou colonizado para outro suscetível, pelas mãos dos profissionais de saúde potencialmente contaminadas.3
Também é documentada, de forma relevante, a disseminação de bactérias Gram-positivas multirresistentes pelos profissionais de saúde colonizados.3 Entretanto, a detecção de bactérias multirresistentes no ambiente é complexa, uma vez que os pacientes podem ser portadores assintomáticos já na admissão.3–5
As infecções relacionadas à assistência à saúde (Irasinfecções relacionadas à assistência à saúde) são definidas como aquelas adquiridas após a admissão do paciente, com manifestação durante a internação ou após a alta quando relacionadas a internações ou a procedimentos realizados durante a assistência. Entre os microrganismos causadores das Irasinfecções relacionadas à assistência à saúde, as bactérias contribuem com a quase totalidade das infecções, com um percentual considerável de isolados bacterianos, resistentes aos antimicrobianos.6
Assim, as consequências das infecções por MMRsmicrorganismos multirresistentes são o aumento da morbidade, da mortalidade e maior risco de complicações. Outra consequência da resistência antimicrobiana em unidades de saúde é a necessidade de prescrever medicamentos cada vez mais novos, de maior espectro de ação e de alto custo — alguns dos quais também estão associados a altos índices de eventos adversos (EAseventos adversos).4,5
Além disso, há que se considerar que a indústria farmacêutica não tem acompanhado na mesma proporção do aumento da resistência bacteriana a produção de fármacos capazes de agir em tais microrganismos, o que tem sido um sério problema, ou seja, a limitação das opções terapêuticas. Em contrapartida, para o paciente, destacam-se a maior interrupção/perda da produtividade, o afastamento do seu lar/ausência de sua família pelo aumento do tempo de hospitalização e a elevação dos custos diagnósticos e de tratamento, além das incertezas quanto a potenciais complicações advindas.4,5
Diante desse cenário, o enfermeiro constitui um dos elos fundamentais no processo de interrupção da cadeia de transmissão dos MMRsmicrorganismos multirresistentes entre pacientes e no ambiente durante o cuidado de saúde. A responsabilidade e a relevância do enfermeiro se destacam não só pela sua capacidade de liderar a equipe de enfermagem, mas de interagir com a equipe.7
Além disso, entre as competências do enfermeiro, regulamentadas pela lei do exercício profissional, o enfermeiro é responsável pela prevenção e pelo controle sistemático de infecções e de danos que possam ser causados durante a assistência, inclusive como membro de comissões para práticas seguras.7
Nesse sentido, toda a estrutura do presente artigo visa fundamentar o enfermeiro e os demais profissionais de saúde para uma ação qualificada, visando ao controle da disseminação de MMRsmicrorganismos multirresistentes para a prevenção das infecções relacionadas à assistência em saúde, a partir do conhecimento técnico que permita propor ações e planejar uma assistência segura para todo e qualquer paciente.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- reconhecer os mecanismos da resistência antimicrobiana;
- realizar ações pontuais para o controle da disseminação de MMRsmicrorganismos multirresistentes;
- prevenir as infecções relacionadas à assistência em saúde.
- Esquema conceitual