- Introdução
A música, enquanto produção natural, acompanha o ser humano em sua trajetória existencial e tem sido utilizada como instrumento de expressão, prazer e alívio/cura de doenças, desde os primórdios das civilizações.1
Na pré-história, a música produzida por homens e mulheres era considerada uma forma de comunicação ou uma expressão da comunidade para consigo e com outros seres humanos.2 E essa vertente comunicacional é uma das maiores potencialidades do uso da música como terapia, pois indivíduos com limitações dessa natureza têm a possibilidade de se expressar através da produção de sons musicais.1,2
A ideia da música com fins terapêuticos e que influencia o comportamento humano e a saúde é tão antiga quanto os escritos de Aristóteles e Platão.3 Platão recomendava a música para a saúde da mente e do corpo e para vencer as angústias fóbicas; Aristóteles descrevia os efeitos benéficos da música nas emoções incontroláveis e para provocar a catarse das emoções.4
Os gregos foram os mais prestigiados preconizadores da música com fins terapêuticos, pois já compreendiam as potencialidades musicais no tratamento de distintas enfermidades e utilizavam a música em uma lógica preventiva e curativa.4 Aristóteles defendia uma concepção holística acerca dos efeitos da música no ser humano, pois acreditava que a melhor educação seria aquela que fosse conseguida por meio da música, visto que a harmonia e o ritmo conseguem penetrar no mais íntimo do ser, fornecendo sabedoria.5
O Império Romano herdou grande parte da cultura grega.6 Contudo, a aplicação da música em terapêuticas de cuidado de saúde foi se degradando com o passar dos séculos, com as conquistas do cristianismo e, posteriormente, com a implementação do catolicismo romano, o qual influenciou a produção musical da época, que era erudita, e transformou seu significado com sentido de louvor a Deus.4,6
No período renascentista e com a desmistificação da superstição medieval de que as doenças, em especial os transtornos mentais, decorriam da influência de demônios, a música era utilizada, em conjunto com a medicina e a arte, para o tratamento de enfermidades e, também, como medida preventiva contra os transtornos mentais e físicos.7 E, ainda, ressurgiu como um dos meios mais eficazes para processos de educação e reeducação de indivíduos em reabilitação, tornando-se um recurso terapêutico.8
Sobretudo com o avanço do paradigma biotecnológico e a exacerbação da máquina em detrimento do natural, a música foi perdendo seu designado “poder” com a industrialização do mundo laboral e a degradação da compreensão estética em medicina durante o século XIX.1,4
Todavia, no início do século XX, com o regresso dos veteranos da I e II Guerras Mundiais, a utilização da música como recurso terapêutico se expandiu muito, em especial no âmbito hospitalar.9,10 Foi percebido que a música, oferecida aos soldados feridos para diversão, provocava benefícios significativos, como redução da depressão e maior socialização, como o aumento da expressão emocional e maior contato com a realidade.7,10 Ainda, esse recurso terapêutico, no decorrer do século XX, é redescoberto e valorizado no campo da saúde, em suas diversas dimensões.
Na história da Enfermagem, a música começou a ser utilizada com finalidade terapêutica por Florence Nightingale, visto que, ainda no início da organização da Enfermagem como profissão, apreendera os efeitos terapêuticos decorrentes da voz humana e de alguns instrumentos de sopro e de cordas como benéficos pelo seu som contínuo, reverenciando a música como recurso de cuidado.11 E a consciência desse fato, entre outros presentes no início da profissão, reafirma a percepção de que a enfermagem utiliza esse recurso terapêutico, pois integra a sua história.8
No Brasil e em todo o mundo, a música, como estratégia de cuidado, é reconhecida e comprovada cientificamente em muitas pesquisas, sendo denominada, regulamentada e reconhecida pelo Ministério da Saúde (MSMinistério da Saúde) como uma prática integrativa e complementar (PICprática integrativa e complementar) em saúde;12 ainda, a Organização Mundial da Saúde (OMSOrganização Mundial da Saúde) tem oferecido apoio e incentiva os países a inserir terapias alternativas ao cuidado à saúde.13 A música também é referenciada no sistema da Classificação das Intervenções de Enfermagem (NICClassificação das intervenções de enfermagem, do inglês, Nursing Intervention Classifiocation), como intervenção de enfermagem, o que possibilita sua utilização pelos enfermeiros em suas práticas assistenciais.14
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- descrever uma breve história da música e a sua inserção na área da saúde e da enfermagem, os conceitos, sua relação com as dimensões do ser humano e sua relação com a saúde humana;
- identificar os efeitos terapêuticos da música nos diversos contextos da área da saúde e enfermagem;
- apontar a música como intervenção de enfermagem no processo de enfermagem, utilizando a NICClassificação das intervenções de enfermagem;
- identificar os diagnósticos de enfermagem (DEdiagnóstico de enfermagems) e os resultados esperados para os quais a música pode ser empregada como intervenção.
- Esquema conceitual