Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- identificar aspectos da construção histórica do conceito de adolescência na sociedade ocidental;
- compreender o desenvolvimento puberal e sua relação com rituais de passagem;
- reconhecer aspectos das relações psicossociais no processo saúde–doença do adolescente;
- refletir sobre aspectos relativos à saúde mental e ao sofrimento psíquico na adolescência;
- identificar e realizar práticas interdisciplinares de atenção comunitária na promoção da saúde do adolescente.
Esquema conceitual
Introdução
“O Brasil possui uma população estimada em 210 milhões de pessoas, dos quais aproximadamente 54 milhões têm menos de 18 anos de idade,1,2 ou seja, mais de ¼ da população nacional”. Conforme pesquisa mais recente da Fundação Abrinq, com dados advindos da pesquisa censitária do IBGE, “mais da metade de todas as crianças e adolescentes brasileiros são pretos e pardos, sendo que 2,5 milhões ou 4,6% dessas crianças ou adolescentes (até 17 anos) trabalham e 22,6% das crianças e adolescentes com idade entre 0 e 14 anos vivem em situação de extrema pobreza (com renda domiciliar per capita mensal inferior ou igual a um quarto de salário mínimo), sendo esse número maior em algumas regiões do país, como no Norte, cujo percentual supera os 41%, quase o dobro da média nacional.”1–3
Adolescentes e jovens constituem, assim, um grupo populacional que exige novos modos de produzir saúde,2 especialmente pela complexidade que constitui o amplo espectro de determinantes e condicionantes da população nessa faixa etária. Seus ciclos de vida e suas possibilidades de produção de saúde evidenciam que os agravos que vulnerabilizam o desenvolvimento e que têm por efeito quadros de adoecimentos decorrem, em grande medida, das condições genéticas e biológicas. No entanto, segundo os determinantes sociais de saúde (DDSs) que inserem esse público em determinados modos de viver, fazem, dessa faixa etária, uma população estratégica para se pensar o tipo de políticas públicas e de atenção à saúde que se constrói para uma sociedade saudável e inclusiva.
As vulnerabilidades produzidas pelos contextos socioculturais e político-econômicos e as iniquidades resultantes dos processos históricos de discriminação e exclusão determinam os direitos e as oportunidades de adolescentes e jovens brasileiros, tendo impacto em seu processo saúde–doença–cuidado. Portanto, em virtude da condição de desenvolvimento desse público, se estabelece íntima relação com os DSSs.4
São os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais, familiares e territoriais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população”. Assim, na adolescência e na juventude, saúde–doença–cuidado diz respeito a essa intrincada relação entre contexto, suas determinações e modos de vida possíveis/conquistados ou estabelecidos e as singularidades do adolescer em cada um dos sujeitos na busca por ampliar suas formas de viver.4
No contexto da assistência à saúde desse público, especialmente a partir das práticas desenvolvidas na Atenção Primária à Saúde (APS) e na Estratégia Saúde da Família (ESF), o componente do Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP), entendendo a pessoa integralmente, amplia a compreensão acerca do ser humano em seu contexto.5
“Entender a pessoa como um todo indica a necessidade de compreender o contexto vivido e experienciado pela pessoa, ou seja, olhar com lentes amplas que desvelem as repercussões do ambiente na saúde, na doença, assim como na promoção e na prevenção da saúde. Importante ponderar que ambiente, nessa discussão, comporta espaço físico, domínio social, psicológico e econômico."6
Cada sujeito expressa uma composição em suas dimensões biológica, psicológica e sociocultural. Nesse contexto, a atenção a adolescentes e jovens deve pautar-se em integralidade, longitudinalidade, intersetorialidade, vínculo, respeito à diversidade e garantia da promoção dos direitos desse público, incluindo uma vida saudável.2 O que se reitera aqui, portanto, trata-se de uma inflexão à visão tradicional atomista ou individualizante sobre os sujeitos (nesse caso, do adolescente e jovem), pensando-os como construção incessante, como “devir-juventude”, sempre contingente e construído pelas relações e determinações que o situam em determinado tempo e espaço.
Assim, a intensão é contribuir no sentido de que se supere a ideia do adolescente unicamente vinculado a uma"fase-problema", considerando que seus modos de ser (que podem incluir todos esses estereótipos ou não) são marcados por construções de vida desiguais, iníquas e diversas em suas expressões.
Seguindo essa orientação teórica e metodológica de atenção à saúde de adolescentes e jovens, este capítulo propõe a abordagem comunitária como modo de ampliar e, ao mesmo tempo, instrumentalizar a ação da equipe e do médico de família e comunidade (MFC) inserido na APS/ESF, que atua na diretriz do MCCP. O modelo lógico em que ancora a abordagem aqui proposta parte do diálogo entre as perspectivas psicossociais sobre juventude e DDSs como forma explicativo-crítica das dinâmicas de saúde–doença na população.
Por que trabalhar com uma abordagem interprofissional? “Quando se fala em transdisciplinaridade concebe-se a quebra das barreiras entre cada disciplina, podendo criar perspectivas novas ao evocar o que elas têm em comum e de complementar. Com isso, não se propõe que se sobreponham às funções dos profissionais, mas sim que cada um possa otimizar sua atuação ao incorporar teorias de outras áreas que façam sentido dentro de algum contexto.”6