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APLICAÇÃO DOS TESTES FARMACOGENÉTICOS NA PSIQUIATRIA CLÍNICA

Rodrigo Bernini de Brito

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  • Introdução

Grande parte das opções atuais de tratamento para os transtornos mentais estão abaixo do ideal em relação à eficácia e à tolerabilidade. Os psicofármacos existentes, incluindo os antidepressivos (ADantidepressivos), os antipsicóticos e os estabilizadores de humor (EHestabilizadores de humor) são eficazes apenas em um subgrupo de pacientes, ou produzem resposta parcial, e são frequentemente associados a efeitos colaterais debilitantes, que desencorajam a adesão.1

No transtorno depressivo maior (TDMtranstorno depressivo maior), na esquizofrenia e no transtorno bipolar (TBtranstorno bipolar), apenas um terço dos pacientes atinge remissão completa.1 Considerando-se esses dados, a previsão da resposta ao tratamento tornou-se uma tarefa crucial e, portanto, difícil para os médicos.

O TDMtranstorno depressivo maior, transtorno mental que afeta mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo, é altamente prevalente e incapacitante e é a principal causa de incapacidade.2 Numerosos ADantidepressivos são considerados “de primeira linha” para o TDMtranstorno depressivo maior,3 mas, infelizmente, menos de um terço dos pacientes alcançará a remissão completa dos sintomas depressivos após o primeiro tratamento antidepressivo.4

Após vários ensaios de ADantidepressivos de diferentes categorias e/ou estratégias de combinação, aproximadamente um terço de pacientes ainda não conseguirá alcançar a remissão dos sintomas depressivos.5 A atual estratégia de tratamento padrão para o TDMtranstorno depressivo maior é subótima e usa uma abordagem de tentativa e erro até que um ADantidepressivo, ou um tratamento combinado, proporcione a remissão completa dos sintomas depressivos.3

De acordo com a National Alliance on Mental Illness (NAMINational Alliance on Mental Illness), transtornos mentais graves, como a esquizofrenia e o TBtranstorno bipolar, custam aos americanos mais de 193 bilhões de dólares por ano. Em todo o mundo, 81 milhões de pessoas vivem com esquizofrenia ou TBtranstorno bipolar,6 e indivíduos com esquizofrenia ou TBtranstorno bipolar têm risco aumentado de desenvolver condições médicas crônicas, como hipertensão arterial (HTA), diabetes melito (DMdiabetes melito) e doença hepática.

Os indivíduos com esquizofrenia ou TBtranstorno bipolar morrem, em média, 25 anos mais cedo do que os indivíduos sem transtornos mentais.6 Eles também enfrentam questões sociais, incluindo discriminação e preconceito e tratamentos inadequados, que podem levar à falta de moradia e ao encarceramento.6,7 A decisão de usar um determinado regime de tratamento farmacológico para a esquizofrenia ou TBtranstorno bipolar pode ser difícil, devido à complexidade genética e às variações do metabolismo dos fármacos.6

Diferenças interindividuais na resposta aos antipsicóticos e aos EHestabilizadores de humor, associadas ao número de pacientes com quadros refratários ou resistentes ao tratamento, são considerados os problemas desafiadores em psiquiatria clínica, de acordo com a NAMINational Alliance on Mental Illness.6

LEMBRAR

Existem evidências de que componentes genéticos influenciam o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos e de condutas terapêuticas. Por exemplo, o risco de desenvolver esquizofrenia aumenta em parentes próximos, como gêmeos. Além disso, os membros da mesma família frequentemente respondem aos mesmos tratamentos.8

Polimorfismos no gene transportador de serotonina (5-HT), por exemplo, podem aumentar o risco de o paciente desenvolver depressão. Esse transportador específico facilita a recaptação da serotonina da fenda sináptica no neurônio pré-sináptico, e estudos mostraram que uma inserção (a adição de um pedaço de DNA) ou deleção (a remoção de um pedaço de DNA) na região promotora (definida como a ligação de 5-HT na região polimórfica, ou 5-HTTLPR) do alelo curto tem sido associada a uma diminuição na expressão e à recaptura do transportador de serotonina.9

Polimorfismos no comprimento de alelos podem determinar resposta a inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRSinibidores seletivos de recaptação da serotonina). Isto é, os alelos longos podem apresentar taxas de resposta favoráveis aos ISRSinibidores seletivos de recaptação da serotonina, enquanto alelos curtos correspondem a taxas de resposta diminuídas aos ISRSinibidores seletivos de recaptação da serotonina, além do aumento do risco de suicídio.10

Em outro exemplo, testando numerosas variantes do gene que codifica a alelo CYP2D6, a enzima responsável pelo metabolismo de muitos antipsicóticos e EHestabilizadores de humor, foram descobertas variações metabólicas, como metabolizadores pobres e metabolizadores ultrarrápidos.11 Essas variações metabólicas podem resultar em maior ou menor exposição a concentrações de fármacos.12

Testes genéticos também podem determinar se os pacientes têm ou não predisposição a efeitos colaterais, como agranulocitose, com o uso da clozapina (CLZclozapina).12 Outro exemplo de achados genéticos na esquizofrenia é o alelo HTR2C, que codifica para o receptor de serotonina 2C. Variações alélicas no HTR2C, com CYP1A2 e CYP2C19, podem promover ganho de peso, dislipidemia e DMdiabetes melito em pacientes que tomam antipsicóticos.13

A prescrição personalizada pode ser implementada com dosagem personalizada e/ou seleção de medicamentos, levando em conta variáveis genéticas e ambientais (por exemplo, comedicações, eventos de estresse de vida, tabagismo, alimentos e bebidas). Estima-se que as variantes genéticas respondam por 20 a 95% da variabilidade na disposição e farmacodinâmica do fármaco do sistema nervoso central (SNC).14

Farmacogenética é o estudo de como a informação genética impacta na resposta ao fármaco e em seus efeitos colaterais, com o objetivo de fornecer tratamentos sob medida, maximizando, assim, a eficácia e a tolerabilidade.

Os primeiros estudos farmacogenéticos concentraram-se em genes candidatos para a farmacocinética e farmacodinâmica de fármacos psicotrópicos. Os resultados foram, sobretudo, inconclusivos, mas alguns candidatos replicados foram identificados e incluídos como biomarcadores farmacogenéticos na rotulagem de medicamentos e em alguns kits comerciais aprovados pela Food and Drug Administration (FDAFood and Drug Administration). Apesar de vários desafios atuais, a implementação de farmacogenética em psiquiatria está se expandindo gradativamente.15

Os principais centros médicos estão rotineiramente implementando a farmacogenética,16,17 opções de testes farmacogenéticos comerciais estão crescendo,18,19 e a percepção de testes são cada vez mais favoráveis entre médicos, pacientes e o público geral.20–23

Para saber mais:

 

O Clinical Pharmacogenetics Implementation Consortium (CPICClinical Pharmacogenetics Implementation Consortium), disponível em https://cpicpgx.org/, é um valioso recurso, que fornece termos padronizados de nomenclatura farmacogenética e pode auxiliar na interpretação de resultados dos testes farmacogenéticos.24

Um importante desafio para farmacogenética na prática clínica atual é a padronização de painéis de testes genéticos, necessária para a precisão e a confiabilidade dos resultados.25

Estudos de genes candidatos forneceram resultados replicados para alguns polimorfismos, mas cada um deles mostra, na melhor das hipóteses, um pequeno efeito sobre a eficácia antidepressiva, e o efeito acumulativo de diferentes polimorfismos não é muito claro. Além disso, nenhum gene candidato ficou imune a pelo menos alguns estudos negativos.26

Essas considerações dão origem a algumas preocupações sobre os benefícios clínicos dos testes farmacogenéticos disponíveis na atualidade, uma vez que se baseiam nos resultados dos estudos de genes candidatos. De fato, diretrizes clínicas sugerem que apenas polimorfismos que alteram a atividade enzimática do citocromo 2D6 ou 2C19 provavelmente fornecerão indicações clínicas úteis, enquanto variantes em genes envolvidos na farmacodinâmica antidepressiva não têm aplicações clínicas recomendadas até o momento.26

  • Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • compreender os principais genes envolvidos na resposta/tolerabilidade aos psicofármacos nos principais transtornos psiquiátricos;
  • indicar ou não o teste farmacogenético a seu paciente;
  • interpretar basicamente um teste farmacogenético.
  • Esquema conceitual
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