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APLICAÇÕES ESSENCIAIS DA ULTRASSONOGRAFIA POINT OF CARE NA EMERGÊNCIA E NA UTI

Autores: Carlos Augusto Metidieri Menegozzo, Henrique Simonsen Lunardelli, Felipe Kfouri
epub-BR-PROURGEM-C18V1_Artigo

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • revisar as aplicações da ultrassonografia point of care (POCUS) em pacientes críticos;
  • utilizar a POCUS no diagnóstico e no tratamento desses pacientes;
  • verificar como os procedimentos ecoguiados podem oferecer mais segurança para os pacientes.

Esquema conceitual

Introdução

A utilização da ultrassonografia (USG) por médicos não radiologistas tem impacto no cuidado dos pacientes, especialmente em situações críticas, pois permite um diagnóstico mais rápido e objetivo, além de ser uma ferramenta útil para guiar procedimentos intervencionistas. Nesse contexto, o uso da POCUS está associado a mais qualidade de atendimento e mais segurança do paciente. Neste capítulo, serão abordadas algumas aplicações essenciais no contexto de pacientes críticos.

Entretanto, por ser um tema bastante extenso, fica inviável apresentar todos os aspectos e as possibilidades que a USG oferece em relação à avaliação e conduta nesses pacientes. Espera-se que este capítulo seja um estímulo adicional para a aplicação dos conceitos que mais se associam à rotina assistencial, motivando ainda mais a difusão da POCUS entre os médicos.

A medicina sempre buscou formas de melhorar a acurácia diagnóstica e terapêutica, e os avanços tecnológicos têm sido cada vez mais motivados pelo interesse em oferecer maior qualidade de atendimento. Nesse sentido, a POCUS tem um papel fundamental, pois é uma ferramenta de baixo custo, que não utiliza radiação, disponível à beira leito, e que pode ser usada por qualquer médico adequadamente treinado.

Hoje em dia, em vista dessas características, muitos consideram a POCUS uma extensão do exame físico. Desde o advento do estetoscópio, com o qual os médicos aguçaram a sua capacidade diagnóstica por meio da audição, a incorporação da POCUS na avaliação dos pacientes é uma das grandes mudanças no campo da medicina, a partir da qual se passa a ver as alterações, não apenas ouvi-las.

Na atualidade, discute-se muito a respeito da cultura de segurança do paciente. Os time-outs e as checklists hoje são a rotina nos serviços de saúde. Vale ressaltar que os erros médicos são uma grande causa de óbito nos EUA, consumindo enormes quantias de dinheiro e impactando a vida de milhares de pessoas. A POCUS é uma ferramenta que pode ser incorporada no serviço com o intuito de reduzir erros e riscos, além de individualizar tratamentos.

São esses os motivos pelos quais os médicos devem se instruir cada vez mais a usar essa ferramenta e aplicá-la, de maneira racional, na sua rotina, seja ela clínica ou cirúrgica. O maior objetivo é, e sempre deverá ser, oferecer um atendimento digno, de qualidade e seguro para todos os pacientes.

1

Um paciente do sexo masculino, 54 anos de idade, foi vítima de atropelamento em via de alta velocidade. Após o atendimento pré-hospitalar, foi levado a um hospital de referência. No atendimento inicial, o paciente estava com respiração ruidosa e com nível de consciência rebaixado, além de murmúrio vesicular diminuído à esquerda com percussão de difícil avaliação.

Exibia extremidades frias e tempo de enchimento capilar aumentado, porém sem evidência de sangramentos externos. O médico optou por realizar intubação orotraqueal e, após confirmação do posicionamento adequado do tubo, observou que não houve alteração dos parâmetros ventilatórios. Ele indicou uma drenagem pleural à esquerda pela hipótese de hemopneumotórax e iniciou o protocolo de transfusão maciça em vista da instabilidade hemodinâmica.

Ele solicitou a ajuda de um colega para avaliação ultrassonográfica nessa situação. O colega realizou um FAST estendido (e-FAST) e uma avaliação do diâmetro da bainha do nervo óptico (BNO), conforme Figuras 1 a 3. Os achados corroboraram a presença de líquido livre intracavitário, ausência de hemo ou pneumotórax e presença de hipertensão intracraniana (HIC).

FIGURA 1: Avaliação e mensuração da BNO de um paciente vítima de trauma com traumatismo cranioencefálico utilizando um transdutor linear no modo B. Observa-se que a BNO apresenta um diâmetro de 0,74cm, sugerindo HIC. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

FIGURA 2: Janela hepatorrenal do e-FAST obtida com o transdutor convexo no modo B com presença de líquido livre no espaço de Morison, identificado como uma imagem anecoica entre duas linhas hiperecogênicas que delimitam o fígado e o rim. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

FIGURA 3: Janela pulmonar obtida com o transdutor convexo no modo B, evidenciando múltiplas linhas B, por vezes, coalescentes, em uma vítima de trauma. Nesse contexto, é possível considerar o diagnóstico de contusão pulmonar. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Terapêutica do caso 1

A seguir, será detalhada a evolução do paciente do caso clínico 1.

Objetivos do tratamento do caso 1

Diante do quadro clínico e das informações adicionais obtidas com o auxílio da USG, o paciente apresenta choque hipovolêmico, cuja origem mais provável é a cavidade abdominal, além de uma provável lesão intracraniana com efeito de massa.

Nessa situação, devem ser iniciadas medidas rápidas de reposição volêmica e controle do sangramento. Ainda, a elevação da pressão intracraniana (PIC) denota a presença de lesão com efeito de massa, que deve ser identificada e tratada precocemente.

Condutas no caso 1

O paciente foi submetido a uma laparotomia exploradora, que identificou uma lesão esplênica grave, com necessidade de esplenectomia para controle do sangramento. A identificação de PIC elevada levou a equipe de neurocirurgia a instalar um cateter de PIC para monitoração e alívio da hipertensão, enquanto o paciente está estabilizando do ponto de vista hemodinâmico.

Acertos e erros no caso 1

A utilização da USG à beira leito no caso clínico 1 possibilitou a identificação rápida do foco provável do choque e a definição da estratégia para controle do sangramento de forma objetiva. Ainda, permitiu determinar a presença de HIC, uma condição potencialmente fatal, em um paciente que não tinha condições clínicas de ser submetido a um exame tomográfico.

A indicação da drenagem pleural nesse caso foi estabelecida por meio do exame físico, porém foi inadequada. Isso ocorre com frequência em cenários hostis da emergência, em que o exame físico nem sempre pode ser confiável, e também porque várias condições diferentes podem determinar achados de exame físico semelhantes. A USG é capaz de realizar o diagnóstico diferencial de várias condições torácicas e é uma excelente ferramenta para avaliação de patologias pleurais.

e-FAST

Entre os protocolos de USG à beira leito, talvez o mais difundido de todos seja o focused assessment sonography for trauma (FAST). A sua principal aplicação se dá no contexto do paciente politraumatizado com instabilidade hemodinâmica para a detecção rápida de líquido livre intra-abdominal ou pericárdico. Nesse contexto, a sua sensibilidade se aproxima de 100%.1

O FAST constitui-se da avaliação de quatro janelas: pericárdica, esplenorrenal, hepatorrenal e pélvica. Entre elas, a de maior sensibilidade é o espaço hepatorrenal, mais especificamente no lobo caudado hepático e na goteira parietocólica superior direita.2 No paciente politraumatizado, essas janelas devem ser sempre reavaliadas no caso de a primeira avaliação ser negativa, para diminuir o índice de falso-negativos.

No trauma abdominal contuso com instabilidade hemodinâmica, a presença de líquido livre abdominal é uma indicação clássica de laparotomia, porém as mesmas janelas do FAST podem ser utilizadas para a detecção de líquido livre peritoneal e líquido pericárdico na avaliação de condições não traumáticas.

O e-FAST se baseia nas mesmas janelas do FAST, porém com a adição da avaliação pulmonar a partir de quatro janelas para pesquisar pneumotórax e hemotórax. O hemotórax pode ser evidenciado pela janela mais posterior e inferior (base pulmonar), enquanto o pneumotórax pode ser visualizado em uma janela anterior (apical). 3,4

Em um contexto global, a avaliação ultrassonográfica oferece uma sensibilidade de 83% para hemotórax, de 69% para pneumotórax, de 91% para derrame pericárdico e de 74% para líquido livre intrabdominal.3,4

Diâmetro da bainha do nervo óptico

A medida do diâmetro da BNO proporciona uma aferição indireta da PIC devido à sua contiguidade com a dura-máter e com o espaço aracnoide preenchido pelo liquor. Dessa forma, a identificação do aumento da PIC por meio da mensuração do diâmetro da BNO pode ser útil na triagem de pacientes com patologias que podem cursar com aumento de PIC, tanto traumáticas como não traumáticas. Nesse contexto, pode ajudar na decisão de transferência ou da necessidade de avaliação de equipe especializada.

A literatura mostra que o diâmetro normal da BNO é menor que 5mm. Os valores acima disso apresentam forte correlação com PIC maior que 20mmHg (ver Figura 1). Os estudos mostram que, usando um valor de corte de 5,2 a 5,5mm, a sensibilidade desse exame varia de 83,3 a 100%, e a especificidade é de 100%.5

Apesar de o padrão-ouro para aferição da PIC ser o cateter intraventricular, a tomografia de crânio é o exame de imagem mais amplamente utilizado na avaliação dos pacientes com suspeita de HIC.6

Uma metanálise comparou o desempenho diagnóstico do diâmetro da BNO medido por USG com sinais tomográficos de aumento de PIC, concluindo que a sensibilidade e a especificidade da USG são de 95,6 e 92,3%, respectivamente.6 A medida da BNO também pode ajudar a reduzir a realização de exames desnecessários, além de evitar o transporte intra-hospitalar de pacientes críticos e as suas complicações.

ATIVIDADES

1. O uso da POCUS para intubação assistida por USG é bem estudado, apesar de pouco implementada na rotina atualmente. Em relação ao tema, assinale a afirmativa correta.

A) A USG é tão boa quanto a ausculta pulmonar para se determinar a seletividade da intubação orotraqueal.

B) Ventilar, com pressão positiva, um paciente cujo tubo orotraqueal foi posicionado no esôfago não acrescenta morbidade ao paciente.

C) A intubação assistida por USG só deve ser realizada por médico que tenha completado um treinamento formal de USG geral, como o oferecido na residência de radiologia e diagnóstico por imagem.

D) A USG pode determinar uma intubação correta (traqueal) e não seletiva com elevada acurácia, praticamente dispensando o uso do capnógrafo e do estetoscópio nesse procedimento.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "D".


A POCUS tem elevada acurácia para determinar uma intubação orotraqueal não seletiva ao visualizar o esôfago e a traqueia, determinando o local em que o tubo foi inserido, e ao avaliar o deslizamento pleural bilateralmente, confirmando que ambos os pulmões são ventilados.

Resposta correta.


A POCUS tem elevada acurácia para determinar uma intubação orotraqueal não seletiva ao visualizar o esôfago e a traqueia, determinando o local em que o tubo foi inserido, e ao avaliar o deslizamento pleural bilateralmente, confirmando que ambos os pulmões são ventilados.

A alternativa correta é a "D".


A POCUS tem elevada acurácia para determinar uma intubação orotraqueal não seletiva ao visualizar o esôfago e a traqueia, determinando o local em que o tubo foi inserido, e ao avaliar o deslizamento pleural bilateralmente, confirmando que ambos os pulmões são ventilados.

2. Qual é a função da avaliação do diâmetro da BNO no e-FAST do paciente do caso clínico 1?

A) Proporcionar uma aferição indireta da PIC.

B) Realizar nova intubação orotraqueal.

C) Avaliar causa do nível de consciência rebaixado.

D) Detectar a presença de ar nos diversos tecidos corporais.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "A".


A medida do diâmetro da BNO proporciona uma aferição indireta da PIC devido à sua contiguidade com a dura-máter e com o espaço aracnoide preenchido pelo liquor. Dessa forma, a identificação do aumento da PIC por meio da mensuração do diâmetro da BNO pode ser útil na triagem de pacientes com patologias que podem cursar com aumento de PIC, tanto traumáticas como não traumáticas.

Resposta correta.


A medida do diâmetro da BNO proporciona uma aferição indireta da PIC devido à sua contiguidade com a dura-máter e com o espaço aracnoide preenchido pelo liquor. Dessa forma, a identificação do aumento da PIC por meio da mensuração do diâmetro da BNO pode ser útil na triagem de pacientes com patologias que podem cursar com aumento de PIC, tanto traumáticas como não traumáticas.

A alternativa correta é a "A".


A medida do diâmetro da BNO proporciona uma aferição indireta da PIC devido à sua contiguidade com a dura-máter e com o espaço aracnoide preenchido pelo liquor. Dessa forma, a identificação do aumento da PIC por meio da mensuração do diâmetro da BNO pode ser útil na triagem de pacientes com patologias que podem cursar com aumento de PIC, tanto traumáticas como não traumáticas.

3. No contexto do paciente politraumatizado com instabilidade hemodinâmica para a detecção rápida de líquido livre intra-abdominal ou pericárdico, qual é a sensibilidade do FAST?

A) Menos de 25%

B) Próxima de 80%.

C) Cerca de 100%.

D) Nula.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "C".


A principal aplicação do FAST se dá no contexto do paciente politraumatizado com instabilidade hemodinâmica para a detecção rápida de líquido livre intra-abdominal ou pericárdico. Nesse contexto, a sua sensibilidade se aproxima de 100%.

Resposta correta.


A principal aplicação do FAST se dá no contexto do paciente politraumatizado com instabilidade hemodinâmica para a detecção rápida de líquido livre intra-abdominal ou pericárdico. Nesse contexto, a sua sensibilidade se aproxima de 100%.

A alternativa correta é a "C".


A principal aplicação do FAST se dá no contexto do paciente politraumatizado com instabilidade hemodinâmica para a detecção rápida de líquido livre intra-abdominal ou pericárdico. Nesse contexto, a sua sensibilidade se aproxima de 100%.

4. Leia as alternativas sobre as janelas avaliadas no FAST.

I. Pulmonar.

II. Pericárdica.

III. Hepatorrenal.

IV. Pélvica.

Quais estão corretas?

A) Apenas a I, a II e a III.

B) Apenas a I, a II e a IV.

C) Apenas a I, a III e a IV.

D) Apenas a II, a III e a IV.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "D".


O FAST constitui-se da avaliação de quatro janelas: pericárdica, esplenorrenal, hepatorrenal e pélvica. A avaliação pulmonar é adicionada no e-FAST.

Resposta correta.


O FAST constitui-se da avaliação de quatro janelas: pericárdica, esplenorrenal, hepatorrenal e pélvica. A avaliação pulmonar é adicionada no e-FAST.

A alternativa correta é a "D".


O FAST constitui-se da avaliação de quatro janelas: pericárdica, esplenorrenal, hepatorrenal e pélvica. A avaliação pulmonar é adicionada no e-FAST.

2

Um médico é chamado para avaliar uma paciente de 74 anos de idade, internada na UTI no quarto dia pós-operatório de uma correção de fratura de fêmur após queda da própria altura. A equipe informou que a paciente começou a apresentar dispneia e evoluiu com hipotensão. Faz uso crônico de β-bloqueador e de diurético. Tem antecedente de lúpus, em tratamento farmacológico. Ao exame físico, está sudoreica, com:

  • esforço respiratório: frequência respiratória (FR) de 32ipm;
  • pressão arterial (PA): 80x50mmHg;
  • frequência cardíaca (FC) de 74bpm.

A equipe rapidamente interpretou o quadro como insuficiência respiratória, iniciou furosemida e realizou uma intubação orotraqueal. Enquanto a equipe coletou exames e foi buscar um aparelho de eletrocardiografia, o médico iniciou uma avaliação com base no protocolo RUSH (rapid ultrasound in shock), conforme Figuras 4 a 6.

Os achados denotam um pulmão aerado com deslizamento pleural, pequeno derrame pleural na base direita e líquido no pericárdio, sugerindo a hipótese de um tamponamento cardíaco para o quadro clínico. As câmaras cardíacas têm tamanho normal, e uma pesquisa rápida de trombose venosa profunda (TVP) nos membros inferiores revelou-se negativa.

FIGURA 4: Avaliação pulmonar com o transdutor linear no modo M, identificando-se o sinal da areia de praia. Essa imagem denota que há deslizamento pleural e pode ser usada, por exemplo, para descartar a presença de pneumotórax. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

FIGURA 5: Imagem da base pulmonar direita, obtida com o transdutor convexo no modo B. Observa-se a presença de pequena quantidade de líquido pleural, cuja etiologia e necessidade de tratamento devem ser avaliadas dentro de um contexto clínico adequado. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

FIGURA 6: Janela subxifoide obtida com o transdutor setorial no modo B. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Terapêutica do caso 2

A seguir, será detalhada a evolução do paciente do caso clínico 2.

Objetivos do tratamento no caso 2

Os achados corroboram um choque obstrutivo secundário a um tamponamento cardíaco, um dos diagnósticos diferenciais de choque na paciente. Nesse contexto, a melhor opção é a descompressão do saco pericárdico, o que pode ser obtido por meio de uma punção percutânea (pericardiocentese) ou mesmo um procedimento cirúrgico aberto. O alívio da pressão intrapericárdica resulta em normalização do débito cardíaco e resolução do choque obstrutivo.

Condutas no caso 2

A paciente foi submetida a uma pericardiocentese guiada por USG com saída de 200mL de líquido amarelado. Logo após o procedimento, a paciente apresentou melhora dos parâmetros hemodinâmicos.

Acertos e erros no caso 2

Os quadros de dispneia são frequentes na emergência. É imprescindível identificar se o quadro tem origem pulmonar ou cardíaca. O exame físico nem sempre é suficiente para se determinar a causa da insuficiência respiratória, e os resultados dos exames laboratoriais podem demorar.

Nesse caso específico, a angústia em relação ao diagnóstico fez a equipe optar por realizar a intubação orotraqueal precocemente e a introduzir furosemida, considerando uma insuficiência respiratória com provável componente de hipervolemia.

Entretanto, a identificação rápida de um derrame pericárdico moderado justifica o quadro clínico pela hipótese de tamponamento cardíaco. Essa condição pode ser rapidamente revertida por uma pericardiocentese guiada por USG. Assim, no caso clínico 2, a intubação orotraqueal e a administração de furosemida poderiam ter sido evitadas nesse momento.

Avaliação pulmonar

A presença de ar nos mais diversos tecidos corporais foi por muito tempo considerada um obstáculo para avaliação sonográfica devido aos artefatos gerados por esse meio. Entretanto, o estudo desses mesmos artefatos na USG pulmonar permitiu a estruturação de uma propedêutica bastante eficiente.7

A USG pulmonar é capaz de identificar áreas de consolidação, que podem significar atelectasia, pneumonia ou até contusão pulmonar, com sensibilidade maior que a radiografia de tórax (91 a 100% versus 38 a 68%) e especificidade semelhante (78 a 100% versus 89 a 95%).7

A janela usada para essa avaliação é o espaço intercostal em diferentes localizações no tórax, a depender do protocolo utilizado. Entre duas costelas e suas sombras acústicas posteriores, existe o acesso à pele, ao tecido celular subcutâneo, à musculatura intercostal, à linha pleural e ao parênquima pulmonar subjacente. O sinal associado à correta visualização desse espaço é o sinal do morcego (bat sign), conforme Figura 7.

FIGURA 7: O sinal do morcego é caracterizado pela obtenção de uma imagem torácica no modo B, em que as asas do morcego são formadas pelas costelas com sombra acústica posterior, e o corpo, pelo espaço intercostal. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Uma descrição extensiva dos achados pulmonares vai além do escopo deste capítulo, logo, serão descritos os achados com maior valor propedêutico.

As linhas A são definidas como reverberações da linha pleural (linhas hiperecogênicas horizontais), que se repetem em intervalos regulares. São causadas pelos ecos das ondas geradas entre duas estruturas reflexivas. Essas estruturas são, de forma superficial, o próprio probe e profundamente o ar, que pode ser do interior dos alvéolos ou de uma situação patológica (por exemplo, pneumotórax).

Já as linhas B são definidas como artefatos em cauda de cometa, longitudinais, hiperecoicos, provenientes da linha pleural e que se movem juntamente com seu deslizamento. São provenientes da insonação dos septos interlobulares, por isso, tornam-se mais numerosas e grosseiras com o espessamento dos septos (por exemplo, por acúmulo de líquido intersticial nesse espaço).

Logo, raras e finas linhas B em segmentos mais posteriores no paciente acamado podem ocorrer de forma fisiológica, porém, quanto mais intensas e abundantes, maior a correlação com a intensidade da condição patológica. A interposição de fluidos entre as lâminas pleurais, como nos derrames pleurais, tem aparência hipo ou mesmo anecoica.

Pela gravidade, o paciente em decúbito dorsal tem maior acúmulo de líquido na região posterior, aumentando a sensibilidade do exame nesses campos. Em derrames moderados a grandes, é possível visualizar o parênquima pulmonar flutuando no líquido (sinal da água-viva). A ecogenicidade do líquido pode auxiliar no diagnóstico de derrames complicados, em que podem ser notados ecos em suspensão ou septações.

A interação entre as duas pleuras é evidenciada pela aparência de deslizamento da linha pleural (lung sliding). Caso haja perda de contato entre a pleura visceral e parietal, por exemplo, pela presença de ar entre essas estruturas (pneumotórax), não haverá deslizamento pleural.

Ressalta-se que outras condições patológicas que não o pneumotórax podem cursar com ausência de deslizamento pleural.

A interposição de ar entre as pleuras gera uma imagem estática abaixo da linha pleural, evidenciada ao modo M como o sinal do código de barras. De forma semelhante, pode ser obtido ao modo M o sinal da praia, nos casos normais, como uma imagem granulada abaixo dessa mesma linha.

A ausência de deslizamento não é específica para pneumotórax, mas também pode estar presente em aderências pleurais, atelectasias, intubação seletiva/esofágica ou outras causas de não ventilação.8

No pneumotórax, a depender do tamanho, existirão áreas em que a interface entre as pleuras ainda existe. Logo, existirá um ponto de transição dinâmico: de um lado haverá lung sliding e do outro não. Esse ponto de transição é conhecido como ponto pulmonar (lung point), o sinal mais específico para pneumotórax.8

As consolidações pulmonares se associam com dois achados principais: o tissue sign e o fractal ou shred sign. Ambos descrevem a visualização de tecido consolidado, à semelhança do baço ou do fígado, no parênquima pulmonar. No primeiro, a consolidação é translobar, enquanto no segundo não. Neste último caso, o parênquima hepatizado é entrecortado por uma linha fractal de ar, representando o parênquima mais aerado.

Protocolo BLUE

O protocolo BLUE (bedside lung ultrasound in emergency) foi criado para o diagnóstico das principais afecções respiratórias do paciente crítico (pneumonia, congestão pulmonar, DPOC, asma, tromboembolismo pulmonar [TEP] e pneumotórax), com uma acurácia de 90%.9

A avaliação torácica é feita analisando-se um ponto superior, um inferior e um posterior (posterolateral alveolar and/or pleural syndrome ou PLAPS point). Pela junção dos achados já discutidos, o paciente é classificado em diferentes perfis: A, B e C (Figura 8).

FIGURA 8: Fluxograma da avaliação pulmonar utilizando o protocolo BLUE. // Fonte: Adaptada de Lichtenstein.9

O primeiro passo é a avaliação do deslizamento pleural. Por convenção, os pacientes sem deslizamento pleural são designados pelo símbolo “`”. Os pacientes com predomínio de linhas A e com deslizamento constituem o perfil A. Esse achado representa uma superfície pulmonar normal, logo, o próximo passo da avaliação deve ser a pesquisa de TVP, que, no paciente crítico, pode estar associada ao TEP.

Caso a avaliação para TVP seja negativa, deve-se estudar o ponto PLAPS para a presença de consolidações ou síndromes intersticiais, evidenciando uma pneumonia e, na sua ausência, asma ou DPOC. O perfil A` demanda a pesquisa pelo sinal do ponto pulmonar, patognomônico de pneumotórax. Na ausência desse sinal, deve-se lançar mão de outras modalidades diagnósticas.

O perfil B é definido pelo predomínio de linhas B na avaliação pulmonar. Bilateralmente e na presença de deslizamento, está associado ao edema pulmonar. Caso somente um lado apresente o perfil B e o outro linhas A, é chamado de perfil A/B e também é associado à pneumonia. Da mesma forma, o perfil B` representa o achado de pneumonia.

O perfil C é definido pelo achado de consolidações pulmonares. Está associado à pneumonia, independentemente da presença de deslizamento pleural.

Protocolo FALLS

O protocolo FALLS (fluid administration limited by lung sonography) se sustenta no fato de que a detecção de edema pulmonar pela USG pode ser feita pelo surgimento de linhas B substituindo linhas A.8 A avaliação deve começar com a exclusão de causas de choque obstrutivo. A insonação cardíaca auxilia na detecção de derrames pericárdicos e dilatação de câmaras direitas no TEP. Quando não se obtém uma janela cardíaca adequada, a exclusão de TEP pode ser corroborada pela pesquisa de TVP nos membros inferiores (ver seção sobre protocolo RUSH).

A próxima etapa é a exclusão de choque cardiogênico com o perfil B. Os demais pacientes serão majoritariamente do perfil A, indicando que podem responder à infusão de fluidos. A expansão volêmica é então iniciada e permanece até a melhora clínica, definindo o choque hipovolêmico. O aparecimento de linhas B em campos anteriores indica precocemente sobrecarga de volume. Neste último caso, a hipótese principal é de choque distributivo (séptico, na maior parte das vezes).

Protocolo RUSH

O protocolo RUSH foi desenhado para a definição da causa de choque no paciente crítico. Pode ser dividido em três partes:10

  • bomba;
  • tanque;
  • canos.

A avaliação da bomba se refere à avaliação à beira leito do coração. São obtidas quatro janelas nessa etapa: subxifoide, paraesternais longa e curta e apical. As janelas paraesternais são obtidas na borda esternal esquerda no terceiro ou quarto espaço intercostal, com o marcador da USG para o ombro direito do paciente (com o marcador da tela para a direita da tela).

Para o eixo longo, o marcador deve ser direcionado para o ombro esquerdo. A janela apical é encontrada no ictus cordis, com o marcador à esquerda do paciente, enquanto a janela subxifoide está logo abaixo do processo xifoide, com o transdutor apontando para o ombro esquerdo e em um ângulo agudo com a pele.

A presença de líquido no espaço pericárdico se apresenta como uma coleção anecoica anterior à linha pericárdica posterior e à aorta descendente na visão paraesternal longa, em contraste com os derrames pleurais, que se apresentam posteriormente a essas estruturas. Caso identificado um derrame pericárdico, a sua repercussão na função cardíaca deve ser avaliada por meio do grau de colapsibilidade do ventrículo direito (VD) e também pelo ingurgitamento da veia cava.

Em seguida, a contratilidade global do ventrículo esquerdo (VE) é estimada, geralmente por avaliação visual e, portanto, subjetiva. Uma ferramenta útil é a fração de encurtamento, que pode oferecer um dado mais objetivo. Usando o modo M, podem ser obtidos o diâmetro sistólico final e o diâmetro diastólico final.

A fração de encurtamento é a diferença entre os dois valores dividida pelo diâmetro diastólico final. Os valores entre 30 e 45% são normais. Os valores baixos indicam uma contratilidade inadequada. Em um coração hipercinético, por outro lado, as suas paredes quase se tocam durante a sístole.

De forma semelhante, a menor distância entre a valva mitral e o septo interventricular também é um estimador da função contrátil. O cálculo da integral de tempo-velocidade (VTI) também foi proposto para essa avaliação à beira leito, porém a sua descrição vai além do escopo deste capítulo.

O último item da avaliação da bomba é a avaliação do tamanho do VD. Esta é feita comparativamente ao VE, sendo uma relação normal de 1:0,6. O aumento da câmara direita pode ser um sinal de TEP no paciente chocado, junto com o abaulamento à esquerda do septo interventricular. Nesse caso, a avaliação para TVP se torna imperativa.

O tanque diz respeito ao volume intravascular do paciente. Esse volume pode ser estimado por meio da turgência e do colabamento respiratório da veia cava. Além disso, podem ser avaliados vazamentos do tanque para a cavidade peritoneal e torácica por meio do e-FAST. Como o retorno venoso diminui durante o pneumotórax, a sua avaliação também se encaixa nesse passo.

Os canos representam o estudo da aorta em busca de aneurismas e dissecções, além da avaliação da TVP. A avaliação aórtica começa pelo epigastro, com a identificação do vaso pulsátil logo à frente dos corpos vertebrais. Mantendo a compressão e avançando caudalmente, deve-se realizar a insonação até a bifurcação para os vasos ilíacos, na altura da cicatriz umbilical.

Em relação às veias, é possível realizar um exame rápido e simples para a detecção de tromboses clinicamente significativas no paciente crítico. A lógica por trás do exame se dá pelo fato de os vasos trombosados não serem compressíveis e não apresentarem fluxo.

Os pontos principais em que a compressibilidade deve ser avaliada são a veia femoral comum, a veia poplítea e a veia femoral. Os protocolos com a avaliação somente desses três pontos foram desenvolvidos com sensibilidade e especificidade de aproximadamente 90%.11

ATIVIDADES

5. Um paciente da UTI foi submetido a uma punção para acesso venoso central pela veia jugular interna direita. A ausculta pulmonar foi de difícil caracterização e houve queda da saturação de oxigênio para 86% (intubado, 100% de fração inspirada de oxigênio). Diante das hipóteses diagnósticas, opta-se por fazer uma POCUS do tórax. Em relação ao caso, assinale a afirmativa correta.

A) A presença de linhas B abundantes na região avaliada denota a necessidade de realizar drenagem pleural.

B) Identificando-se linhas A à direita, a hipótese de pneumotórax hipertensivo está excluída.

C) O pneumotórax pode ser visto, nesse caso, como parênquima pulmonar circundado por uma imagem anecoica.

D) Visualizando-se um ponto pulmonar à direita, a drenagem pleural irá fazer parte do tratamento.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "D".


O ponto pulmonar é um sinal patognomônico de pneumotórax, garantindo seu diagnóstico em 100% das vezes. Vale ressaltar que o deslizamento pleural está ausente no pneumotórax, porém pode estar ausente também em outras condições pleuropulmonares. Nesse caso, diante da confirmação do pneumotórax, a drenagem está indicada.

Resposta correta.


O ponto pulmonar é um sinal patognomônico de pneumotórax, garantindo seu diagnóstico em 100% das vezes. Vale ressaltar que o deslizamento pleural está ausente no pneumotórax, porém pode estar ausente também em outras condições pleuropulmonares. Nesse caso, diante da confirmação do pneumotórax, a drenagem está indicada.

A alternativa correta é a "D".


O ponto pulmonar é um sinal patognomônico de pneumotórax, garantindo seu diagnóstico em 100% das vezes. Vale ressaltar que o deslizamento pleural está ausente no pneumotórax, porém pode estar ausente também em outras condições pleuropulmonares. Nesse caso, diante da confirmação do pneumotórax, a drenagem está indicada.

6. No caso clínico 2, a intubação orotraqueal e a administração de furosemida foram acertadas? Explique.

Confira aqui a resposta

Não. No caso clínico 2, a angústia em relação ao diagnóstico fez a equipe optar por realizar a intubação orotraqueal precocemente e a introduzir furosemida, considerando uma insuficiência respiratória com provável componente de hipervolemia. Porém os achados mostraram tamponamento cardíaco, uma condição que pode ser rapidamente revertida por uma pericardiocentese guiada por USG.

Resposta correta.


Não. No caso clínico 2, a angústia em relação ao diagnóstico fez a equipe optar por realizar a intubação orotraqueal precocemente e a introduzir furosemida, considerando uma insuficiência respiratória com provável componente de hipervolemia. Porém os achados mostraram tamponamento cardíaco, uma condição que pode ser rapidamente revertida por uma pericardiocentese guiada por USG.

Não. No caso clínico 2, a angústia em relação ao diagnóstico fez a equipe optar por realizar a intubação orotraqueal precocemente e a introduzir furosemida, considerando uma insuficiência respiratória com provável componente de hipervolemia. Porém os achados mostraram tamponamento cardíaco, uma condição que pode ser rapidamente revertida por uma pericardiocentese guiada por USG.

7. Qual é o padrão-ouro para aferição da PIC?

A) Tomografia de crânio.

B) Cateter intraventricular.

C) Teste de microbolhas.

D) Exame laboratorial.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "B".


Apesar de o padrão-ouro para aferição da PIC ser o cateter intraventricular, a tomografia de crânio é o exame de imagem mais amplamente utilizado na avaliação dos pacientes com suspeita de HIC.

Resposta correta.


Apesar de o padrão-ouro para aferição da PIC ser o cateter intraventricular, a tomografia de crânio é o exame de imagem mais amplamente utilizado na avaliação dos pacientes com suspeita de HIC.

A alternativa correta é a "B".


Apesar de o padrão-ouro para aferição da PIC ser o cateter intraventricular, a tomografia de crânio é o exame de imagem mais amplamente utilizado na avaliação dos pacientes com suspeita de HIC.

8. Qual sinal está associado à correta visualização do espaço intercostal na USG pulmonar?

A) Sinal da areia de praia.

B) Sinal do ponto pulmonar.

C) Sinal do morcego.

D) Sinal do código de barras.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "C".


O sinal associado à correta visualização do espaço intercostal é o sinal do morcego (bat sign). O sinal do morcego é caracterizado pela obtenção de uma imagem torácica no modo B, em que as asas do morcego são formadas pelas costelas com sombra acústica posterior, e o corpo, pelo espaço intercostal.

Resposta correta.


O sinal associado à correta visualização do espaço intercostal é o sinal do morcego (bat sign). O sinal do morcego é caracterizado pela obtenção de uma imagem torácica no modo B, em que as asas do morcego são formadas pelas costelas com sombra acústica posterior, e o corpo, pelo espaço intercostal.

A alternativa correta é a "C".


O sinal associado à correta visualização do espaço intercostal é o sinal do morcego (bat sign). O sinal do morcego é caracterizado pela obtenção de uma imagem torácica no modo B, em que as asas do morcego são formadas pelas costelas com sombra acústica posterior, e o corpo, pelo espaço intercostal.

9. Sobre as etapas do protocolo RUSH, correlacione a primeira e a segunda colunas.

1 Bomba

2 Tanque

3 Canos

Diz respeito ao volume intravascular do paciente.

Representam o estudo da aorta em busca de aneurismas e dissecções, além da avaliação da TVP.

Refere-se à avaliação à beira leito do coração.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) 2 — 3 — 1

B) 3 — 2 — 1

C) 1 — 3 — 2

D) 2 — 1 — 3

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta é a "A".


O protocolo RUSH foi desenhado para a definição da causa de choque no paciente crítico. A avaliação da bomba se refere à avaliação à beira leito do coração. O tanque diz respeito ao volume intravascular do paciente. Os canos representam o estudo da aorta em busca de aneurismas e dissecções, além da avaliação da TVP.

Resposta correta.


O protocolo RUSH foi desenhado para a definição da causa de choque no paciente crítico. A avaliação da bomba se refere à avaliação à beira leito do coração. O tanque diz respeito ao volume intravascular do paciente. Os canos representam o estudo da aorta em busca de aneurismas e dissecções, além da avaliação da TVP.

A alternativa correta é a "A".


O protocolo RUSH foi desenhado para a definição da causa de choque no paciente crítico. A avaliação da bomba se refere à avaliação à beira leito do coração. O tanque diz respeito ao volume intravascular do paciente. Os canos representam o estudo da aorta em busca de aneurismas e dissecções, além da avaliação da TVP.

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