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ATENÇÃO DOMICILIAR À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Autores: Gabriel Deveza Gomes, Leonardo Cançado Monteiro Savassi, Almiro Domiciano da Cruz Filho
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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • identificar as situações que envolvem demanda por atenção domiciliar (AD) na faixa etária da criança;
  • realizar avaliação da elegibilidade e dos níveis de atenção na AD infantil;
  • reconhecer as patologias mais frequentemente atendidas pela AD infantil, bem como os principais dispositivos e os aparatos tecnológicos mais utilizados.

Esquema conceitual

Introdução

A AD destina-se a pessoas com alguma restrição da capacidade de frequentar os serviços de saúde, de forma temporária ou definitiva, demandando cuidados realizados no domicílio, mas que, por vezes, necessitam de acesso a vários níveis da rede de atenção à saúde. No que tange às crianças e aos adolescentes, a AD apresenta especificidades dos pontos de vista clínico, familiar, social, psíquico, espiritual e filosófico. Sob esse aspecto, é importante entender que a resposta a essa ampla demanda não pode se dar a partir de um profissional ou um setor específico, envolvendo elementos e ações mais amplas do que simplesmente a clínica.

Nesse contexto, a AD destina-se sobretudo a crianças e adolescentes que apresentam doenças graves, potencialmente ameaçadoras à vida, ou ao pleno desenvolvimento, trazendo a necessidade de adaptação de cuidados ao contexto das limitações que tais doenças trazem, mas que, em algum momento, adquiriram estabilidade clínica, passando a apresentar menor potencial de gravidade e alto consumo de recursos da saúde pública. Portanto, geram demanda de cuidados que depende muito mais das limitações do que propriamente de uma doença (ou grupos de doenças específicas), o que significa dizer que avaliação da funcionalidade e do desenvolvimento se tornam tão ou mais importantes do que a terapêutica em si.

A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), vigente no Brasil desde 2017, define a Atenção Primária à Saúde (APS) como a responsável pela coordenação do cuidado em nosso país. Cabe a essa esfera coordenadora elaborar, acompanhar e organizar o fluxo dos usuários entre os diversos pontos de atenção das Redes de Atenção à Saúde (RAS), permitindo ao usuário circular entre os diferentes níveis de atenção.1

Dessa forma, é de vital importância ao profissional da APS o conhecimento da AD e de suas modalidades e seus níveis, permitindo que esse profissional possa coordenar o cuidado de forma que o paciente elegível à AD seja prontamente reconhecido e tenha o devido acesso a esse nível de atenção. Além disso, a APS também realiza uma interface com a AD por meio do acompanhamento e da abordagem da família e dos cuidadores do paciente.

Paciente com histórico de prematuridade, muito baixo peso ao nascer, adequado para idade gestacional, segundo gemelar, com diagnóstico de atresia de esôfago e fístula traqueoesofágica, epilepsia e displasia broncopulmonar. Devido aos quadros, ficou internado desde o nascimento até 1 ano e 1 mês de idade, quando teve alta para acompanhamento por equipe multiprofissional de AD.

No período de internação, além da correção da atresia de esôfago e da fístula traqueoesofágica, fez uso de gastrostomia, que foi suspensa, mas permaneceu com via aérea por traqueostomia (TQT) após diversas falhas de extubação. Fez uso de ventilação mecânica domiciliar, com dificuldade de ajuste no início da desospitalização, depois ventilado por cerca de seis meses, com desmame lento e exitoso. Devido à sua condição pulmonar, apresentava episódios de broncoespasmo persistentes. No momento, tem respiração espontânea livre de ventilação mecânica, após duas tentativas prévias de desmame sem sucesso e apresenta epilepsia controlada.

Chegou a evoluir em domicílio com episódios recorrentes de infecções de sítio respiratório, com necessidade de reinternação. O último episódio ocorreu quando tinha 1 ano e 7 meses, com dispneia, dessaturação e leucocitose com desvio. Teve diagnósticos de traqueíte, broncoespasmo e pneumonia, submetido à antibioticoterapia com vancomicina e meropenem, após três dias de uso de amoxicilina + clavulanato.

Permaneceu cerca de dois meses internado, em tentativas de desmame de oxigenoterapia sem sucesso, tendo alta em uso de oxigenoterapia domiciliar contínua, em uso de fenobarbital (já havia utilizado clobazam anteriormente) para presumida epilepsia neonatal e de fluticasona e salbutamol inalatórios.

Dois meses após a alta hospitalar, realizou procedimento broncoscópico de dilatação de via aérea para fins de decanulação, sem sucesso, por manter estenose de vias aéreas, como complicação do uso prolongado da TQT. Seguiu acompanhamento com especialista, com foco na programação de correção de estenose respiratória, por intervenção cirúrgica, com decisão a cargo da cirurgia respiratória. O quadro neurológico apresentava bom controle, com bom desenvolvimento neuropsicomotor, aprendizado preservado e melhora da comunicação.

Evolução

Após período mais longo de acompanhamento pela equipe de AD, o paciente realizou traqueoplastia cirúrgica, com boa cicatrização de ferida em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e após episódio de reinfecção de sítio cirúrgico e aumento de secreção em via aérea superior com traqueíte presumida. Nesse pós-operatório tardio, dada a resolução da lesão traqueal e maior período de estabilidade clínica pulmonar, é realizado o desmame da oxigenoterapia domiciliar, e o paciente segue em ar ambiente e com bom desenvolvimento neuropsicomotor, em acompanhamento pela equipe de Atenção Primária.

A AD é organizada em três modalidades, apresentadas no Quadro 1, a seguir.

QUADRO 1

MODALIDADES EM QUE A ATENÇÃO DOMICILIAR É ORGANIZADA

Modalidade

Definição

AD1

Pacientes elegíveis a AD, isto é, incapazes de frequentar presencialmente os serviços de saúde por apresentarem situação de restrição ao leito ou ao lar de maneira temporária ou definitiva, com condição clínica estável e cuidados satisfatórios pelos cuidadores.

AD2

Paciente que necessita de cuidados multiprofissionais, transitórios e intensificados, minimamente semanais e que apresente as seguintes condições clínicas:

I – Afecções agudas, com necessidade de tratamentos parenterais ou outros procedimentos frequentes; II – Afecções crônicas agudizadas, com necessidade de cuidados sequenciais, tratamentos parenterais ou reabilitação com possibilidade de ganho de funcionalidade; III – Afecções que demandem cuidados paliativos, com necessidade de visitas sequenciais para manejo de sintomas não controlados; e IV – Prematuridade com necessidade de ganho ponderal ou de procedimentos sequenciais

AD3

Paciente que necessita de cuidados predominantemente multiprofissionais; e uso de equipamentos ou agregação de procedimentos de maior complexidade, tais como ventilação mecânica invasiva e não invasiva domiciliar, nutrição parenteral, transfusão sanguínea, diálise peritoneal, hemodiálise, drenagens repetidas (toracocentese, paracentese e outras), cuidados paliativos em fase final de vida, condições crônico-degenerativas progressivas; ou ainda paciente com necessidade de procedimentos sistemáticos em domicílio, como reabilitação intensiva e antibioticoterapia.

// Fonte: Brasil.2

ATIVIDADES

1. Classifique o nível de AD do paciente deste caso clínico nas diferentes fases de evolução do cuidado e justifique.

Confira aqui a resposta

O paciente exposto no caso clínico transita, durante a evolução de sua história clínica, em diferentes modalidades da AD. Inicialmente, à primeira alta hospitalar, com 1 ano e 1 mês de idade, há diversas doenças crônicas e multissistêmicas (atresia de esôfago e fístula traqueoesofágica, displasia broncopulmonar e epilepsia), além de necessidade de adaptação a via aérea definitiva por Traqueostomia e da prematuridade com muito baixo peso ao nascer, e por fim, a dependência de ventilação mecânica domiciliar. Desse modo, segundo a Portaria n° 3005, de 02 de janeiro de 2024, do Ministério da Saúde (MS), classifica-se como AD3, por se enquadrar em vários critérios para AD2, mas especialmente devido ao uso de equipamento/ procedimento da Ventilação Mecânica Domiciliar.

No seguimento, é realizado o desmame da ventilação, e, então, passa-se pela classificação no nível AD2, devido a afecções crônico-degenerativas, considerando o grau de comprometimento causado pela doença, e posteriormente, com a evolução e estabilização do quadro, se classificaria como AD1, por já estar adaptado à traqueostomia.

Nos períodos de exacerbação com antibioticoterapia com vancomicina e meropenem, se realizados em Atenção Domiciliar, ele poderia ser incluído na AD3 (pela portaria 3005 de janeiro de 2024), o que é uma novidade em relação a portarias anteriores, como a portaria 825/2016, na qual a antibioticoterapia anteriormente o classificaria como AD2.

Em um terceiro momento, após nova internação por pneumonia, broncoespasmo e traqueíte, esse paciente poderia novamente ser classificado como AD2, devido à gravidade da infecção e por tornar-se dependente de oxigenoterapia contínua. Da mesma forma, após a dilatação cirúrgica corretiva, e retirada da traqueostomia, o uso de oxigenoterapia domiciliar poderia classificá-lo como AD2, por se tratar de criança crônica complexa e pelo pós-operatório imediato, porém a boa evolução o leva a ter alta da Atenção Domiciliar, permanecendo sob os cuidados da equipe de APS.

Resposta correta.


O paciente exposto no caso clínico transita, durante a evolução de sua história clínica, em diferentes modalidades da AD. Inicialmente, à primeira alta hospitalar, com 1 ano e 1 mês de idade, há diversas doenças crônicas e multissistêmicas (atresia de esôfago e fístula traqueoesofágica, displasia broncopulmonar e epilepsia), além de necessidade de adaptação a via aérea definitiva por Traqueostomia e da prematuridade com muito baixo peso ao nascer, e por fim, a dependência de ventilação mecânica domiciliar. Desse modo, segundo a Portaria n° 3005, de 02 de janeiro de 2024, do Ministério da Saúde (MS), classifica-se como AD3, por se enquadrar em vários critérios para AD2, mas especialmente devido ao uso de equipamento/ procedimento da Ventilação Mecânica Domiciliar.

No seguimento, é realizado o desmame da ventilação, e, então, passa-se pela classificação no nível AD2, devido a afecções crônico-degenerativas, considerando o grau de comprometimento causado pela doença, e posteriormente, com a evolução e estabilização do quadro, se classificaria como AD1, por já estar adaptado à traqueostomia.

Nos períodos de exacerbação com antibioticoterapia com vancomicina e meropenem, se realizados em Atenção Domiciliar, ele poderia ser incluído na AD3 (pela portaria 3005 de janeiro de 2024), o que é uma novidade em relação a portarias anteriores, como a portaria 825/2016, na qual a antibioticoterapia anteriormente o classificaria como AD2.

Em um terceiro momento, após nova internação por pneumonia, broncoespasmo e traqueíte, esse paciente poderia novamente ser classificado como AD2, devido à gravidade da infecção e por tornar-se dependente de oxigenoterapia contínua. Da mesma forma, após a dilatação cirúrgica corretiva, e retirada da traqueostomia, o uso de oxigenoterapia domiciliar poderia classificá-lo como AD2, por se tratar de criança crônica complexa e pelo pós-operatório imediato, porém a boa evolução o leva a ter alta da Atenção Domiciliar, permanecendo sob os cuidados da equipe de APS.

O paciente exposto no caso clínico transita, durante a evolução de sua história clínica, em diferentes modalidades da AD. Inicialmente, à primeira alta hospitalar, com 1 ano e 1 mês de idade, há diversas doenças crônicas e multissistêmicas (atresia de esôfago e fístula traqueoesofágica, displasia broncopulmonar e epilepsia), além de necessidade de adaptação a via aérea definitiva por Traqueostomia e da prematuridade com muito baixo peso ao nascer, e por fim, a dependência de ventilação mecânica domiciliar. Desse modo, segundo a Portaria n° 3005, de 02 de janeiro de 2024, do Ministério da Saúde (MS), classifica-se como AD3, por se enquadrar em vários critérios para AD2, mas especialmente devido ao uso de equipamento/ procedimento da Ventilação Mecânica Domiciliar.

No seguimento, é realizado o desmame da ventilação, e, então, passa-se pela classificação no nível AD2, devido a afecções crônico-degenerativas, considerando o grau de comprometimento causado pela doença, e posteriormente, com a evolução e estabilização do quadro, se classificaria como AD1, por já estar adaptado à traqueostomia.

Nos períodos de exacerbação com antibioticoterapia com vancomicina e meropenem, se realizados em Atenção Domiciliar, ele poderia ser incluído na AD3 (pela portaria 3005 de janeiro de 2024), o que é uma novidade em relação a portarias anteriores, como a portaria 825/2016, na qual a antibioticoterapia anteriormente o classificaria como AD2.

Em um terceiro momento, após nova internação por pneumonia, broncoespasmo e traqueíte, esse paciente poderia novamente ser classificado como AD2, devido à gravidade da infecção e por tornar-se dependente de oxigenoterapia contínua. Da mesma forma, após a dilatação cirúrgica corretiva, e retirada da traqueostomia, o uso de oxigenoterapia domiciliar poderia classificá-lo como AD2, por se tratar de criança crônica complexa e pelo pós-operatório imediato, porém a boa evolução o leva a ter alta da Atenção Domiciliar, permanecendo sob os cuidados da equipe de APS.

Conclusão do caso

O paciente evoluiu ainda com necessidade de dilatações broncoscópicas devido à traqueomalácia, após diversas falhas de extubação e realização de TQT. Com o crescimento e o desenvolvimento do paciente, ele começa a ganhar maior estabilidade, sendo realizada, então, traqueoplastia cirúrgica, com resolução da lesão. Após esse momento, ele segue em acompanhamento com as equipes de AD, em desmame de oxigenoterapia, até quando consegue manter estabilidade clínica em ar ambiente.

Nesse momento, o paciente deixa de ser classificado dentre as modalidades de AD: com sua estabilidade, apesar do diagnóstico de presumida epilepsia, ele já pode frequentar os serviços de saúde recomendados para sua faixa etária, ficando a cargo da APS o seu seguimento ambulatorial, junto às demais especialidades pediátricas necessárias ao caso, como a neuropediatria.

Comentário

O caso apresentado ilustra um desfecho exitoso em AD, e uma criança com quadro clínico crônico e complexo, inicialmente dependente de tecnologia (ventilação mecânica invasiva), o que a classificaria como AD3, além dos dispositivos de gastrostomia e TQT. O apoio da equipe de AD por meio da fisioterapia foi fundamental para a evolução do quadro e o desmame de ventilação; a avaliação fonoaudiológica foi fundamental para permitir o início da alimentação pela via oral.

A despeito da prematuridade e do uso de anticonvulsivantes, a criança evoluiu com neurodesenvolvimento adequado, o que não costuma ser o perfil dos pacientes de AD2 infantil. Após as intervenções necessárias, incluindo necessidade de procedimento cirúrgico para correção de traqueomalácia, mantém-se como uma criança que demanda necessidades especiais de saúde e acompanhamento multiprofissional e interdisciplinar, porém não mais demandando o cuidado da equipe de AD, atualmente, nem mesmo como AD1. Sob esse aspecto, a criança percorreu todos os níveis de atenção, e foi beneficiada por um cuidado personalizado e altamente qualificado que permitiu sua sobrevida e sua qualidade de vida.

Embora vários dos pacientes de AD sejam crônicos e complexos, demandando cuidados domiciliares por toda a vida, há possibilidade de alta da AD, notadamente naqueles com perfil neurológico preservado ou naqueles submetidos a intervenções específicas, com permanência predefinida.

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