Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- conceituar e reconhecer os ritmos de parada cardiorrespiratória (PCR);
- identificar as principais mudanças relacionadas às diretrizes de reanimação cardiopulmonar (RCP) e ao atendimento cardiovascular de emergência;
- descrever a atuação do leigo em casos de PCR em ambientes extra-hospitalares;
- analisar o conhecimento e as dificuldades da atuação do leigo em casos de PCR em ambientes extra-hospitalar.
Esquema conceitual
Introdução
A parada cardiorrespiratória (PCR) é considerada uma das principais emergências clínicas do mundo, tendo como definição a perda do nível de consciência, a cessação dos batimentos cardíacos seguida de respiração agônica, podendo ou não evoluir com episódios de crise convulsiva.1
Diante da sequência desses eventos, prejuízos fisiológicos irreparáveis podem ser gerados em um curto período de tempo caso não haja nenhum atendimento imediato, uma vez que, logo após os primeiros cinco minutos de PCR, o paciente pode ter danos cerebrais irreversíveis.1
De acordo com dados publicados pela Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) — 2019, a incidência de informações sobre de eventos relacionados a PCR no país é escassa.2 Em contraponto a essa afirmação, a I Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da SBC3 cita que cerca de 200 mil PCR acontecem por ano no Brasil, sendo a metade em ambiente não hospitalar.
De acordo com os órgãos competentes, a parada cardiorrespiratória extra-hospitalar (PCREH) é considerada um problema de saúde pública mundial. Nos Estados Unidos da América (EUA), aproximadamente 155 mil pessoas por ano são atendidas pelo serviço de emergência pré-hospitalar, e apenas 8% sobrevivem. No que se refere ao continente Europeu, por volta de 128 mil a 275 mil pessoas são vítimas de uma PCREH, e cerca de 10% sobrevivem.4
Mesmo com o desenvolvimento progressivo das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), bem como das tecnologias duras em saúde (utilização de instrumentos, normas e equipamentos tecnológicos5), um número inferior a 40% dos adultos em situação de PCR recebe reanimação cardiopulmonar (RCP) realizada por leigos, e menor ainda (cerca de 12%) é a chance de uma vítima receber uma desfibrilação pelo desfibrilador externo automático (DEA) antes de o atendimento especializado chegar.6
Vale lembrar que dispositivos médicos, no sentido restrito, são artigos, instrumentos, aparatos ou máquinas utilizadas na prevenção, no diagnóstico ou no tratamento de sintoma ou doença, com o objetivo de detectar, medir, restaurar, corrigir ou modificar a estrutura ou função do corpo para algum propósito de saúde. Tipicamente, o propósito de um dispositivo médico não é alcançado por meios farmacológicos, imunológicos ou metabólicos.7
Já os equipamentos médicos são aparelhos médicos que requerem calibração, manutenção, reparo e treinamento de quem o utiliza. O equipamento médico é usado com o propósito específico de diagnosticar e tratar um problema de saúde. Pode ser usado sozinho ou em combinação com acessórios e produtos para consumo, e, dessa definição, são excluídos os produtos para a saúde implantáveis, descartáveis ou de uso único.7
Os ritmos de PCR são divididos em dois grupos, os ritmos chocáveis e os não chocáveis. Os ritmos de PCR em ambiente pré-hospitalar predominante são chocáveis, ou seja, a fibrilação ventricular (FV) e a taquicardia ventricular sem pulso (TVSP), correspondendo a cerca de 80% de todos os casos. Todavia, se esses eventos forem prontamente atendidos por uma pessoa qualificada — que tanto pode ser o leigo quanto um profissional da saúde —, poderá haver um melhor desfecho, principalmente nos eventos nos quais se utilizem o DEA. Nesses casos, a taxa de sobrevida é de aproximadamente 50 a 70% quando o desfibrilador é utilizado nos 3 a 5 minutos iniciais da PCR.2
O suporte básico de vida (SBV) para o atendimento de uma PCR engloba a RCP e o uso do DEA.8 Desde a sua idealização, por Peter Safar, o pai da RCP, quando o SBV é tecnicamente bem empregado — tantos pelos profissionais da saúde quanto pelos leigos —, há um aumento considerável na sobrevida das vítimas nos casos de PCR.9
O atendimento imediato da PCR engloba o reconhecimento precoce, o acionamento do serviço de emergência local, a RCP precoce e de qualidade e a desfibrilação rápida. Após o primeiro atendimento — tenha ele sido feito por um profissional da saúde que tenha presenciado o evento ou por um leigo devidamente qualificado —, espera-se a chegada do suporte avançado de vida (SAV), o qual poderá acrescentar ao atendimento o uso de terapias medicamentosas, o manejo avançado das vias aéreas e a monitorização hemodinâmica. Entretanto, mesmo com a chegada do SAV e do aparato de opções para manejar a vítima, o SBV torna-se determinante para o aumento das taxas de sobrevivência.10
Em casos de PCREH, é recomendado que o leigo possa fazer o primeiro atendimento nessa situação emergencial, desde que seja adequadamente capacitado e informado. Um estudo sobre o conhecimento dos leigos a respeito do SBV, realizado na cidade de Juiz de Fora, MG, e corroborado pela literatura nacional e internacional, constatou que o desempenho dos participantes da pesquisa foi baixo, até mesmo de quem relatou ter tido contato com a temática anteriormente.8
Apesar de inúmeros estudos que corroboram a importância do conhecimento dos primeiros socorros por toda a população, seja ela por parte de profissionais da saúde ou não, esse tipo de qualificação ainda é uma temática pouco disseminada no Brasil, visto que, em outros países da América do Norte e da Europa, esse aspecto da educação em saúde é bastante disseminado.11
Sendo assim, acredita-se que, em uma cena em que uma pessoa tenha um mal súbito em local público, os primeiros socorros são feitos por meio de um sentimento de solidariedade e, muitas vezes, sem técnica ou conhecimento técnico-científico para tal situação. Nesses casos, em vez de essa atitude possibilitar uma melhora no prognóstico da vítima, essa ação agrava o estado clínico, corroborando, assim, um possível desfecho desfavorável à vítima.11