OBJETIVOS
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- reconhecer a importância da enfermagem obstétrica na garantia dos direitos reprodutivos das pessoas LGBTQIA+;
- descrever as terminologias mais frequentemente utilizadas para identificar pessoas LGBTQIA+ e suas especificidades;
- identificar barreiras de acesso ao serviço de saúde reprodutiva enfrentadas por pessoas LGBTQIA+ e seus determinantes mais frequentes;
- refletir sobre princípios norteadores que podem contribuir para melhoria do cuidado em saúde reprodutiva de pessoas LGBTQIA+ no âmbito da enfermagem obstétrica.
Esquema conceitual
INTRODUÇÃO
É possível, sem maiores divergências, afirmar que um dos focos principais da enfermagem obstétrica é prestar cuidado de qualidade em saúde reprodutiva à população, contemplando o cuidado integral para o planejamento reprodutivo, bem como gestação, parto, pós-parto e situações de abortamento, tanto em contextos de risco habitual quanto de alto risco. Nesse sentido, obstetrizes e enfermeiros obstetras estão inseridos em serviços desde a atenção primária até a terciária, em contextos comunitários, extra e intra-hospitalares, da admissão até a alta de famílias e pessoas vivendo eventos relacionados ao ciclo gravídico–puerperal.
Para além da assistência mais técnica, o Código de Ética para Parteiras Profissionais, da International Confederation of Midwives (ICM),1 enfatiza que parteiras profissionais (obstetrizes e enfermeiras obstetras) precisam reconhecer, respeitar e militar pelos Direitos Humanos de todas as pessoas, considerando as consequências adversas que violações dos direitos humanos têm sobre a saúde. No que diz respeito especificamente às pessoas LGBTQIA+, a ICM recomenda que todas as associações de parteiras profissionais sejam encorajadas a acolher as pessoas que precisam de serviços de obstetrícia e que estes sejam ofertados com cuidado culturalmente seguro e compassivo, sem discriminação quanto à identidade de gênero, expressão de gênero ou orientação sexual.
Paralelamente, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT),2 instituída pelo Ministério da Saúde em 2011, estabelece princípios e ações para evitar a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ no âmbito do sistema de saúde, por meio do envolvimento de todas as instâncias do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo ativamente gestores, conselheiros, técnicos e trabalhadores de saúde.
Fica evidente, dessa forma, a relevância da enfermagem obstétrica para a garantia dos direitos reprodutivos e do acesso à saúde reprodutiva da população LGBTQIA+ no âmbito do SUS (entendido aqui como o sistema único que engloba também os serviços da saúde suplementar, para além dos serviços públicos de saúde).3 O objetivo primordial de oferecer cuidado de alta qualidade em saúde reprodutiva e o compromisso ético e humanitário com o combate a violações dos Direitos Humanos de todas as pessoas colocam obstetrizes e enfermeiraos obstetras como agentes privilegiados de processos de mudança que possam diluir barreiras de acesso, melhorar indicadores de saúde perinatal e aprimorar a experiência subjetiva dessas pessoas ao navegar o sistema obstétrico brasileiro.
No entanto, conforme a Declaração de Posicionamento da ICM sobre Direitos Humanos de Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgênero e Intersexo,1 pessoas LGBTQIA+ têm sido historicamente marginalizadas do cuidado com a gestação e o parto, tanto por profissionais da assistência quanto formuladores de políticas públicas, que usualmente assumem que todas as pessoas gestantes estão em relacionamentos heterossexuais ou que se identificam como mulheres.
Discriminação e preconceito na prestação de serviços em saúde podem resultar em atrasos na busca por atendimento, frequentemente aumentando os riscos associados aos eventos do ciclo gravídico–puerperal. Porém, para garantir a equidade no acesso aos serviços de saúde necessários para prevenção, promoção e proteção da saúde reprodutiva, é necessário que profissionais recebam educação sobre as necessidades das pessoas LGBTQIA+ e possuam as competências necessárias para construir ambientes seguros e acolhedores para que todas as pessoas possam se sentir bem-vindas e tratadas com respeito e dignidade.2,4
Nesse contexto, o presente capítulo pretende abordar conceitos introdutórios que devem fazer parte do arcabouço de conhecimentos de obstetrizes e enfermeiros obstetras para a oferta de cuidado reprodutivo seguro para pessoas LGBTQIA+. É essencial lembrar, no entanto, que a qualidade do cuidado para essa população está diretamente associada a uma mudança de atitude por partes dos profissionais que inclui a autorreflexão acerca dos próprios preconceitos e crenças e que a construção de competências para o cuidado a pessoas LGBTQIA+ não pode se encerrar no mero reconhecimento de termos, linguagem e fatos a respeito dessa população.