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DINAMOMETRIA ISOCINÉTICA PARA AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO MUSCULAR: INTERPRETAÇÃO DE VARIÁVEIS

Giovanna Mendes Amaral

Hellen Veloso Rocha Marinho

Sérgio Teixeira da Fonseca

epub-PROFISIO-ESP-C10V2_Artigo1

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • conhecer parâmetros que subsidiem a prescrição de avaliações isocinéticas (indicação e escolha de parâmetros com base em recomendações e na literatura específica);
  • analisar resultados e dados de relatórios isocinéticos;
  • conhecer e padronizar parâmetros para a prescrição, quando necessário, de intervenções para modificação da capacidade muscular avaliada.

Esquema conceitual

Introdução

Videoaula sobre o capítulo

A força muscular, de acordo com a definição Medical Subject Headings (Mesh), introduzida em 2007, refere-se à quantidade de força gerada por contração muscular. Pode ser medida durante contrações isométricas, isotônicas ou isocinéticas, tanto manualmente como com a utilização de dispositivos como dinamômetros.

Embora, na definição Mesh para força muscular, observe-se a utilização do termo “isotônicas”, há que se ressaltar que essa terminologia tem sofrido críticas, especialmente no contexto da Cinesiologia.1–7 A palavra, derivada do grego isos (igual) e tônus (tensão), foi utilizada, originalmente, pelos fisiologistas para designar a contração de um músculo destacado do corpo ao levantar uma carga verticalmente contra a gravidade.4

O termo “isotônicas” tem sido considerado inapropriado em função de que, no sentido original e restrito da palavra, não existem contrações verdadeiramente isotônicas na produção de movimento articular. Essas contrações não ocorrem na dinâmica da ação muscular por meio dos sistemas de alavancas do corpo humano.1,3

Especificamente, “isotônica” se refere a uma tensão igual ou constante. Entretanto, quando se considera a tensão muscular ao longo de um arco de movimento articular, ela não é constante, uma vez que há fatores mecânicos, como mudanças nos braços de momento (BMs) da força muscular (momento interno)3 e BMs de resistência externa (momento externo) durante a realização dos movimentos articulares.

Além disso, fatores fisiológicos relacionados à relação comprimento–tensão influenciam a tensão muscular desenvolvida durante a realização de movimentos articulares na função. Assim, no decorrer deste capítulo, a denominação “avaliações isotônicas” será substituída por “avaliações dinâmicas”.

A expressão “contração muscular” também tem sofrido questionamentos no contexto da Cinesiologia e alguns autores têm substituído por “ação muscular”5 ou “ativação muscular”.2 De acordo com Neumann,2 “contrair” significa, literalmente, aproximar e, portanto, tecnicamente, a contração de um músculo ocorre apenas durante a contração concêntrica.

O uso de “contração muscular” pode ser confuso para descrever uma ativação isométrica ou excêntrica. Embora os autores do presente capítulo concordem com os argumentos expostos por Neumann,2 optou-se por manter a utilização de “contração” ao longo do texto, para fazer contato com a literatura, tendo em vista a frequente utilização desse termo. Considerações sobre a utilização da expressão “contração isocinética” serão expostas posteriormente no capítulo.

O presente capítulo abordará, principalmente, os instrumentos que permitem mensurar o torque gerado pelos músculos durante sua contração. Para os propósitos do texto, a fim de distinguir adequadamente as aplicações clínicas, serão destacados alguns aspectos da utilização do dinamômetro portátil (manual ou handheld) e será dado enfoque à dinamometria isocinética, considerada o padrão-ouro para avaliações do desempenho muscular, e, muitas vezes, negligenciada durante os processos de prevenção e reabilitação de lesões.

Avaliação da força muscular

Classicamente, em ambiente clínico, a força muscular tem sido avaliada por meio de procedimentos de testes musculares manuais (TMM). Esses testes classificam a força produzida pelos indivíduos em resposta a procedimentos padronizados.8,9

Na Tabela 1, são apresentados dois modelos de graduação para os TMMs. Na primeira coluna, graduação proposta por Daniels e Worthingham; na segunda, graduação proposta por Kendall.

TABELA 1

Modelos de graduação para os testes musculares manuais

Modelo Daniels e Worthingham

Modelo Kendall

Descrição

0

Nenhuma contração visível ou palpável.

I

1

Contração visível ou palpável sem qualquer deslocamento (nenhuma amplitude de movimento [ADM]).

II

2-

ADM parcial quando a gravidade é eliminada.

2

ADM total quando a gravidade é eliminada.

2+

Gravidade eliminada/leve resistência ou < 1/2 ADM contra a gravidade.

III

3-

> 1/2 ADM, mas < ADM total contra a gravidade.

3

ADM total contra a gravidade.

3+

ADM total contra a gravidade + resistência discreta.

IV

4-

ADM total contra a gravidade + resistência leve.

4

ADM total contra a gravidade + resistência moderada.

4+

ADM total contra a gravidade + resistência elevada.

V

5

Normal, máxima resistência.

// Fonte: Adaptada de Hislop e colaboradores (2013);10 Kandal e colaboradores (2005).11

Apesar de seu uso frequente, o TMM tem demonstrado propriedades psicométricas pobres, principalmente baixa sensibilidade, ou seja, baixa capacidade para identificar corretamente indivíduos com déficit de força.8,9

Para avaliação do desempenho muscular no contexto da Fisioterapia musculoesquelética e, particularmente na Fisioterapia esportiva, o TMM é insuficiente, principalmente nas avaliações pré-participação ou nas fases finais de reabilitação, quando, muitas vezes, os indivíduos atingem graduação máxima (5) nos TMMs (efeito teto) mesmo apresentando diferenças entre membros (déficits contralaterais) ou desequilíbrios entre agonistas e antagonistas.

Quando se avalia a força muscular por meio do TMM, o fato de um paciente atingir nota máxima não significa que ele atingiu o máximo de desempenho muscular possível nem mesmo o desempenho desejável para a prática esportiva sem que haja sobrecarga no sistema musculoesquelético. Uma classificação 5 no TMM, por exemplo, significa que, ao ser capaz de vencer a resistência máxima (RM) imposta manualmente pelo examinador, o paciente apenas não apresenta déficits críticos na geração de força pelos músculos testados.

É necessário quantificar objetivamente o torque articular gerado pelos músculos, seja para entender a capacidade para lidar com as demandas das atividades que o paciente pratica, seja para verificar o quanto essa capacidade está adequada para que não haja sobrecarga sobre seu sistema musculoesquelético. Considerando as limitações dos TMMs, torna-se necessário o uso de procedimentos de mensuração do torque articular mais objetivos e informativos.

Procedimentos de mensuração e possibilidades de avaliação

Durante avaliações de força muscular, a força gerada pode ser mensurada ou operacionalizada de diversas formas.8,12–18 O torque articular é a principal delas.

O torque representa o efeito rotacional de uma força sobre o corpo em que está sendo aplicada. Como a maior parte dos segmentos corporais gira em torno das articulações em um movimento de alavanca, o torque muscular pode ser definido como a capacidade dos músculos que atravessam uma articulação de gerar deslocamento angular de um segmento corporal em torno do eixo dessa articulação (deslocamento angular).1,19

Alguns equipamentos, como o dinamômetro isocinético, medem o torque articular diretamente, ao passo que outros, como o dinamômetro portátil, medem a força produzida e permitem calcular o torque gerado por essa força.13

Outras formas utilizadas para mensurar força muscular se baseiam na quantificação de resistência externa que os músculos são capazes de vencer ou a que resistem durante a contração. Assim, além do torque articular, podem ser avaliadas a quantidade de resistência manual (como já mencionado), a quantidade de massa em um equipamento ou, até mesmo, a quantidade de carga elástica ou pressórica aplicada.8,16–18,20,21

A avaliação da força muscular pode ser realizada sob diferentes condições de demanda. Avaliações isométricas, geralmente, exigem manutenção do posicionamento articular (comprimento muscular constante e velocidade zero).8,13,16,17,21,22 Avaliações dinâmicas requerem movimentação contra uma carga externa fixa dentro de uma ADM predefinida, sem controle preestabelecido de velocidade, conforme detalhado no Quadro 1.18,20,23

QUADRO 1

Tipos de avaliação de força muscular

Conceito

Descrição

Avaliação isométrica

Mais confortável, pode ser feita com quase todos os equipamentos e mecanismos disponíveis no mercado, sendo facilmente mensurada com os dinamômetros portáteis (handheld) ou com células de carga de tração.13,16,21,22 Muitos estudos têm demonstrado associação entre essas medidas e história de lesão.24–27 No entanto, o músculo deve ser avaliado em uma ou mais posições específicas. Assim, é preciso conhecer os comprimentos e as posições críticas tanto para a prática esportiva quanto para a lesão específica do indivíduo avaliado.22,26–28 Essa forma de avaliação não captura diferenças entre velocidades de contração muscular.

Avaliação dinâmica

É, geralmente, realizada por meio de equipamentos de musculação com base em testes de RM.18,20,29 Os métodos de avaliação de RM são de prescrição de carga e avaliação de evolução do treinamento e não devem ser considerados medidas diretas de torque, uma vez que avaliam o quanto de carga o indivíduo é capaz de vencer em um equipamento específico.29 No entanto, os valores mensurados permitem calcular déficits entre membros e a razão entre o desempenho apresentado por músculos antagonistas, o que torna esse método uma ótima forma de triagem clínica.18,20

Avaliação isocinética

Permite avaliar diversas características da função muscular.15,30–33 Por exemplo, possibilita quantificar a capacidade máxima de geração de torque ao longo de toda a ADM avaliada, mensurar mais de uma velocidade de teste e avaliar a capacidade de resistência à fadiga.15,30,32,33 Como essa avaliação pode levar o indivíduo à fadiga, o teste deve ser planejado de maneira adequada, considerando as etapas do treinamento. A avaliação isocinética exige equipamentos caros e específicos.

As avaliações isocinéticas requerem que o indivíduo realize movimento em velocidade constante ao longo de uma ADM predefinida.15,30,34 Dessa forma, a carga externa varia com o objetivo de manter a velocidade constante, exigindo que o indivíduo avaliado realize sempre força máxima.34 Cada um desses métodos apresenta vantagens e desvantagens, como se vê na Tabela 2.

TABELA 2

Comparativo entre os métodos para avaliação de desempenho muscular

Permite avaliar

Isométrica

Dinâmica

Isocinética

Capacidade de geração de torque

Evolução de treinamento (ganho de força)

Comparação entre membros contralaterais

Razão agonista/antagonista

Capacidade de geração de torque ao longo da ADM (trabalho muscular)

Capacidade de resistência à fadiga

Monitoramento de diferentes velocidades

// Fonte: Elaborada pelos autores.

ATIVIDADES

1. Observe as afirmativas sobre os procedimentos de TMM na avaliação de força muscular.

I. O TMM tem alta capacidade para identificar corretamente indivíduos com déficit de força.

II. Se um paciente atinge nota máxima no TMM, significa que ele alcançou o máximo de desempenho muscular possível.

III. Apesar de seu uso frequente, o TMM tem demonstrado propriedades psicométricas pobres.

IV. O TMM é insuficiente nas avaliações pré-participação ou nas fases finais de reabilitação.

Quais estão corretas?

a Apenas a I e a II.

b Apenas a I e a III.

c Apenas a I e a IV.

d Apenas a III e a IV.

Resposta no final do capítulo

2. Observe as afirmativas sobre a medição do torque articular por dinamometria na avaliação de desempenho muscular.

I. O dinamômetro portátil mede o torque articular diretamente.

II. O dinamômetro isocinético mede o torque articular diretamente.

III. O dinamômetro portátil mede a força produzida, o que permite o cálculo do torque.

IV. O dinamômetro isocinético mede a força produzida, o que permite o cálculo do torque.

Quais estão corretas?

a Apenas a I e a II.

b Apenas a II e a III.

c Apenas a II e a IV.

d Apenas a III e a IV.

Resposta no final do capítulo

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