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EMERGÊNCIAS REUMATOLÓGICAS

Autores: Luca Silveira Bernardo, Alan Mercadante Isoldi, Vitor Ramalho Arruda Silva
epub-BR-PROMEDE-C5V3_Artigo1

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • reconhecer e diagnosticar as principais emergências reumatológicas;
  • iniciar o tratamento das emergências reumatológicas no departamento de emergência;
  • realizar diagnósticos diferenciais entre as emergências reumatológicas;
  • identificar efeitos adversos relacionados ao tratamento farmacológico das doenças reumatológicas.

Esquema conceitual

As emergências reumatológicas são frequentemente atendidas no departamento de emergência. Os pacientes procuram atendimento por sintomas iniciais da doença, exacerbação de doenças reumatológicas prévias, complicações em decorrência do tratamento farmacológico ou outras doenças concomitantes à doença reumatológica.1

O médico emergencista deve conhecer as principais emergências reumatológicas, assim como tratamento inicial, tratamento de exacerbações, efeitos adversos medicamentosos e possíveis complicações. Os casos clínicos reumatológicos são complexos e, frequentemente, apresentam sintomas inespecíficos ou que mimetizam patologias mais frequentes; portanto, é importante sempre incluir as doenças reumatológicas como diagnóstico diferencial.

Considerando a grande variedade de doenças reumatológicas, este capítulo traz as principais patologias encontradas no departamento de emergência e aquelas com maior potencial de gravidade. Aqui, serão abordados os principais tipos de artrites e vasculites, assim como lúpus eritematoso sistêmico (LES), crise renal esclerodérmica (CRE) e síndrome antifosfolípide catastrófica (SAFc).

Monoartrites agudas

A seguir, serão abordados os principais aspectos relacionados a artrite séptica, artrite gotosa e osteoartrite (OA).

Artrite séptica

A artrite séptica é caracterizada pela presença de infecção articular e líquido sinovial. Pode ser causada por diversos microrganismos, como vírus, fungos e micobactéria; entretanto, as infecções de etiologia bacteriana são as mais frequentes, e, portanto, o foco de discussão deste tópico.1

A contaminação da articulação pode ocorrer tanto por disseminação hematogênica como por contaminação local. Em adultos e crianças com articulação nativa, o Staphylococcus aureus é o principal agente etiológico envolvido (incluindo S. aureus resistente à meticilina [MRSA]), sendo responsável por até 53% dos casos de artrite séptica.2

Outros agentes responsáveis (porém, em menor frequência) são estreptococos, bactérias Gram-negativas e anaeróbios. Em circunstâncias especiais, diferentes agentes podem ser responsáveis pelo quadro infeccioso, como Salmonella (em pacientes com diagnóstico de anemia falciforme) e Pseudomonas (em pacientes vítimas de trauma articular, idosos e imunossuprimidos). Em pacientes jovens sexualmente ativos, a Neisseria gonorrhoeae também deve ser considerada como causa de artrite infecciosa.3

Quadro clínico

O quadro clínico característico da artrite séptica é marcado por processo inflamatório com dor, edema e hiperemia monoarticular, de início rápido e com características destrutivas da articulação. As grandes articulações são as mais acometidas, como articulações dos joelhos (21%) e quadris.2 Entretanto, o acometimento poliarticular e de pequenas articulações também pode ocorrer. A febre pode estar presente em 40 a 60% dos casos, contudo, é um sintoma inespecífico.4

O quadro clínico é marcado por dor, edema e hiperemia da articulação, podendo estar presente limitação de movimento, dificuldade para deambular e recusa de movimentação do membro acometido (pseudoparalisia). Os sintomas sistêmicos podem incluir taquicardia, febre, astenia, hiporexia e irritabilidade. Crianças podem manifestar quadro infeccioso semelhante ao dos adultos, com sintomas locais isolados ou associados a sintomas sistêmicos.

São fatores de risco associados com aumento da probabilidade de artrite séptica:5

  • idade superior a 80 anos;
  • diabetes melito;
  • artrite reumatoide (AR);
  • cirurgia articular;
  • prótese de quadril ou joelho;
  • infecção cutânea;
  • imunossupressão.

Manejo

A artrocentese para drenagem e análise do líquido sinovial é fundamental no processo diagnóstico dos pacientes com suspeita de artrite séptica.

Dos parâmetros analisados no líquido sinovial, a coloração de Gram possui sensibilidade de 27 a 81% e especificidade de 99 a 100%.6 A cultura do líquido sinovial também é um parâmetro adotado para diagnóstico e guia para adequada terapia antimicrobiana, mas seu resultado pode demorar de 24 a 48 horas.6 A contagem de leucócitos em líquido sinovial com proporção de polimorfonucleares é um dado frequentemente utilizado para orientar condutas terapêuticas. Quando adotado o valor de corte de 50.000 leucócitos/mm3, essa contagem possui sensibilidade de 53 a 100% e especificidade de 66 a 97%.6 Outros parâmetros analisados no líquido sinovial são a glicose (que pode estar reduzida), o lactato e a procalcitonina (que podem estar elevados).

Os exames laboratoriais séricos úteis na avaliação do paciente com hipótese diagnóstica de artrite séptica são:

  • contagem de leucócitos e diferencial;
  • dosagem de proteína C reativa (PCR);
  • dosagem de procalcitonina sérica;
  • velocidade de hemossedimentação (VHS);
  • hemoculturas.

O tratamento da artrite séptica consiste em terapia antimicrobiana e drenagem do líquido sinovial por artroscopia, aspiração por agulha ou artrotomia (drenagem aberta). A terapia antimicrobiana empírica, com cobertura para os principais agentes etiológicos envolvidos, deve ser iniciada logo após a punção da articulação e a coleta do líquido sinovial.

A terapia antimicrobiana instituída deve ter cobertura antiestafilocócica (oxacilina ou vancomicina) para todas as idades e fatores de risco.3 Nos pacientes cuja análise do líquido sinovial demonstre cocos Gram-positivos, deve ser iniciada vancomicina 15 a 40mg/kg/dose endovenosa (EV) de 12 em 12 horas.1,7 Os pacientes com resultado de cultura de líquido sinovial com crescimento de S. aureus sensível a oxacilina deverão ser tratados com agente β-lactâmico, como, por exemplo: cefazolina 2g EV de 8 em 8 horas ou oxacilina 2g EV de 4 em 4 horas.1 Caso haja crescimento de MRSA, as opções terapêuticas são: vancomicina 1g EV 12 em 12 horas, linezolida 600mg EV 12 em 12 horas ou clindamicina 600mg via oral (VO) ou EV 8 em 8 horas.1

Os pacientes com presença de bacilos Gram-negativos devem ser tratados com cefalosporinas de terceira geração, como ceftriaxona 2 a 4g EV 24 em 24 horas; cefotaxima 1 a 2g EV 8 em 8 horas; ceftazidima 1 a 2g EV 8 em 8 horas, ou cefalosporina de quarta geração, como cefepime 1 a 2g EV 8 em 8 ou 12 em 12 horas. Na suspeita de infecção por Pseudomonas, deve ser usada a combinação de cefalosporina com ciprofloxacino ou aminoglicosídeo.1,7

Nos casos sem identificação de agente etiológico pelo método de Gram ou cultura, mas com suspeita de artrite séptica por quadro clínico e contagem de células em líquido sinovial, os pacientes deverão receber os seguintes esquemas antimicrobianos:1

  • paciente imunocompetente: vancomicina;
  • paciente com artrite séptica de origem traumática: vancomicina + cefalosporina de terceira geração;
  • paciente imunossuprimido: vancomicina + cefalosporina com atividade antipseudomonas.

O tempo total de tratamento antimicrobiano é variável; dependendo da evolução clínica, poderá ser realizado tratamento com antibiótico parenteral por 2 semanas, seguido por antibiótico oral por 2 a 6 semanas.1,7

Artrite gotosa

A gota é uma artrite causada pela deposição de cristais de urato monossódico no espaço intra-articular (IA) ocasionada por hiperuricemia crônica.1,8

A hiperuricemia é o fator causador da artrite gotosa; é definido por níveis séricos de ácido úrico superiores a 7,0mg/dL e 6,0mg/dL, em homens e mulheres, respectivamente. São fatores que podem contribuir para o aparecimento da doença em sua forma primária:1,8

  • sexo masculino;
  • idade superior a 40 anos;
  • etilismo;
  • insuficiência renal crônica.

Os fatores que podem contribuir para o desenvolvimento de gota secundária são:1

  • síndrome de lise tumoral;
  • doenças mieloproliferativas;
  • psoríase;
  • anemias hemolíticas.

Quadro clínico

Comumente, a artrite gotosa aguda apresenta-se com dor monoarticular no membro inferior, que é mais comum na primeira articulação metacarpofalangiana (MCF).1,8 Apesar de tipicamente ser monoarticular e no hálux, pode também apresentar-se em outras articulações e na forma poliarticular.8

Os sintomas iniciam-se de forma abrupta e a articulação acometida apresenta sinais inflamatórios (dor, rubor e edema).1,8 Alguns fatores podem desencadear crises, como: ingesta de álcool, carne vermelha, trauma, estresse cirúrgico e desidratação.1

Como diagnóstico diferencial para gota aguda pode-se considerar patologias, como: artrite séptica, febre reumática, AR, pseudogota, celulite e trauma local.1,9

Manejo

Classicamente, o diagnóstico de gota é feito por meio da análise do líquido sinovial, que evidenciará cristais birrefringentes e aspecto inflamatório com leucócitos superiores a 20.000/mm3 e predomínio de neutrófilos.1,8

A artrite séptica e a gota aguda são doenças que podem coexistir e a análise da presença de bactérias sempre deve ser realizada.1

Os níveis séricos de ácido úrico não devem ser usados para diagnóstico de gota aguda, visto que essa pode apresentar-se com níveis dentro da normalidade. Esse exame está reservado apenas para acompanhar resposta ao tratamento clínico em pacientes com gota crônica.1,8

Os exames de imagem, como as radiografias, não são úteis para avaliar pacientes com crise gotosa, já que alterações radiográficas só aparecerão após anos de doença.8 Entretanto, a ultrassonografia (USG) beira leito pode ser útil no diagnóstico de gota aguda, que evidenciará derrame articular com presença de aglomerados de cristais hiperecogênicos flutuando no líquido sinovial, dando um aspecto de “tempestade de neve”.1

O tratamento da crise gotosa inclui a realização de compressas frias, elevação do membro e repouso. O tratamento medicamentoso pode ser realizado com anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e corticoesteróides.1,8,9 O uso da colchicina para o tratamento da gota aguda foi abandonado em razão de seu tempo de início do efeito e da sua toxicidade gastrintestinal.1,9

O AINE tenoxicam 40mg/dia deve ser usado por 1 a 2 semanas,8,9 mas a existência de patologias gástricas deve ser avaliada e o uso combinado com inibidores de bomba de prótons considerado, pelo o aumento do risco de sangramento do trato gastrintestinal.1,9

Para pacientes intolerantes aos AINEs, com doença renal crônica ou em alto risco de sangramento gastrintestinal, pode-se optar pelo uso de corticosteroides sistêmicos, como a prednisona 20 a 40mg/dia.1,9 Essa opção de tratamento não é inferior ao AINE na redução da dor ou no tempo de duração dos sintomas.9

Os pacientes que ainda não fazem uso de medicações para redução dos níveis séricos de ácido úrico, como alopurinol, não devem ter o tratamento iniciado durante a crise, já que isso pode prolongar o tempo de sintomas ou deflagrar um novo episódio. Entretanto, os que já fazem uso da medicação devem continuar com sua administração mesmo durante a crise.1

Osteoartrite

A OA é a principal doença articular encontrada na prática clínica, e causa frequente de atendimento no departamento de emergência e de admissão hospitalar para controle sintomático.10,11

A fisiopatologia da OA é multifatorial, e consiste em processo inflamatório com comprometimento de toda a articulação, incluindo degradação da cartilagem, remodelamento ósseo, inflamação sinovial e formação de osteófitos. As principais articulações acometidas pela OA são joelhos, quadris, mãos e pés.11

Os principais fatores de risco associados à OA são

  • idade avançada;
  • lesão articular;
  • obesidade;
  • fatores genéticos;
  • fatores anatômicos;
  • sexo feminino.

Quadro clínico

Os sintomas característicos da OA são dor articular, rigidez, restrição do movimento, deformidade articular e fraqueza; desses, a dor em decorrência da exacerbação da OA é o principal motivo de procura de atendimento no departamento de emergência.

Os sinais e sintomas da OA consistem em:

  • dor (descrita como dor relacionada à movimentação, porém, em casos avançados, pode ocorrer em repouso);
  • instabilidade articular;
  • sensibilidade articular;
  • rigidez articular (curta duração);
  • deformidade articular;
  • edema;
  • crepitação.

Manejo

O manejo da OA no departamento de emergência consiste, inicialmente, na identificação da OA e exclusão de diagnósticos diferenciais, como artrite séptica, artrite gotosa e fraturas. Outro ponto importante é o controle sintomático, sendo a dor o principal sintoma que motiva a busca por atendimento médico. Contudo, o atendimento no departamento de emergência também é uma oportunidade de educação do paciente quanto às medidas para melhora funcional e modificação de fatores que contribuam para o adoecimento articular.1,10

O exame de imagem mais utilizado no departamento de emergência para a investigação de OA é a radiografia; entretanto, seu papel tem maior importância na exclusão de diagnósticos diferenciais.11 Os principais achados radiográficos são

  • redução do espaço articular;
  • esclerose subcondral;
  • osteófitos marginais;
  • cistos subcondrais.

O controle da dor é a principal intervenção realizada no departamento de emergência. Assim, é fundamental compreender os mecanismos envolvidos, a etiologia multifatorial com componentes articulares e os mecanismos de percepção e processamento da dor.12

Em pacientes que apresentam dor crônica, uma opção terapêutica é o uso de AINEs tópicos, como o diclofenaco tópico.13

O uso de AINEs VO ou EV deve ser reservado aos pacientes com sintomas intensos, pouco controle com medicações tópicas ou dor poliarticular. Deve-se usar a menor dose possível para controle e somente durante o período com sintomas, uma vez que essa classe de fármacos está associada a efeitos adversos graves de trato gastrintestinal (por exemplo, hemorragia digestiva e úlcera), eventos cardiovasculares trombóticos e lesão renal. Em pacientes com comorbidades ou idosos, o uso de AINEs deve ser feito com cautela, podendo ser utilizados os seletivos da ciclooxigenase-2 (COX-2).10

Os analgésicos comuns, como paracetamol ou dipirona, podem ser usados, apesar de não serem as primeiras medicações de escolha para o controle sintomático. Os analgésicos opioides também podem ser utilizados por curto intervalo, e somente em caso de dor intensa refratária, uma vez que podem causar efeitos adversos importantes.10

São opções de tratamento farmacológico da dor na OA:

  • tópico
    • diclofenaco gel 1% (10mg/g) 4g 3 a 4 vezes ao dia;
    • cetoprofeno gel (25mg/g) 2 a 3 vezes ao dia;
  • inibidor seletivo da COX-2
    • celecoxibe 200mg uma vez ao dia ou 100mg 2 vezes ao dia;
  • inibidores não seletivos da COX:
    • cetoprofeno 100mg 2 vezes ao dia (dose máxima 300mg/dia);
    • ibuprofeno 400 a 800mg 3 a 4 vezes ao dia (dose máxima 3,2g/dia);
    • diclofenaco de sódio ou potássio 50mg 3 vezes ao dia (dose máxima 150mg/dia).

ATIVIDADES

1. Analise as afirmativas e identifique sinais e sintomas encontrados no paciente com quadro de OA.

I. Dor com piora à movimentação.

II. Rigidez articular.

III. Edema.

IV. Febre.

Quais estão corretas?

A) Apenas a I e a III.

B) Apenas a II e a IV.

C) Apenas a I, a II e a III.

D) Apenas a II, a III e a IV.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "C".


Os principais sintomas relacionados ao quadro de OA são: dor, edema e rigidez. Febre não é um sintoma compatível com OA, e se presente, deve alertar para a possibilidade de outros diagnósticos diferenciais.

Resposta correta.


Os principais sintomas relacionados ao quadro de OA são: dor, edema e rigidez. Febre não é um sintoma compatível com OA, e se presente, deve alertar para a possibilidade de outros diagnósticos diferenciais.

A alternativa correta e a "C".


Os principais sintomas relacionados ao quadro de OA são: dor, edema e rigidez. Febre não é um sintoma compatível com OA, e se presente, deve alertar para a possibilidade de outros diagnósticos diferenciais.

2. Na análise do líquido sinovial, a presença de cristais birrefringentes e leucócitos acima de 20.000/mm3 com predomínio de neutrófilos é sugestivo de qual etiologia?

A) Artrite séptica.

B) Artrite gotosa.

C) Artrite psoriática.

D) OA.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "B".


A análise do líquido sinovial com presença de cristais birrefringentes e características inflamatórias com predomínio de neutrófilos, é compatível com gota.

Resposta correta.


A análise do líquido sinovial com presença de cristais birrefringentes e características inflamatórias com predomínio de neutrófilos, é compatível com gota.

A alternativa correta e a "B".


A análise do líquido sinovial com presença de cristais birrefringentes e características inflamatórias com predomínio de neutrófilos, é compatível com gota.

3. Nos pacientes com artrite séptica, qual a principal bactéria envolvida no processo infeccioso?

A) Streptococcus pneumoniae.

B) Neisseria gonorrhoeae.

C) Staphylococcus aureus.

D) Pseudomonas aeruginosa.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "C".


A principal bactéria responsável pelo quadro de OA é o Staphylococcus aureus.

Resposta correta.


A principal bactéria responsável pelo quadro de OA é o Staphylococcus aureus.

A alternativa correta e a "C".


A principal bactéria responsável pelo quadro de OA é o Staphylococcus aureus.

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