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GASOMETRIA ARTERIAL: DA COLETA À INTERPRETAÇÃO POR ENFERMEIROS

Autores: Laurindo Pereira de Souza, Marcia Guerino de Lima, Fernando Augusto Pinheiro, Jéssica dos Santos Souza
epub-BR-PROENF-TI-C5V1_Artigo1

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • realizar a coleta de gasometria com segurança e qualidade;
  • executar práticas avançadas que norteiam a profissão na punção arterial;
  • interpretar os distúrbios acidobásicos a partir da clínica e da análise de seus resultados;
  • reconhecer as possíveis complicações que o paciente pode apresentar após a execução da coleta do exame;
  • traçar estratégias de prevenção e tratamento dos distúrbios acidobásicos que afetam o paciente grave.

Esquema conceitual

Introdução

A análise dos gases no sangue arterial faz parte da rotina diária na unidade de terapia intensiva (UTI). Essa avaliação é voltada, principalmente, aos valores de potencial hidrogeniônico (pH), pressão parcial de oxigênio (PaO2), pressão parcial de gás carbônico (PaCO2) e íon bicarbonato (HCO3-), fundamentais para fins de diagnóstico e direcionamento de condutas. Desse modo, a gasometria é responsável por determinar fatores que interferem no equilíbrio acidobásico e no controle da oxigenação do paciente grave.

Os estudos revelam as várias razões para assegurar a qualidade da amostra e a confiabilidade dos resultados nas análises.1 Sabendo disso, o enfermeiro deve compreender as complexidades relacionadas aos cuidados pertinentes à punção arterial, coleta e amostra, pois influenciam diretamente na segurança do paciente, dependendo das interpretações dos distúrbios acidobásicos avaliados.

A coleta do sangue arterial, executada pelo profissional enfermeiro com autonomia e aptidão para elucidar os resultados de uma gasometria, favorece a tomada de decisão e a promoção de uma assistência de enfermagem eficaz e segura ao paciente crítico.

Implicações da gasometria arterial para a enfermagem

O entendimento das causas dos distúrbios acidobásicos e de oxigenação facilitam a tomada de decisão do enfermeiro na UTI. Assim, a gasometria contribui com resultados que podem prover a melhoria da ventilação e da oxigenação do paciente, desde o posicionamento adequado no leito até a decisão sobre a posição prona.

Para a efetivação da análise amostral sanguínea, o enfermeiro deve garantir a segurança e a qualidade, desde o preparo até a coleta e o transporte da amostra, e possuir conhecimento para interpretar os resultados dos gases avaliados. A Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) nº 390, de outubro de 2011, normatiza a punção arterial e reafirma que, no rol da enfermagem, esse é um procedimento privativo do enfermeiro, tendo em vista que é complexo e exige do profissional competência técnico-científica para que sejam tomadas decisões imediatas quando necessário.2

Ao analisar as literaturas, vários autores apontaram erros decorrentes da fase pré-analítica, ou seja, relacionados a problemas na coleta, na conservação e no transporte da amostra do sangue. Isso ocasiona alterações significativas nos resultados.1,3

Com o intuito de evitar que tais erros aconteçam, é necessário tomar cuidados que visem a impedir a inviabilidade da amostra e propiciem segurança ao paciente. Dessa forma, uma sequência uniforme e padronizada de ações diminui os riscos de erros e danos associados à assistência, além da atualização continuada dessa prática.4

Cuidados no preparo da seringa

Para que não ocorra a coagulação da amostra, a seringa utilizada na coleta deve ser heparinizada. Por ter uma fórmula ácida, a heparina pode interferir nos valores do gás carbônico (CO2) e do HCO3-; assim, é indicada a heparina liofilizada. Na ausência dessa, a heparina líquida deve ser usada com cautela.1,3,5

Recomenda-se a umidificação do êmbolo da seringa a uma equivalência de 0,1mL de heparina para, no máximo, 2mL de sangue.1,3,5 As seringas divididas em subunidades facilitam a mensuração da heparina necessária. Há instituições que usam seringas já destinadas à coleta e análise de gases, que possuem em seu interior a proporção certa de anticoagulante.1,3,5

A Figura 1A e B apresenta seringas divididas em subunidades.

FIGURA 1: A e B) Seringa de 3mL graduada em subunidades de 0,1mL. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Apesar de não haver consenso entre os pesquisadores, o calibre da agulha para a punção depende do local, da facilidade de palpar a artéria e da condição clínica do paciente. As agulhas indicadas são4,6–8

  • 20G 0,9×25mm;
  • 21G 0,8×25mm;
  • 22G 0,7×25mm;
  • 23G 0,6×30mm;
  • 25G 0,5×25mm.

No cenário da prática, as agulhas 26G 0,45×13mm ou 27,5G 0,38×13mm têm sido eficazes, pois são menos traumáticas para o vaso quando as coletas são consecutivas e sem a presença de linha arterial instalada. Entretanto, os calibres menores são propensos a promover lise da amostra.4

Identificação e orientação do paciente

Em uma etiqueta adesiva, deve-se registrar o nome do paciente e, posteriormente à coleta, a fração inspirada de oxigênio (FiO2) e a temperatura corporal. Esses cuidados têm por finalidade evitar a possibilidade de troca de amostras que levam a iatrogenia; em caso de homônimos, recomenda-se registrar o nome da mãe.5

O Quadro 1 apresenta um exemplo de identificação para seringa de gasometria.

QUADRO 1

MODELO PARA IDENTIFICAÇÃO DE SERINGA DE GASOMETRIA

Nome do paciente: ______________________________

DN: ___/___/_____

Idade: _________

Unidade: ______________________________________

Nº leito: ________

FiO2: _________________________________________

Temperatura corporal: ______ºC

Nome do(a) enfermeiro(a): _____________________________

DN: data de nascimento; FiO2: fração inspirada de oxigênio. // Fonte: Adaptado de Aguiar (2017).4

Ao se aproximar do paciente, o profissional deve orientá-lo sobre o exame e a sua importância clínica, de modo que o indivíduo fique calmo e tranquilo, pois a ansiedade e a dor mediante as tentativas de coleta refletem em alterações no padrão respiratório, comprometendo a PaCO2 e a PaO2 da amostra.5

Escolha e avaliação do local de punção

O local a ser puncionado deve ser inspecionado com cautela, o que exige do enfermeiro conhecimento sobre a anatomia e a fisiologia humana. Diferentes artérias podem ser puncionadas; as comumente utilizadas são a artéria radial, a pediosa e a femoral (nessa sequência).4,9 Em razão de complicações tromboembólicas e demais riscos, deve-se evitar a punção da artéria braquial.4,9

A área proximal ao local da punção arterial deve ser isenta de infecções de pele. É necessário ter atenção dobrada em pacientes com coagulopatia e que usam continuamente anticoagulantes, pois apresentam risco de hemorragia e desenvolvimento de hematomas.10

O paciente nefropata dialítico não deve ser puncionado no membro de escolha para a fístula arteriovenosa (FAVfístula arteriovenosa) ou que já possui essa anastomose, pois a junção da artéria com a veia leva a um sangue misto inadequado para a avaliação dos gases. Além disso, a punção põe em risco o funcionamento da fístula.11

Preferencialmente, a artéria radial segue como primeira escolha para a punção arterial, em razão da facilidade de palpação e do acesso e do bom fluxo.3 No entanto, não é recomendada a punção nessa artéria sem a garantia da existência de circulação colateral — que pode estar ausente em alguns indivíduos —, pois, na presença de complicações, a artéria ulnar deve manter a irrigação sanguínea dessa mão.4,7,9 Para isso, existem métodos simples e práticos que auxiliam na identificação da continuidade da perfusão do membro; entre eles, o teste de Allen e o teste de Barbeau.

Teste de Allen

O teste de Allen (Figura 2A–C), utilizado para avaliar o fluxo sanguíneo alternativo pela artéria ulnar, foi descrito pela primeira vez em 1929. Ele consiste na elevação da mão e pressão simultânea das artérias radial e ulnar durante 10 segundos, liberando a compressão apenas da artéria ulnar. Se o paciente estiver consciente e sem impedimento físico ou motor, é solicitado que abra e feche a mão 10 vezes.1,6

FIGURA 2: Teste de Allen: oclusão simultânea das artérias radial e ulnar (A e B) e da artéria radial ocluída e ulnar livre, garantindo reperfusão (C). // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Na presença de circulação colateral adequada, após a descompressão, a mão deve ficar rosada por período de 5 a 7 segundos. Contudo, quando o fluxo sanguíneo demora mais de 15 segundos para realizar a perfusão da mão, o teste de Allen é considerado positivo, contraindicando a punção dessa artéria.1,6

Entretanto, alguns autores têm questionado a acurácia desse teste em razão da variação de resultados, além de considerado outros métodos alternativos mais precisos, como o teste do oxímetro, também conhecido como teste de Barbeau.5,12

Teste de Barbeau

O teste de Barbeau13 muitas vezes já foi utilizado junto com o teste de Allen como precursor para a realização de acesso transradial.12,14 Ele surgiu como uma opção mais objetiva e prática para o enfermeiro responsável pela punção arterial dentro da terapia intensiva.

No teste de Barbeau, a avaliação é realizada a partir da colocação de um oxímetro digital no polegar ou indicador ipsilateral do paciente (Figura 3), seguida pelo reconhecimento da curva pletismográfica no monitor. Logo, a artéria radial deve ser comprimida e o desempenho da curva pletismográfica deve ser observado.

FIGURA 3: Teste de Barbeau. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Caso a curva não apareça rapidamente, a compressão deve ser continuada por até 2 minutos. Após esse tempo, se a curva pletismográfica for inexistente, o paciente é considerado impróprio para a punção.12,14

As alterações na morfologia da onda são observadas e divididas em quatro tipos. Os tipos A, B e C (Figura 4) comprovam a existência da dupla circulação arterial, radial e ulnar, o que assegura a punção.12,14

FIGURA 4: Morfologia das ondas A, B, C e D: traçado da pletismografia após oclusão da artéria radial. // Fonte: Andrade e colaboradores (2019).14

Identificando as ondas no monitor, observa-se que a curva do tipo A está sempre presente, independentemente da compressão. Na curva do tipo B, a amplitude apresenta uma queda no início da compressão, mas retorna em até 2 minutos. Na do tipo C, há o desaparecimento e o retorno parcial da sua amplitude em apenas 2 minutos da oclusão; já na do tipo D, a amplitude desaparece totalmente, não retornando após dois minutos de compressão.14

A Figura 5 mostra a morfologia das ondas no monitor.

FIGURA 5: Morfologia do traçado da pletismografia após oclusão da artéria radial. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Não é recomendada a punção radial no paciente que apresenta a curva do tipo D, pois ela indica uma circulação inadequada.14

ATIVIDADES

1. A execução da punção arterial pelo enfermeiro, tanto para fins de gasometria como para monitoração de pressão invasiva, é normatizada por meio da Resolução do Cofen nº:

A) 376/2011.

B) 381/2011.

C) 388/2011.

D) 390/2011.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "D".


A Resolução do Cofen nº 390/2011 normatiza a punção arterial e reafirma que, no âmbito da enfermagem, esse é um procedimento privativo do enfermeiro, tendo em vista que é complexo e exige do profissional competência técnico-científica, a fim de que sejam tomadas decisões imediatas quando necessário.

Resposta correta.


A Resolução do Cofen nº 390/2011 normatiza a punção arterial e reafirma que, no âmbito da enfermagem, esse é um procedimento privativo do enfermeiro, tendo em vista que é complexo e exige do profissional competência técnico-científica, a fim de que sejam tomadas decisões imediatas quando necessário.

A alternativa correta e a "D".


A Resolução do Cofen nº 390/2011 normatiza a punção arterial e reafirma que, no âmbito da enfermagem, esse é um procedimento privativo do enfermeiro, tendo em vista que é complexo e exige do profissional competência técnico-científica, a fim de que sejam tomadas decisões imediatas quando necessário.

2. Observe as afirmativas sobre os cuidados no preparo da seringa.

I. Para que não ocorra coagulação da amostra, a seringa utilizada na coleta não deve ser heparinizada.

II. A heparina líquida deve ser usada a uma equivalência de 0,1mL para, no máximo, 2mL de sangue.

III. O uso de agulha de calibres menores não promove alterações na amostra.

Qual(is) está(ão) correta(s)?

A) Apenas a I.

B) Apenas a II.

C) Apenas a I e a II.

D) Apenas a II e a III.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "B".


Por ser ácida, a fórmula da heparina pode interferir nos valores de CO2 e HCO3-. Assim, é indicada a heparina liofilizada; na ausência dessa, a heparina líquida deve ser usada com cautela, e é recomendada a umidificação do êmbolo da seringa a uma equivalência de 0,1mL de heparina para, no máximo, 2mL de sangue. Para que não ocorra a coagulação da amostra, a seringa utilizada na coleta deve ser heparinizada. A literatura afirma que calibres menores são propensos a promover lise da amostra.

Resposta correta.


Por ser ácida, a fórmula da heparina pode interferir nos valores de CO2 e HCO3-. Assim, é indicada a heparina liofilizada; na ausência dessa, a heparina líquida deve ser usada com cautela, e é recomendada a umidificação do êmbolo da seringa a uma equivalência de 0,1mL de heparina para, no máximo, 2mL de sangue. Para que não ocorra a coagulação da amostra, a seringa utilizada na coleta deve ser heparinizada. A literatura afirma que calibres menores são propensos a promover lise da amostra.

A alternativa correta e a "B".


Por ser ácida, a fórmula da heparina pode interferir nos valores de CO2 e HCO3-. Assim, é indicada a heparina liofilizada; na ausência dessa, a heparina líquida deve ser usada com cautela, e é recomendada a umidificação do êmbolo da seringa a uma equivalência de 0,1mL de heparina para, no máximo, 2mL de sangue. Para que não ocorra a coagulação da amostra, a seringa utilizada na coleta deve ser heparinizada. A literatura afirma que calibres menores são propensos a promover lise da amostra.

3. Assinale a alternativa que apresenta a artéria considerada a primeira escolha para a coleta de sangue para gasometria?

A) Femoral.

B) Radial.

C) Pediosa.

D) Braquial.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "B".


Preferencialmente, a artéria radial segue como primeira escolha para a punção arterial, em razão da facilidade de palpação e acesso e do bom fluxo. As demais artérias apresentadas, em relação à localização e à palpação, são consideradas mais difíceis e de maior risco para o trombo, como é o caso da artéria braquial.

Resposta correta.


Preferencialmente, a artéria radial segue como primeira escolha para a punção arterial, em razão da facilidade de palpação e acesso e do bom fluxo. As demais artérias apresentadas, em relação à localização e à palpação, são consideradas mais difíceis e de maior risco para o trombo, como é o caso da artéria braquial.

A alternativa correta e a "B".


Preferencialmente, a artéria radial segue como primeira escolha para a punção arterial, em razão da facilidade de palpação e acesso e do bom fluxo. As demais artérias apresentadas, em relação à localização e à palpação, são consideradas mais difíceis e de maior risco para o trombo, como é o caso da artéria braquial.

Ventilação mecânica e cuidados de enfermagem no momento da coleta

O paciente a ser puncionado deve possuir FiO2 constante. É adequado aguardar cerca de 10 a 20 minutos para coletar a amostra depois de alterações recentes da FiO2. São intervenções que alteram temporariamente a PaO2 e a PaCO2:1,6

  • aspiração de secreções;
  • manobras fisioterápicas;
  • utilização de pressão positiva contínua nas vias aéreas (em inglês, continuous positive airway pressure [CPAP]);
  • uso de pressão positiva a dois níveis nas vias aéreas (em inglês, bilevel positive airway pressure [BiPAP]).

Outros cuidados incluem o posicionamento do paciente no leito, porque a PaO2 e a saturação periférica de oxigênio (SpO2) modificam-se quando há mudança de decúbito frente a algumas situações patológicas. Além disso, o conforto físico e emocional é essencial, o que garante que o paciente mantenha um ritmo respiratório, que, como já mencionado, interfere diretamente na FiO2 do paciente.10

Técnica da coleta

Para a punção da artéria radial, é apropriado que seja estendido o pulso com apoio, de forma moderada, tornando a artéria mais acessível.6 Esse procedimento, que visa a evitar a contaminação do vaso com potencial flora infecciosa, é executado de forma asséptica. A desinfecção da pele é realizada com compressa de gaze embebida em solução alcoólica de gluconato de clorexidina (0,5 a 2%) ou álcool (70%). Deve-se aguardar a secagem espontânea antes de proceder à coleta; posteriormente, é preciso identificar a artéria por meio de pulsação com os dedos indicador e médio.7,15

Em seguida, é introduzida agulha na pele com o bisel voltado para cima, contra a corrente sanguínea, em um ângulo de 30 a 45º para as artérias periféricas e de 90º para as artérias profundas (Figura 6A–C). Após a perfuração do vaso, o preenchimento da seringa pelo sangue pulsátil é espontâneo; porém, em pacientes com hipotensão grave, não há pressão suficiente para preencher a seringa. Nesses casos, se a aspiração for necessária, deve ser feita de forma suave, pois a aspiração com pressão negativa possibilita a formação de bolhas de ar, que alteram os valores da PaO2.1,7

FIGURA 6: A) Seringa liofilizada com tampa própria para vedação. B) Fechamento hermético da agulha com tampa de borracha. C) Ângulo da agulha para coleta. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Procedimento pós-coleta

Após a coleta completa da amostra, é retirada a agulha e pressionado o local com compressa de gaze durante 5 a 10 minutos. Nos pacientes com distúrbios de coagulação, esse tempo deve ser ampliado até a completa hemostasia. Para finalizar, é utilizado um curativo compressivo no local.6,7

A fim de evitar alterações equivocadas dos resultados, as bolhas que podem surgir são retiradas imediatamente, e deve-se garantir o fechamento hermético da seringa com tampa de borracha e/ou massa ou cera de laboratório (massa de modelar) específica para esse fim (Figura 6A e B).1,5 A seringa deve ser rotacionada suavemente entre as palmas das mãos para homogeneizar a amostra e o anticoagulante, evitando a formação de coágulos que comprometem o pH e a PaCO2.1,5,6

Contaminação do sangue arterial com o sangue venoso

O sangue venoso é rico em CO2 e apresenta uma PaO2 baixa, não sendo considerado ideal para a avaliação da oxigenação do corpo. Normalmente, é de cor vermelha (mais escura em comparação ao sangue arterial) (Figura 7). Em alguns casos específicos, como na avaliação do débito cardíaco, é útil coletar sua amostra direto do cateter central.5,6

1: sangue arterial. 2: sangue venoso.

FIGURA 7: Diferença de cor entre o sangue arterial e o sangue venoso.// Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Coleta por vias arteriais

A amostra coletada por um cateter arterial precisa de alguns cuidados específicos para que não seja inviabilizada (Figura 8A–E). Recomenda-se que sejam realizadas:

  • lavagem da via (flushing);5
  • assepsia da superfície do conector valvulado, sistema fechado, com solução alcoólica de gluconato de clorexidina 0,5 a 2% ou álcool 70%;15
  • abertura da dânula para o paciente/ambiente, o que ocasionará o fechamento da via para o sistema.

FIGURA 8: A) Flushing do sistema. B) Assepsia do conector na via proximal do paciente. C) Abertura da dânula para o paciente/ambiente. D) Aspiração de 2mL de sangue antes da coleta. E) Sangue para análise. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Em razão da probabilidade de diluição da amostra pela solução eletrolítica, é necessário aspirar 2mL de sangue antes da coleta.1 Obtida a quantidade necessária de sangue, a seringa é desacoplada do sistema e são seguidos os cuidados pertinentes à amostra.

Para garantir a permeabilidade do acesso arterial subsequente à coleta, o inverso deve ser feito com a dânula, e a lavagem da via deve ser realizada com a finalidade de não deixar sangue no sistema, o que pode promover a formação de coágulos (Figura 9A e B).

FIGURA 9: A) Fechamento da dânula para o ambiente. B) Flushing do sistema. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Coleta em via difícil

Em um paciente crítico, algumas condições clínicas dificultam — ou mesmo impossibilitam — o acesso arterial. Essas condições podem ser1,4,16

  • obesidade;
  • edemas;
  • hematomas por múltiplas punções;
  • estados de desidratação;
  • hipotensão;
  • presença de fístulas arteriovenosas;
  • uso de substâncias vasopressoras em altas doses.

Para evitar aumento da carga de trabalho, perda de tempo e dor no paciente, em razão das inúmeras tentativas de punção, o acesso arterial guiado por ultrassom (US) tem se mostrado eficaz, apesar de ser mais comumente empregado em acesso intravenoso periférico.1,4,16

[reflexão] O enfermeiro deve dispor de expertise profissional, a fim de utilizar as tecnologias que colaboram com sua prática na UTI. Assim, o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem é claro quando diz que o enfermeiro tem o direito e o dever de aprimorar seus conhecimentos técnico-científicos que dão sustentação à prática profissional.17

O enfermeiro habilitado no manuseio do US deve conhecer a anatomia dos vasos, sabendo distinguir veias de artérias. Uma das técnicas para diferenciar é comprimir levemente o transdutor sobre a pele e observar que as veias colapsam de um modo que não ocorre com as artérias (Figura 10A e B).

V: veia; A: artéria.

FIGURA 10: A) Anatomia do US aplicado à canulação da artéria. B) Veia cefálica colapsada (seta). // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Com o uso do Doppler colorido (Figura 11A e B), a diferenciação fica clara, pois é possível observar o fluxo pulsátil presente nas artérias.18

FIGURA 11: A) US com Doppler colorido: a cor azul representa o sangue venoso e a cor vermelha, o sangue arterial pulsátil. B) Posicionamento do transdutor (probe) do US e as mãos do coletador da amostra. // Fonte: Arquivo de imagens dos autores.

Riscos relacionados à punção arterial

Por ser um procedimento invasivo, a punção arterial, para fins de gasometria, está sujeita a complicações. É incumbência do enfermeiro responsável pela coleta prevenir a presença de intercorrências e intervir nelas quando preciso. Alguns autores referem as seguintes potenciais complicações:4,5,7,19

  • dor pós-procedimento persistente;
  • equimose;
  • espasmos da artéria radial;
  • eversão da artéria radial durante a remoção da bainha;
  • formação de FAVfístula arteriovenosa;
  • formação de trombo intra-arterial;
  • hematoma;
  • hemorragia;
  • infecção;
  • isquemia;
  • lesão nervosa;
  • oclusão da artéria radial;
  • perda da força na extremidade superior;
  • perfuração da artéria radial;
  • pseudoaneurisma;
  • queda da pressão arterial;
  • resposta vasovagal;
  • retenção urinária (punção femoral);
  • síndrome compartimental.

Considerando a complexidade da técnica e a gravidade das complicações, a Lei nº 7.498, de junho de 1986, é objetiva e afirma ser privativo do enfermeiro o cuidado a pacientes graves com risco de vida, que apresentam complexidade técnica e exigem conhecimentos científicos e capacidade de tomar decisões imediatas.20

ATIVIDADES

4. Entre os riscos da punção arterial, qual NÃO está relacionado a complicações de coleta?

A) Isquemia.

B) Resposta vasovagal.

C) Retenção urinária.

D) Apneia.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "D".


Por ser um procedimento invasivo, a punção arterial para fins de gasometria está sujeita a complicações; entre elas: isquemia local, resposta vaso vagal, retenção urinaria (quando coletado em artéria femoral). A apneia não está relacionada ao procedimento de coleta.

Resposta correta.


Por ser um procedimento invasivo, a punção arterial para fins de gasometria está sujeita a complicações; entre elas: isquemia local, resposta vaso vagal, retenção urinaria (quando coletado em artéria femoral). A apneia não está relacionada ao procedimento de coleta.

A alternativa correta e a "D".


Por ser um procedimento invasivo, a punção arterial para fins de gasometria está sujeita a complicações; entre elas: isquemia local, resposta vaso vagal, retenção urinaria (quando coletado em artéria femoral). A apneia não está relacionada ao procedimento de coleta.

5. Observe as afirmativas sobre as intervenções que alteram temporariamente a PaO2 e a PaCO2.

I. Utilização de CPAP.

II. Uso de BiPAP.

III. Desinfecção da pele.

IV. Manobras fisioterápicas.

Quais estão corretas?

A) Apenas a I e a III.

B) Apenas a II e a IV.

C) Apenas a I, a II e a III.

D) Apenas a I, a II e a IV.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "D".


O paciente a ser puncionado deve possuir uma FiO2 constante. É adequado aguardar cerca de 10 a 20 minutos para coletar a amostra depois de alterações recentes da FiO2. São intervenções que alteram temporariamente a PaO2 e a PaCO2: aspiração de secreções, manobras fisioterápicas, utilização de CPAP e uso de BiPAP.

Resposta correta.


O paciente a ser puncionado deve possuir uma FiO2 constante. É adequado aguardar cerca de 10 a 20 minutos para coletar a amostra depois de alterações recentes da FiO2. São intervenções que alteram temporariamente a PaO2 e a PaCO2: aspiração de secreções, manobras fisioterápicas, utilização de CPAP e uso de BiPAP.

A alternativa correta e a "D".


O paciente a ser puncionado deve possuir uma FiO2 constante. É adequado aguardar cerca de 10 a 20 minutos para coletar a amostra depois de alterações recentes da FiO2. São intervenções que alteram temporariamente a PaO2 e a PaCO2: aspiração de secreções, manobras fisioterápicas, utilização de CPAP e uso de BiPAP.

6. Assinale a alternativa que apresenta uma condição clínica que caracteriza o paciente com via arterial difícil para coleta.

A) Hipertensão.

B) Diabetes melito.

C) Hipotensão.

D) Hipotireoidismo.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "C".


O paciente crítico com hipotensão apresenta baixo fluxo sanguíneo, sendo difícil a palpação do pulso arterial, além da possível necessidade de uso de fármacos vasoativos para elevação da pressão arterial, que consequentemente diminuem a perfusão periférica.

Resposta correta.


O paciente crítico com hipotensão apresenta baixo fluxo sanguíneo, sendo difícil a palpação do pulso arterial, além da possível necessidade de uso de fármacos vasoativos para elevação da pressão arterial, que consequentemente diminuem a perfusão periférica.

A alternativa correta e a "C".


O paciente crítico com hipotensão apresenta baixo fluxo sanguíneo, sendo difícil a palpação do pulso arterial, além da possível necessidade de uso de fármacos vasoativos para elevação da pressão arterial, que consequentemente diminuem a perfusão periférica.

Armazenamento e transporte

O ideal é que a amostra seja avaliada imediatamente ou dentro de 10 a 15 minutos em temperatura ambiente. Caso não seja possível a análise dentro desse tempo, a fim de evitar alteração no metabolismo celular, o material em seringa pode ser armazenado no gelo por até 1 hora. Quando excedido esse período, são maiores as chances de ocorrer aumento da PaCO2 e diminuição da PaO2 e do pH.1,21

Possuir um hemogasômetro dentro da UTI é recomendação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 7, de fevereiro de 2010. Entretanto, essa não é a realidade de muitos hospitais, e acaba sendo necessário o transporte da amostra até um laboratório fora da unidade. Orienta-se que, na condução manual das amostras, elas estejam em posição horizontal, com o objetivo de contribuir com a homogeneização, minimizar a sedimentação eritrocitária e evitar hemólise com movimentos bruscos e vigorosos. 4–6

Interpretação dos distúrbios acidobásicos

Os distúrbios acidobásicos são frequentes nas UTIs e, muitas vezes, estão relacionados a patologias existentes, interferindo nos prognósticos dos pacientes. Os conhecimentos intrínsecos sobre a identificação e o tratamento desses distúrbios são um diferencial na terapêutica, evitando agravo oportuno que possa aumentar a morbidade e a mortalidade.

Conceitos básicos

Os ácidos em descrição são substâncias que cedem íons de hidrogênio (H+) para uma solução, o que a deixa ácida. Já as bases recebem íons de H+, tornando a solução alcalina. É possível encontrar dois tipos de ácido no organismo: os voláteis e os não voláteis.1,6,22

Os ácidos voláteis se movem entre os estados líquido e gasoso; o mais comum no sangue é o ácido carbônico (H2CO3), que tem a capacidade de se desagregar nos pulmões em CO2 a ser eliminado na respiração e na água pelos rins. Já a remoção dos ácidos não voláteis depende totalmente dos rins (ácido lático e cetoácidos). Com frequência, a base presente no sangue humano é o HCO3-, que é controlado excepcionalmente pelo sistema renal.1,6,22

O pH é uma escala que mensura a concentração de íons H+ presentes no organismo. Em consonância, a concentração iônica de H+ é o logaritmo negativo (pH: log 1/[H+] = -log [H+]) em soluções aquosas, e varia entre 7,35 e 7,45 (considerados os valores homeostáticos). Além disso, é volúvel em direções opostas, isto é, quanto maior a concentração de íons de H+ em uma solução, menor o pH (acidemia), e quanto menor essa concentração de íons em uma solução, maior o pH (alcalemia).1,6,22

Assim, o H+ no líquido extracelular depende do equilíbrio entre os ácidos e as bases, ou seja, a PaCO2 e a concentração de HCO3- — expressa por [H+] = 24 × (PaCO2/HCO3-) — deve ser mantida em uma proporção de 20:1, sujeitando sua regulação aos controles respiratório, renal e metabólico.1,6,22

Distúrbios primários/simples e mistos

A princípio, para realizar a interpretação dos distúrbios, é necessário conhecer os valores de normalidade e usá-los como referência. Esses valores de referência a serem considerados na gasometria arterial estão apresentados na Tabela 1.1

TABELA 1

VALORES DE REFERÊNCIA A SEREM ANALISADOS NA GASOMETRIA ARTERIAL

Parâmetros analisados

Valores das amostras arteriais

pH

7,35–7,45

PaO2

80–100mmHg

PaCO2

35–45mmHg

HCO3-

22–26mEq/L

SpO2

93–98%

BE

-2–+2mmol/L

AG

8–14mEq/L

pH: potencial hidrogeniônico; PaO2: pressão parcial de oxigênio; PaCO2: pressão parcial de gás carbônico; HCO3-: íon bicarbonato; SpO2: saturação periférica de oxigênio; BE: base de excesso; AG: ânion GAP. // Fonte: Porto e colaboradores (2020).1

Na sequência, deve-se compreender os possíveis distúrbios acidobásicos presentes na interpretação (Quadro 2).

QUADRO 2

PRINCIPAIS POSSÍVEIS DISTÚRBIOS ACIDOBÁSICOS

Distúrbio

pH

HCO3-

PaCO2

Acidose metabólica

<7,35

<22

Normal

Alcalose metabólica

>7,45

>26

Normal

Acidose respiratória

<7,35

Normal

>45

Alcalose respiratória

>7,45

Normal

<35

Acidose mista

Normal ou <7,35

Extremamente baixo

Extremamente alta

Alcalose mista

Normal ou >7,45

Extremamente alto

Extremamente baixa

pH: potencial hidrogeniônico; HCO3-: íon bicarbonato; PaCO2: pressão parcial de gás carbônico. // Fonte: Porto e colaboradores (2020).1

Conforme apresentado no Quadro 2, as alterações na PaCO2 ou no HCO3- provocam uma mudança no pH, que está relacionada apenas a um sistema orgânico (respiratório ou metabólico). Quando essa alteração ocorre na PaCO2, acompanhada do pH, tem-se um distúrbio respiratório. Se a alteração no HCO3- for a causa da variação do pH, então tem-se um distúrbio metabólico.

O distúrbio misto é caracterizado por alterações no pH e está associado, proporcionalmente, ao HCO3- e à PaCO2. Pode acontecer de o pH se manter dentro da normalidade, apenas apresentando uma tendência à acidemia ou alcalemia, e de o HCO3- e a PaCO2 apresentarem um desvio importante nos valores normais. A ocorrência de distúrbios mistos é frequente em pacientes em estado crítico na UTI.

Mecanismos compensatórios dos sistemas reguladores

Com o objetivo de manter o equilíbrio acidobásico, o controle metabólico conhecido como “sistema tampão” ou “sistema buffer” age, em segundos, sobre a concentração plasmática de H+, não eliminando os ácidos, mas neutralizando os ácidos ou as bases a partir da disposição de sua translocação nos líquidos, ou permitindo sua associação com outras substâncias. A eficácia desses tampões não carbônicos na remissão do distúrbio acidobásico depende de o paciente estar livre de anemia sanguínea.

Na ocorrência de um distúrbio primário, surgirá uma resposta secundária mediante aos sistemas de regulação com o objetivo de moderar a concentração de H+. Quando surge um distúrbio metabólico, o sistema respiratório provoca a retenção ou a excreção dos ácidos potenciais, equilibrando o pH a partir do aumento ou da diminuição da frequência respiratória. Frente ao distúrbio acidobásico, o sistema respiratório age após minutos, porém sua ação não é suficiente para compensar o distúrbio metabólico que não seja discreto. Uma resposta secundária efetiva depende de uma boa função pulmonar do paciente.

Apesar de o sistema renal ter uma resposta de compensação mais lenta, possui eficiência superior, agindo por meio da excreção de íons de H+ e/ou da reabsorção do HCO3-. Isso ocorre em horas ou dias.

Tendo em vista que as respostas secundárias ao distúrbio primário não são capazes de corrigir por completo as alterações no H+, alguns autores consideram errôneo chamá-las de respostas compensatórias.

Acidose metabólica

A acidose metabólica1,6,22,23 ocorre quando há diminuição da concentração de HCO3- (<22mEq/L) no sangue, o que provoca uma queda no pH (<7,35). Isso ocorre a partir de

  • consumo de HCO3- por uma diminuição da excreção do H+;
  • consumo de HCO3- por um aumento de produção de H+;
  • perda de HCO3-;
  • diluição de HCO3-.

Para facilitar a identificação da origem dessa acidose metabólica, as possíveis causas são divididas entre as que ocorrem por aumento do ânion GAP (AG) e as que ocorrem sem alteração no AG.1,6,22,23

O AG, também conhecido como hiato aniônico ou intervalo aniônico, é usado para medir a disparidade dos principais cátions e ânions presentes no organismo. Sabendo disso, a acidose metabólica, na presença de AG elevado, apresenta alguns distúrbios, como aqueles causados pelo acúmulo de ácidos orgânicos endógenos e exógenos, conforme mostra o Quadro 3.1,6,22,23

QUADRO 3

POSSÍVEIS CAUSAS DA ACIDOSE METABÓLICA

Com elevação do AG

Com AG normal

Cetoacidose

Perda de HCO3- pelo trato gastrintestinal

Acidose láctica

Acidose tubular renal

Intoxicações

Uso de acetazolamida

Insuficiência renal avançada

Insuficiência renal moderada

Rabdomiólise grave

Uso excessivo de solução salina

AG: ânion GAP; HCO3-: íon bicarbonato. // Fonte: Porto e colaboradores (2020).1

Deve-se considerar a avaliação clínica do histórico do paciente, pois isso pode direcionar a outros fatores que predispõem o diagnóstico de acidose metabólica.1,6,22,23

Na acidose metabólica com AG em valores normais, a fonte do distúrbio é a perda do HCO3-. A compensação que ocorre em razão da produção de hipercloremia é o motivo pelo qual o AG não se eleva. Entretanto, nesses casos, a acidose decorrente da insuficiência renal e da diarreia crônica torna árdua a correção do pH. Assim, a avaliação do pH urinário é útil para direcionar o diagnóstico e identificar os fatores da causa.1,6,22,23

Os principais sinais e sintomas manifestados no paciente com acidose metabólica estão relacionados ao sistema respiratório no qual são evidenciados aumento na profundidade respiratória e taquipneia, além de observado frequente padrão de respiração de Kussmaul. Outros sintomas também frequentes envolvem os sistemas neurológico e cardiovascular. Fazem parte dessas manifestações clínicas:1,6,22,23

  • hipotensão;
  • arritmias cardíacas;
  • cefaleias;
  • alterações no nível de consciência;
  • coma.

Há também os sintomas relacionados à cetoacidose diabética. São complicações clínicas relevantes: hiperglicemia, hálito cetônico e cetonemia. Para reverter o distúrbio acidobásico, o tratamento busca corrigir a causa base, sendo proposto o ajuste de oferta e demanda do oxigênio nos casos decorrentes da acidose láctica e administração de bicarbonato de sódio (NaHCO3) em acidose com AG aumentado.1,6,22,23

Resposta secundária à acidose metabólica

Diante desse distúrbio, o mecanismo compensatório se inicia dentro de 30 a 120 minutos, agindo a partir do aumento do volume corrente e da frequência respiratória, o que causa redução da PaCO2 e o subsequente aumento do pH aos níveis de normalidade. Seu tempo de ação é encerrado após 12 a 24 horas, e essa resposta é representada pela equação: PaCO2 esperada = 1,5 × HCO3- medido + 8 (±2).

Supondo que o paciente apresente, no resultado da gasometria arterial, pH de 7,2, PaCO2 de 33mmHg e HCO3- de 16mEq/L, resolve-se a equação conforme mostra a Figura 12.

FIGURA 12: Equação que avalia a resposta secundária para a acidose metabólica. // Fonte: González (2017).6

Após a expressão dos resultados, tem-se uma acidose metabólica parcialmente compensada pelo sistema respiratório, pois o valor da PaCO2 (de 33mmHg) está dentro do esperado. Considera-se acidose respiratória secundária no caso de a PaCO2 ser superior a 34mmHg, e alcalose respiratória secundária quando a PaCO2 for inferior a 30mmHg.

Alcalose metabólica

Considera-se alcalose metabólica1,6,22,23 quando o pH se eleva (>7,45) em decorrência do aumento de HCO3- no líquido extracelular (>26mEq/L), tendo como causas o ganho de bases ou a perda de ácidos. Esse aumento é principalmente levado por vômitos, drenagem gástrica e diuréticos, que acabam ocasionando a eliminação de H+. Outro possível fator desencadeante desse distúrbio é a reposição do HCO3- em excesso, o que induz a entrada de H+ para dentro das células.

São possíveis causas da alcalose metabólica:1

  • ingestão/infusão de HCO3-;
  • ingestão de antiácidos contendo HCO3- ou carbonato de cálcio (CaCO3);
  • hemodiálise (lactato);
  • hemotransfusão (citrato);
  • nutrição parenteral total (NPT) (acetato, glutamato);
  • vômitos ou drenagem gástrica;
  • uso de diuréticos;
  • síndrome de Cushing, hiperaldosteronismo, diarreia e hipomagnesemia.

Com a perda de secreções gástricas, ocorre a diminuição de volume circulatório, H+, magnésio (Mg++) e cloro (Cl); com isso, há o aumento da produção e a retenção do HCO3-. A hipovolemia é um fator que estimula o hormônio aldosterona a absorver sódio (Na+) pelo organismo, eliminando o potássio (K+) e reabsorvendo e reduzindo a secreção do HCO3-.1,6,22,23

Os sinais e sintomas incluem aqueles decorrentes da hipovolemia, como:1,6,22,23

 

  • alterações no nível de consciência;
  • câimbras;
  • convulsões;
  • desidratação;
  • espasmos musculares/tetania;
  • fraqueza;
  • hipotensão;
  • parestesias;
  • tontura.

Há, ainda, os sinais e sintomas relacionados à hipocalemia, que são1,6,22,23

  • alterações digestivas;
  • arritmias cardíacas;
  • fraqueza muscular;
  • polidipsia;
  • poliuria.

Resposta secundária à alcalose metabólica

A resposta secundária do sistema respiratório frente à alcalose metabólica ocorre com a diminuição do volume-minuto a partir da hipoventilação, com o objetivo de aumentar a concentração de CO2. A PaCO2 tem sua elevação em torno de 0,6mmHg por cada mmol de aumento do HCO3-. Esse dificilmente excede PaCO2 >60mmHg em ar ambiente, pois o reflexo da hipoxia (nesse caso) pelo organismo tem a ventilação como resposta. Para avaliar a relevância dessa resposta de compensação, é usada a seguinte equação: PaCO2 esperada = 0,7 × ([HCO3-] - 24) + 40 (±2mmHg).

Ao analisar a gasometria arterial, deparando-se com pH de 7,5, PaCO2 de 49mmHg e HCO3- de 35mEq/L, nessa ordem, a equação é solucionada conforme mostra a Figura 13.

FIGURA 13: Equação que avalia a resposta secundária à alcalose metabólica. // Fonte: Marino (2015).22

O resultado da equação mostra uma alcalose parcialmente compensada, dentro dos valores esperados para a PaCO2. Nos casos em que a PaCO2 medida estiver inferior ao valor calculado, tem-se uma alcalose respiratória adicional; se a PaCO2 medida for superior ao valor estimado, tem-se uma acidose respiratória adicional.

Acidose respiratória

Os aspectos relacionados à acidose respiratória1,6,22,23 têm origem na diminuição do pH (<7,35), que decorre de uma hipercapnia (PaCO2 >45mmHg). Os principais problemas causadores desse distúrbio são choque cardiogênico, hipoventilação por patologia pulmonar e neuromuscular, uso de medicação depressora do sistema ventilatório e parada cardiorrespiratória.1,6,22,23

Os sintomas estão associados à hipoxia, o que leva a1,6,22,23

  • alterações cardiovasculares, como:
    • arritmias;
    • vasodilatação periférica (hipotensão);
  • alterações neurológicas, como:
    • cefaleia;
    • visão turva;
    • ansiedade;
    • delirium;
  • sonolência (resultante de narcose por CO2);
  • aumento da pressão intracraniana (PIC) (evidenciado por papiledema);
  • cor pulmonale;
  • edema periférico.

As complicações mais relevantes entre aquelas que podem causar a acidose respiratória são1

  • depressão do sistema nervoso central (SNC):
    • anestesia/sedação excessiva;
    • trauma cranioencefálico;
    • trauma raquimedular;
    • anestesia;
  • expansibilidade torácica diminuída:
    • distensão abdominal;
    • cifoescoliose;
    • trauma toracoabdominal;
  • obesidade mórbida;
  • distúrbios neuromusculares que reduzem a ventilação:
    • síndrome de Guillain-Barré;
    • miastenia;
  • doença pulmonar intersticial;
  • parada cardiorrespiratória.

A intervenção terapêutica é guiada para a correção do distúrbio subjacente e envolve suporte ventilatório e medicações antagonistas. O suporte ventilatório é usado em situações específicas, como no caso de um paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) que, em razão das medidas adaptativas do organismo, depende de uma hipoxia equilibrada. Já o uso de medicações antagonistas visa à reversão dos depressores do SNC.1,6,22,23

Resposta secundária à acidose respiratória

O fator compensatório de uma acidose respiratória — que ocorre nos rins de forma gradativa e lenta — será o responsável por diferenciar um distúrbio acidobásico respiratório agudo de um crônico. No distúrbio agudo, a resposta secundária gera, na concentração plasmática, um aumento de 1mEq/L no HCO3- para cada aumento de 10mmHg na PaCO2 superior a 40mmHg. Já no distúrbio crônico, há aumento inferior a 1mEq/L no HCO3- para cada aumento de 10mmHg na PaCO2 superior a 40mmHg.

A contínua elevação da PaCO2, na acidose crônica, causa perda de H+ através dos rins e aumento do HCO3- no líquido extracelular. O equilíbrio é atingido dentro de 3 a 5 dias, e promove um incremento de até 3,5mEq/L na concentração de HCO3- para cada aumento de 10mmHg na PaCO2. A compensação renal, apesar de lenta, mostra alta eficácia. Nos casos crônicos, ainda que a PaCO2 esteja aumentada, o paciente não apresenta sintomas se estiver com pH estável (≤7,25) e boa oxigenação.

Alcalose respiratória

A alcalose respiratória1,6,22,23 é caracterizada pelo aumento do pH (>7,45) em razão da diminuição da PaCO2 (<35mmHg), consequência de uma frequência respiratória superior às necessidades. A hiperventilação pode suceder condições que aumentam o drive inspiratório, como as doenças respiratórias ou a hipoxia tecidual.

As principais causas da alcalose respiratória são2

  • hipoxia:
    • grandes altitudes;
    • insuficiência cardíaca congestiva;
    • distúrbios na relação ventilação/perfusão (V/Q);
  • doenças pulmonares:
    • edema;
    • fibrose;
    • embolia;
    • pneumonia;
  • uso de substâncias:
    • salicilatos;
    • progesterona;
    • nicotina;
  • hiperventilação psicogênica:
    • ansiedade;
    • medo;
  • ajustes inadequados na ventilação mecânica;
  • insuficiência hepática;
  • infecções e sepse por Gram-negativo;
  • distúrbios neurológicos:
    • tumores;
    • traumas.

Os sinais e sintomas referentes a esse distúrbio incluem alteração nos níveis de consciência, ansiedade, arritmias, coma, convulsões, inquietação, parestesias, queda no fluxo sanguíneo cerebral (comum no controle da PIC), taquipneia e tetania. O tratamento da alcalose respiratória visa à correção da sua etiologia e consiste em controlar o padrão respiratório, usar medicações para ansiedade, melhorar o estado circulatório, ofertar suplementação de oxigênio e proporcionar controle térmico.1,6,22,23

Em alguns casos de ansiedade, pode-se pedir ao paciente que, dentro de um saco, respire repetidamente o ar expirado e transformado em CO2.1,6,22,23

Resposta secundária à alcalose respiratória

A resposta renal frente à alcalose respiratória crônica induz a retenção de H+ e a excreção de HCO3- pelo organismo, ocorrendo, assim, a redução de 4mEq/L no valor do HCO3- para cada 10mmHg reduzidos no valor PaCO2. Nos casos agudos, a redução fica em torno de 2mEq/L no valor do HCO3- para cada 10mmHg reduzidos no valor da PaCO2. Além do fator compensatório, a presença de alterações no valor do HCO3- indica uma alcalose adicional.

O Quadro 4 apresenta os eventos relativos ao mecanismo compensatório.1

QUADRO 4

EVENTOS OCORRIDOS NO MECANISMO COMPENSATÓRIO

Distúrbio

Evento inicial

Mecanismo de compensação

Acidose metabólica

  • pH ↓
  • HCO3-
  • PaCO2 normal

Pulmões removem o CO2 – hiperventilação

Alcalose metabólica

  • pH ↑
  • HCO3-
  • PaCO2 normal

Pulmões retêm o CO2 hipoventilação

Acidose respiratória

  • pH ↓
  • HCO3- normal
  • PaCO2

Rins excretam H+ e reabsorvem HCO3-

Alcalose respiratória

  • pH ↑
  • HCO3- normal
  • PaCO2

Rins retêm H+ e excretam HCO3-

pH: potencial hidrogeniônico; HCO3-: íon bicarbonato; PaCO2: pressão parcial de gás carbônico; CO2: gás carbônico; H+: íon de hidrogênio. // Fonte: Porto e colaboradores (2020).1

Sistematização para análise e interpretação dos gases sanguíneos

A avaliação dos gases sanguíneos1,22 e a consequente identificação dos distúrbios acidobásicos fazem parte da rotina do enfermeiro dentro da terapia intensiva. A avaliação dependerá da qualidade da amostra analisada e do conhecimento dos valores basais dos gases examinados na gasometria arterial, que podem variar em algumas literaturas. Esses resultados, associados a uma avaliação do histórico e da clínica do paciente, serão um norte para discernir a gravidade do distúrbio e a terapêutica necessária à sua correção.1,22

Alguns autores consideram que, para uma completa avaliação, a análise dos gases deve seguir uma sequência metódica. Desse modo, para facilitar a interpretação da gasometria, o Quadro 5 apresenta o passo a passo para o manejo dos distúrbios que podem ser encontrados.1,22

QUADRO 5

ORIENTAÇÕES PARA A IDENTIFICAÇÃO DE DISTÚRBIOS NA INTERPRETAÇÃO DA GASOMETRIA

Etapas

Descrição

1

Conferir se os dados de identificação da gasometria condizem com os do paciente em questão, a fim de evitar interpretações equivocadas e condutas que coloquem em risco o estado do indivíduo.

2

Identificar o valor do pH, que definirá se há acidemia ou alcalemia.

3

Identificar o valor da PaCO2; as alterações em seu valor indicam distúrbio respiratório.

4

Identificar o valor do HCO3-; as alterações em seu valor indicam distúrbio metabólico.

5

Observar a existência de fatores de compensação, na ocorrência de pH dentro da normalidade, direcionando o valor do pH a um único componente (respiratório ou metabólico).

6

Observar, nos casos de um pH dentro da normalidade, a existência de distúrbio misto que liga o pH normal ou direcionado à acidemia/alcalemia às alterações nos componentes respiratórios e metabólicos voltados a seu valor.

pH: potencial hidrogeniônico; PaCO2: pressão parcial de gás carbônico; HCO3-: bicarbonato. // Fonte: Adaptado de Porto e colaboradores (2020);1 Conselho Federal de Enfermagem (2011).2

A fim de dar fundamentação ao resultado, os valores da gasometria são considerados relevantes apenas quando garantem2

  • qualidade na coleta da amostra;
  • armazenamento adequado;
  • tempo de análise correto;
  • calibragem apropriada da máquina de avaliação (gasômetro).

ATIVIDADES

7. O distúrbio misto é caracterizado por alterações no pH e nos dois sistemas orgânicos. Qual das gasometrias é considerada um distúrbio misto?

A) pH: 7,35; PaCO2: 52mmHg; HCO3-: 12mEq/L.

B) pH: 7,40; PaCO2: 40mmHg; HCO3-: 24mEq/L.

C) pH: 7,45; PaCO2: 45mmHg; HCO3-: 26mEq/L.

D) pH: 7,35; PaCO2: 37mmHg; HCO3-: 25mEq/L.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "A".


Tem-se uma acidose respiratória e metabólica no caso de pH de 7,35 (normal, tendendo à acidemia), PaCO2 de 52mmHg (elevada e relacionada ao pH) e HCO3- de 12mEq/L (diminuído e relacionado ao pH).

Resposta correta.


Tem-se uma acidose respiratória e metabólica no caso de pH de 7,35 (normal, tendendo à acidemia), PaCO2 de 52mmHg (elevada e relacionada ao pH) e HCO3- de 12mEq/L (diminuído e relacionado ao pH).

A alternativa correta e a "A".


Tem-se uma acidose respiratória e metabólica no caso de pH de 7,35 (normal, tendendo à acidemia), PaCO2 de 52mmHg (elevada e relacionada ao pH) e HCO3- de 12mEq/L (diminuído e relacionado ao pH).

8. Na alcalose metabólica, ocorre a elevação do pH, ocasionado pelo aumento do HCO3- no líquido extracelular. Qual das gasometrias é considerada alcalose metabólica?

A) pH: 7,35; PaCO2: 40mmHg; HCO3-: 22mEq/L.

B) pH: 7,47; PaCO2: 40mmHg; HCO3-: 28mEq/L.

C) pH: 7,35; PaCO2: 52mmHg; HCO3-: 15mEq/L.

D) pH: 7,45; PaCO2: 35mmHg; HCO3-: 25mEq/L.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "B".


Tem-se uma alcalose metabólica no caso de pH de 7,47 (elevado, tendendo à alcalemia); PaCO2 de 40mmHg (dentro da normalidade) e HCO3- de 28mEq/L (aumentado e relacionado ao pH).

Resposta correta.


Tem-se uma alcalose metabólica no caso de pH de 7,47 (elevado, tendendo à alcalemia); PaCO2 de 40mmHg (dentro da normalidade) e HCO3- de 28mEq/L (aumentado e relacionado ao pH).

A alternativa correta e a "B".


Tem-se uma alcalose metabólica no caso de pH de 7,47 (elevado, tendendo à alcalemia); PaCO2 de 40mmHg (dentro da normalidade) e HCO3- de 28mEq/L (aumentado e relacionado ao pH).

9. Quanto às orientações para identificação de distúrbios na interpretação da gasometria, correlacione as colunas.

1 Etapa 1

2 Etapa 2

3 Etapa 3

4 Etapa 4

Identificar o valor do HCO3-.

Conferir se os dados de identificação da gasometria condizem com os do paciente em questão.

Identificar o valor do pH, que definirá se há acidemia ou alcalemia.

Identificar o valor da PaCO2.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) 4 — 1 — 2 — 3

B) 3 — 2 — 1 — 4

C) 2 — 3 — 4 — 1

D) 1 — 4 — 3 — 2

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "A".


O passo a passo para a identificação de distúrbios na interpretação da gasometria é: 1) conferir se os dados de identificação da gasometria condizem com os do paciente em questão, a fim de evitar interpretações equivocadas e condutas que coloquem em risco o estado do indivíduo; 2) identificar o valor do pH, que definirá se há acidemia ou alcalemia; 3) identificar o valor da PaCO2, pois as alterações em seu valor indicam distúrbio respiratório; 4) identificar o valor do HCO3-, pois as alterações em seu valor indicam distúrbio metabólico; 5) observar a existência de fatores de compensação, na ocorrência de pH dentro da normalidade, direcionando o valor do pH a um único componente (respiratório ou metabólico); 6) observar, nos casos de um pH dentro da normalidade, a existência de distúrbio misto que liga o pH normal ou direcionado à acidemia/alcalemia às alterações nos componentes respiratórios e metabólicos voltados a seu valor.

Resposta correta.


O passo a passo para a identificação de distúrbios na interpretação da gasometria é: 1) conferir se os dados de identificação da gasometria condizem com os do paciente em questão, a fim de evitar interpretações equivocadas e condutas que coloquem em risco o estado do indivíduo; 2) identificar o valor do pH, que definirá se há acidemia ou alcalemia; 3) identificar o valor da PaCO2, pois as alterações em seu valor indicam distúrbio respiratório; 4) identificar o valor do HCO3-, pois as alterações em seu valor indicam distúrbio metabólico; 5) observar a existência de fatores de compensação, na ocorrência de pH dentro da normalidade, direcionando o valor do pH a um único componente (respiratório ou metabólico); 6) observar, nos casos de um pH dentro da normalidade, a existência de distúrbio misto que liga o pH normal ou direcionado à acidemia/alcalemia às alterações nos componentes respiratórios e metabólicos voltados a seu valor.

A alternativa correta e a "A".


O passo a passo para a identificação de distúrbios na interpretação da gasometria é: 1) conferir se os dados de identificação da gasometria condizem com os do paciente em questão, a fim de evitar interpretações equivocadas e condutas que coloquem em risco o estado do indivíduo; 2) identificar o valor do pH, que definirá se há acidemia ou alcalemia; 3) identificar o valor da PaCO2, pois as alterações em seu valor indicam distúrbio respiratório; 4) identificar o valor do HCO3-, pois as alterações em seu valor indicam distúrbio metabólico; 5) observar a existência de fatores de compensação, na ocorrência de pH dentro da normalidade, direcionando o valor do pH a um único componente (respiratório ou metabólico); 6) observar, nos casos de um pH dentro da normalidade, a existência de distúrbio misto que liga o pH normal ou direcionado à acidemia/alcalemia às alterações nos componentes respiratórios e metabólicos voltados a seu valor.

F.A.P., 48 anos de idade, foi internada com quadro de febre, mialgia, diarreia, dor torácica ventilatória e tosse seca com início há três dias. O teste rápido para doença do coronavírus 2019 (COVID-19) teve resultado positivo. Quanto à história pregressa, negou comorbidades. No terceiro dia de internação, apresentou piora gradativa do quadro, evoluindo com desconforto respiratório e queda progressiva da saturação. Foi solicitada uma vaga na UTI COVID no hospital de referência do seu estado.

A paciente foi transferida e deu entrada na UTI COVID às 17h (ainda no terceiro dia de sintomas), acompanhada pela equipe multiprofissional do transporte, em maca, acordada, contactante e apresentando

  • taquicardia sinusal, hipertensão, febre de 38,8ºC e dispneia aos pequenos esforços;
  • respiração com auxílio de máscara com reservatório (não reinalante) a 10L/minuto;
  • SpO2 de 86%;
  • ausculta pulmonar com murmúrios vesiculares diminuídos em base bilateral;
  • acesso venoso periférico em membro superior direito com SF a 0,9%, pérvio;
  • abdome globoso, ruídos hidroaéreos presentes, sem dor à palpação e dorso íntegro;
  • diurese por sonda vesical de demora de aspecto fisiológico 600mL nas últimas 12 horas e evacuação ausente a um dia;
  • membros superiores e inferiores sem presença de edema e com perfusão preservada.

Após a estabilização da paciente na unidade, foi necessário seu transporte ao setor diagnóstico para realização de tomografia de tórax, que evidenciou comprometimento de parênquima pulmonar de, aproximadamente, 70%. Ao retornar à UTI, foi realizada, por 1h30min, a ventilação mecânica não invasiva (VMNI) com máscara facial total a 50% de FiO2, mantendo uma saturação média de 92%. Após o procedimento, foi realizada a coleta de sangue arterial para análise, quando se observou a seguinte gasometria:

  • pH — 7,04;
  • PaO2 — 37mmHg;
  • PaCO2 — 80mmHg;
  • HCO3- — 21mEq/L;
  • SpO2 — 44%.

Portanto, foi coletada uma nova amostra. Frente ao novo resultado da gasometria e com o objetivo de não postergar as intervenções necessárias, a paciente foi submetida à intubação orotraqueal, que ocorreu sem intercorrência, mantida uma FiO2 constante nos primeiros 30 minutos em 100% e, em seguida, 70%. Foi iniciada a analgosedação (midazolam, 25mL/hora, fentanila, 15mL/hora, e propofol, 10mL/hora). A paciente apresentou hipotensão e foi necessária infusão de 500mL de SF rápida, apresentando subsequente estabilidade na pressão arterial.

O médico realizou acesso venoso central em veia subclávia direita, e o enfermeiro realizou sonda nasoenteral (SNE). Foi solicitado ao setor diagnóstico uma radiografia no leito e logo o exame de imagem apontou cateter venoso central no terço médio inferior da veia cava superior e SNE com migração pós-pilórica. Foi realizada outra coleta de sangue arterial para análise de gasometria, que apresentou o seguinte resultado:

  • pH — 7,2;
  • PaO2 — 107mmHg;
  • PaCO2 — 55mmHg;
  • HCO3- — 22mEq/L;
  • SpO2 — 92%.

A paciente está estável hemodinamicamente, seguindo os cuidados intensivos.

ATIVIDADES

10. Diante da análise das informações do caso clínico, o que motivou o enfermeiro a coletar uma segunda gasometria após a VNMI?

Confira aqui a resposta

Seguindo os valores de referência a serem avaliados na gasometria e com base na literatura apresentada, a amostra avaliada é de sangue venoso, por apresentar a CO2 elevada e a PaO2 baixa. Essa interpretação também está associada à clínica, como SpO2 de 92%.

Resposta correta.


Seguindo os valores de referência a serem avaliados na gasometria e com base na literatura apresentada, a amostra avaliada é de sangue venoso, por apresentar a CO2 elevada e a PaO2 baixa. Essa interpretação também está associada à clínica, como SpO2 de 92%.

Seguindo os valores de referência a serem avaliados na gasometria e com base na literatura apresentada, a amostra avaliada é de sangue venoso, por apresentar a CO2 elevada e a PaO2 baixa. Essa interpretação também está associada à clínica, como SpO2 de 92%.

11. Após a realização da VNMI, quanto tempo é recomendado para realizar a coleta de uma gasometria?

Confira aqui a resposta

O paciente a ser puncionado deve possuir uma FiO2 constante, sendo adequado aguardar cerca de 10 a 20 minutos para coletar a amostra depois de alterações recentes da FiO2. Essas intervenções acabam por alterar temporariamente a PaO2 e a PaCO2.

Resposta correta.


O paciente a ser puncionado deve possuir uma FiO2 constante, sendo adequado aguardar cerca de 10 a 20 minutos para coletar a amostra depois de alterações recentes da FiO2. Essas intervenções acabam por alterar temporariamente a PaO2 e a PaCO2.

O paciente a ser puncionado deve possuir uma FiO2 constante, sendo adequado aguardar cerca de 10 a 20 minutos para coletar a amostra depois de alterações recentes da FiO2. Essas intervenções acabam por alterar temporariamente a PaO2 e a PaCO2.

12. Considerando que a paciente está com um comprometimento pulmonar grave relacionado à doença, qual distúrbio acidobásico é apontado na gasometria após a intubação?

Confira aqui a resposta

A acidose respiratória é o distúrbio acidobásico apontado na gasometria após a intubação. Os aspectos relacionados à acidose respiratória têm origem na diminuição do pH (<7,35), que decorre de hipercapnia (PaCO2 >45mmHg). Os principais problemas causadores desse distúrbio são choque cardiogênico, hipoventilação por patologia pulmonar e neuromuscular, uso de medicação depressora do sistema ventilatório e parada cardiorrespiratória.

Resposta correta.


A acidose respiratória é o distúrbio acidobásico apontado na gasometria após a intubação. Os aspectos relacionados à acidose respiratória têm origem na diminuição do pH (<7,35), que decorre de hipercapnia (PaCO2 >45mmHg). Os principais problemas causadores desse distúrbio são choque cardiogênico, hipoventilação por patologia pulmonar e neuromuscular, uso de medicação depressora do sistema ventilatório e parada cardiorrespiratória.

A acidose respiratória é o distúrbio acidobásico apontado na gasometria após a intubação. Os aspectos relacionados à acidose respiratória têm origem na diminuição do pH (<7,35), que decorre de hipercapnia (PaCO2 >45mmHg). Os principais problemas causadores desse distúrbio são choque cardiogênico, hipoventilação por patologia pulmonar e neuromuscular, uso de medicação depressora do sistema ventilatório e parada cardiorrespiratória.

Conclusão

O paciente crítico está sujeito a diversas alterações fisiológicas, que comprometem a homeostase e levam a complicações clínicas e ao óbito. O enfermeiro, como provedor do cuidado direto, deve estar dotado de conhecimentos e habilidades práticas a fim de reconhecer os distúrbios precocemente, garantindo intervenções que possam minimizar ou evitar seu agravo.

É fundamental, portanto, que o profissional de enfermagem que atua em UTI tenha como foco educação continuada sobre a técnica, melhores práticas para a punção arterial a partir do uso e do domínio de tecnologias e habilidade para interpretar corretamente os distúrbios acidobásicos.

Atividades: Respostas

Atividade 1 // Resposta: D

Comentário: A Resolução do Cofen nº 390/2011 normatiza a punção arterial e reafirma que, no âmbito da enfermagem, esse é um procedimento privativo do enfermeiro, tendo em vista que é complexo e exige do profissional competência técnico-científica, a fim de que sejam tomadas decisões imediatas quando necessário.

Atividade 2 // Resposta: B

Comentário: Por ser ácida, a fórmula da heparina pode interferir nos valores de CO2 e HCO3-. Assim, é indicada a heparina liofilizada; na ausência dessa, a heparina líquida deve ser usada com cautela, e é recomendada a umidificação do êmbolo da seringa a uma equivalência de 0,1mL de heparina para, no máximo, 2mL de sangue. Para que não ocorra a coagulação da amostra, a seringa utilizada na coleta deve ser heparinizada. A literatura afirma que calibres menores são propensos a promover lise da amostra.

Atividade 3 // Resposta: B

Comentário: Preferencialmente, a artéria radial segue como primeira escolha para a punção arterial, em razão da facilidade de palpação e acesso e do bom fluxo. As demais artérias apresentadas, em relação à localização e à palpação, são consideradas mais difíceis e de maior risco para o trombo, como é o caso da artéria braquial.

Atividade 4 // Resposta: D

Comentário: Por ser um procedimento invasivo, a punção arterial para fins de gasometria está sujeita a complicações; entre elas: isquemia local, resposta vaso vagal, retenção urinaria (quando coletado em artéria femoral). A apneia não está relacionada ao procedimento de coleta.

Atividade 5 // Resposta: D

Comentário: O paciente a ser puncionado deve possuir uma FiO2 constante. É adequado aguardar cerca de 10 a 20 minutos para coletar a amostra depois de alterações recentes da FiO2. São intervenções que alteram temporariamente a PaO2 e a PaCO2: aspiração de secreções, manobras fisioterápicas, utilização de CPAP e uso de BiPAP.

Atividade 6 // Resposta: C

Comentário: O paciente crítico com hipotensão apresenta baixo fluxo sanguíneo, sendo difícil a palpação do pulso arterial, além da possível necessidade de uso de fármacos vasoativos para elevação da pressão arterial, que consequentemente diminuem a perfusão periférica.

Atividade 7 // Resposta: A

Comentário: Tem-se uma acidose respiratória e metabólica no caso de pH de 7,35 (normal, tendendo à acidemia), PaCO2 de 52mmHg (elevada e relacionada ao pH) e HCO3- de 12mEq/L (diminuído e relacionado ao pH).

Atividade 8 // Resposta: B

Comentário: Tem-se uma alcalose metabólica no caso de pH de 7,47 (elevado, tendendo à alcalemia); PaCO2 de 40mmHg (dentro da normalidade) e HCO3- de 28mEq/L (aumentado e relacionado ao pH).

Atividade 9 // Resposta: A

Comentário: O passo a passo para a identificação de distúrbios na interpretação da gasometria é: 1) conferir se os dados de identificação da gasometria condizem com os do paciente em questão, a fim de evitar interpretações equivocadas e condutas que coloquem em risco o estado do indivíduo; 2) identificar o valor do pH, que definirá se há acidemia ou alcalemia; 3) identificar o valor da PaCO2, pois as alterações em seu valor indicam distúrbio respiratório; 4) identificar o valor do HCO3-, pois as alterações em seu valor indicam distúrbio metabólico; 5) observar a existência de fatores de compensação, na ocorrência de pH dentro da normalidade, direcionando o valor do pH a um único componente (respiratório ou metabólico); 6) observar, nos casos de um pH dentro da normalidade, a existência de distúrbio misto que liga o pH normal ou direcionado à acidemia/alcalemia às alterações nos componentes respiratórios e metabólicos voltados a seu valor.

Atividade 10

RESPOSTA: Seguindo os valores de referência a serem avaliados na gasometria e com base na literatura apresentada, a amostra avaliada é de sangue venoso, por apresentar a CO2 elevada e a PaO2 baixa. Essa interpretação também está associada à clínica, como SpO2 de 92%.

Atividade 11

RESPOSTA: O paciente a ser puncionado deve possuir uma FiO2 constante, sendo adequado aguardar cerca de 10 a 20 minutos para coletar a amostra depois de alterações recentes da FiO2. Essas intervenções acabam por alterar temporariamente a PaO2 e a PaCO2.

Atividade 12

RESPOSTA: A acidose respiratória é o distúrbio acidobásico apontado na gasometria após a intubação. Os aspectos relacionados à acidose respiratória têm origem na diminuição do pH (<7,35), que decorre de hipercapnia (PaCO2 >45mmHg). Os principais problemas causadores desse distúrbio são choque cardiogênico, hipoventilação por patologia pulmonar e neuromuscular, uso de medicação depressora do sistema ventilatório e parada cardiorrespiratória.

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Como citar a versão impressa deste documento

Souza LP, Souza JS, Pinheiro FA, Lima MG. Gasometria arterial: da coleta à interpretação por enfermeiros. In: Associação Brasileira de Enfermagem; Vargas MAO, Nascimento ERP, organizadoras. PROENF Programa de Atualização em Enfermagem: Terapia Intensiva: Ciclo 5. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2021. p. 41–76. (Sistema de Educação Continuada a Distância; v. 1). https://doi.org/10.5935/978-65-5848-334-2.C0003

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