Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- analisar a biomecânica envolvida no impacto femoroacetabular;
- identificar as características clínicas e os achados em exames de imagem do impacto femoroacetabular;
- indicar o tratamento não cirúrgico e cirúrgico do impacto femoroacetabular.
Esquema conceitual
Introdução
O impacto femoroacetabular (IFA) é causa frequente de dor no quadril e possível precursor de coxartrose, representando grande problema de saúde por afetar pacientes em idade jovem e produtiva.1,2
No início do século XX, o conflito mecânico entre o fêmur e o acetábulo já era considerado causa de sintomas no quadril, inclusive com alguns relatos do tratamento cirúrgico para alívio do impacto em casos com artrose avançada.3,4 Entretanto, em razão de maus resultados, essa afecção foi esquecida por décadas na literatura médica, com publicações ocasionais, principalmente na ortopedia pediátrica.5–9
Em 1975, Stulberg e colaboradores10 propuseram que deformidades do quadril secundárias a doenças não reconhecidas na infância poderiam causar artrose.10 O termo deformidade em “cabo de pistola” (em inglês, pistol-grip deformity) foi introduzido para descrever a perda da esfericidade normal da cabeça femoral.10
Harris,1 em 1986, relatou que 90% das osteoartroses consideradas “idiopáticas” podiam ser explicadas por displasia leve e deformidade em cabo de pistola. No ano 2000, Ganz deu início a uma série de publicações considerando o IFA e seu tratamento cirúrgico em uma fase pré-artrítica.2,11,12 Esses pesquisadores popularizaram o conceito de que o IFA pode ser secundário à sobrecobertura acetabular (tipo pinçamento, ou pincer), por deformidade na transição da cabeça com o colo femoral (tipo came, ou cam) ou misto.2
Na última década, o número de publicações nessa área cresceu exponencialmente, com grande evolução no entendimento do diagnóstico e do tratamento do IFA. Diante dessa evolução, tornou-se necessário estabelecer o conceito correto com relação ao fato de a doença fazer parte de quadro sindrômico, já que as alterações morfológicas podem ocorrer em considerável parte da população sem nenhum sintoma.
No consenso de Warwick, publicado em 2016, estabeleceu-se que se trata de uma síndrome, devendo ser chamada de síndrome do impacto femoroacetabular (SIFA), alteração clínica no quadril que envolve a tríade de sintomas, sinais clínicos e achados de imagem por conta do contato prematuro entre o fêmur proximal e o acetábulo. Convencionou-se que deve ser diagnosticada pelos sintomas, pelos sinais clínicos e pelos achados anormais nas imagens.13
Apesar do progresso nas técnicas cirúrgicas voltadas à SIFA nos últimos anos, conceitos de anatomia, biomecânica e exame físico são fundamentais para que o diagnóstico e o tratamento sejam eficazes, já que assintomáticos frequentemente apresentam morfologias tipo came e pinçamento.14,15
Allen e colaboradores16 relataram que cerca de 80% dos seus pacientes com impacto tipo came sintomático apresentavam deformidade bilateral; porém, sintomas em ambos os quadris estavam presentes em somente 26% dos indivíduos. Em uma revisão sistemática em 2.114 quadris assintomáticos, a morfologia tipo came foi encontrada em 37% (54,8% em atletas e 23,1% na população normal), o pinçamento em 67% e a lesão do lábio acetabular em 68%.17
A comprovação de que os sintomas no quadril são devidos à SIFA se baseia na associação de história clínica e exame físico com exames complementares. Instabilidade e displasia do quadril devem ser consideradas no diagnóstico diferencial e podem coexistir com impacto.18 Além disso, é importante que a abordagem diagnóstica considere não somente as anormalidades osteocondrais, mas também as ligamentares, musculotendíneas e neurovasculares.19
Deve ser lembrado que o impacto entre o fêmur e a pelve também pode ter origem extra-articular, como no caso do impacto subespinal, em que o conflito ocorre entre a espinha ilíaca anteroinferior (EIAI) ou na região entre o trocanter menor e o ísquio, denominado impacto isquiofemoral.20–23
O sucesso no tratamento da SIFA não depende somente da compreensão das modernas técnicas cirúrgicas disponíveis atualmente. Seu entendimento, desde a etiologia até a análise adequada dos exames de imagem, além da correta indicação do procedimento, é fundamental no manejo dos pacientes.