Introdução
O fenômeno do envelhecimento da população é um dos principais desafios que a sociedade atual enfrenta. As demandas socioeconômicas consequentes do aumento da proporção de idosos são evidentes. No entanto, sobretudo as consequências no âmbito da saúde de uma população cada vez mais envelhecida têm merecido, cada vez mais, a atenção da comunidade científica internacional, no sentido de melhorar e otimizar as respostas dos cuidados de saúde a esse desafio de tratar uma população tão heterogênea como a idosa.1
Embora a esperança média de vida seja mais elevada do que nunca, o número de anos que se vive com qualidade de vida é, ainda, reduzido, pelo que urge o surgimento de estratégias que respondam convenientemente a esses desafios.1
A população idosa apresenta múltiplas condições clínicas, que correspondem principalmente a doenças crônicas, não transmissíveis, designadas comorbidades. Outro conceito importante na área da geriatria é o de síndromes geriátricas.2
As síndromes geriátricas são o conjunto de sintomas relacionados com o estado de saúde do idoso, que não pertencem a nenhuma entidade clínica e patológica específica, ou seja, que não se encaixam facilmente nas categorias da Classificação Internacional de Doenças (CID) e que têm, na sua base, múltiplas causas.2
O conceito de síndromes geriátricas não é uniforme, podendo ser definido como “condições clínicas multifatoriais que ocorrem quando os efeitos acumulados de distúrbios em múltiplos sistemas tornam uma pessoa idosa vulnerável a desafios situacionais”.2
Mesmo heterogêneas, as síndromes geriátricas têm características em comum, como serem muito prevalentes na população idosa, terem múltiplas causas, apresentarem um curso crônico e afetarem, de modo significativo, a qualidade de vida do idoso, com perda da sua autonomia.2
A possível prevenção das síndromes geriátricas é outro aspecto que caracteriza esse tipo de síndrome e por meio da qual se pode diminuir o risco de hospitalização e de institucionalização, melhorando a qualidade de vida do indivíduo.2
As síndromes geriátricas incluem, entre outras:
- iatrogenia;
- incontinência;
- instabilidade e quedas;
- desnutrição;
- sarcopenia;
- imobilidade;
- insuficiência cognitiva;
- síndrome de fragilidade.
A acumulação de comorbidades, em conjunto com as síndromes geriátricas, leva a um aumento no consumo de medicamentos por parte dos idosos, sendo essa população a sua principal utilizadora. De fato, situações de polimedicação são muito prevalentes na população idosa, com consequências importantes para os indivíduos mais velhos.3
Ainda, as particularidades fisiológicas que ocorrem com o envelhecimento podem condicionar uma resposta diferente aos fármacos, concretamente por alterações no âmbito da farmacocinética e da farmacodinâmica, tornando os idosos uma população mais suscetível a problemas relacionados com os medicamentos.3
Em relação à farmacocinética, todas as suas fases são afetadas, seja a absorção, a distribuição, o metabolismo ou a excreção dos fármacos. De modo geral, essas alterações estão relacionadas às modificações fisiológicas que acompanham a idade, com as variações na composição corporal e com a disfunção dos órgãos de eliminação na idade avançada, sendo o metabolismo e a excreção dos fármacos as etapas mais afetadas.3
Além desses fatores, idosos apresentam, muitas vezes, reserva fisiológica diminuída, mecanismos homeostáticos comprometidos e sensibilidade aumentada a fármacos específicos por alterações ao nível da farmacodinâmica.3
Dessa forma, a prescrição de medicamentos na população geriátrica é um processo complexo para os profissionais de saúde na sua prática clínica. De fato, a prescrição apropriada de medicamentos deve “maximizar a efetividade e a segurança, minimizar os custos associados e respeitar as preferências dos doentes”.4
A evidência existente sugere que o uso de fármacos em idosos é, muitas vezes, inapropriado, estando associado aos medicamentos em si mesmos, mas também a fatores relacionados com a prescrição mais ou menos complexa consoante à situação clínica do doente, com os profissionais de saúde e com os sistemas de saúde.5
A prescrição inapropriada de fármacos em idosos está associada a uma relevante morbidade, com consequente aumento do número de hospitalizações e de mortalidade, apresentando consequências clínicas e econômicas importantes para os indivíduos idosos, mas também para a sociedade no geral.6 Assim, a prescrição inapropriada em idosos tornou-se uma importante preocupação de saúde pública.
Nos últimos anos, foram desenvolvidos instrumentos que visam a avaliar as prescrições de fármacos em idosos, detectar potenciais prescrições inapropriadas, identificar medicamentos potencialmente inapropriados (MPIs) e melhorar a farmacoterapia geriátrica, constituindo guias práticos a serem utilizados pelos profissionais de saúde na sua prática clínica.4,6,7
Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- conceituar polimedicação apropriada e inapropriada;
- definir MPI;
- distinguir os instrumentos/critérios implícitos e explícitos de avaliação de MPI;
- reconhecer as características fundamentais dos instrumentos de identificação de MPI mais usados na prática clínica.