Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- reconhecer a saúde mental como parte essencial para a saúde;
- avaliar a construção histórico-social do papel do enfermeiro de saúde mental;
- descrever as ações desenvolvidas pelo enfermeiro na interconsulta de enfermagem em saúde mental;
- analisar as ações de saúde mental realizadas no hospital geral;
- reconhecer os instrumentos gerenciais do enfermeiro interconsultor na atuação multidisciplinar;
- refletir sobre a relevância da educação permanente de enfermagem em temas de saúde mental no hospital geral.
Esquema conceitual
Introdução
Sem dúvida, cuidar das pessoas nas dimensões psíquica e emocional é um desafio a qualquer profissional da saúde ou de qualquer outra área. Por outro lado, considerando o aumento exponencial nos casos de transtornos mentais, de dependência química, de qualquer situação que cause sofrimento psíquico e do alto risco de cronificação das doenças mentais, entende-se que é imprescindível aos profissionais de saúde possuir a sensibilidade e a formação para atuarem com competência na oferta de cuidados nas dimensões emocional e psíquica.1
O enfermeiro e sua equipe, por disporem de maior tempo à beira do leito junto ao paciente, devem se valer dessa condição para identificar precocemente fatores de risco atrelados ao adoecimento mental ou presentes em crises psíquicas e emocionais, situações bastante corriqueiras em condições de internamentos ou de adoecimento. Esse profissional, mesmo o generalista, deveria possuir condições de assumir a função ativa na detecção precoce de sintomas depressivos e ansiosos e atuar de modo transversal no processo terapêutico em todos os níveis da atenção à saúde.1,2
Entretanto, alguns estudos vêm demonstrando que, no Brasil, há ainda certa dificuldade de os profissionais de saúde das áreas não psiquiátricas ou fora da área de saúde mental realizarem diagnósticos, implementarem tratamentos ou oferecerem cuidados nas dimensões psíquica e emocional de modo adequado ao paciente e confortável ao profissional.3-6 Essa situação acaba por gerar resistência e má adaptação dos profissionais de saúde à possibilidade de implementação de cuidados abrangentes e que contemplem a multidimensionalidade do ser humano.1
Sabe-se, ainda, que a formação no nível de graduação, em sua maioria, não se mostra suficiente e abrangente, não dando condições ao enfermeiro generalista de ter conhecimento e habilidade a fim de dar a mesma valorização aos cuidados em saúde mental em relação às demais práticas assistenciais. Como consequência, os estudos vêm mostrando que a relação da equipe de enfermagem com os pacientes com transtorno mental e/ou dependência química e com aqueles em sofrimento psíquico mantém alguns traços do modelo manicomial, caracterizado pelas atitudes excludentes e estigmatizadas.1,2,5
Apesar de, nas duas últimas décadas, de modo mais intenso, o modelo brasileiro de atenção em saúde mental passar por um processo de transformação marcado pelo redirecionamento da assistência do modelo hospitalocêntrico e manicomial para o de base comunitária, há de se considerar a abertura do leque de possibilidades de espaços de cuidado de saúde mental.7
Isso significa que os serviços da atenção primária, secundária e terciária passam a ter um papel estratégico na estruturação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que é a rede de serviços de saúde que oferta cuidados centrados nas necessidades das pessoas com sofrimento ou transtorno mental ou nos transtornos decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).7
Em parte, alguns serviços da RAPS, como as unidades básicas de saúde (UBSs), as unidades de pronto atendimento (UPAs), os hospitais gerais, entre outros, não são especializados, e seus profissionais de saúde têm pouca habilidade e conhecimento para o cuidado às pessoas que necessitam de cuidados em saúde mental.7
Com o intuito de modificar esse panorama, há uma estratégia que vem ganhando força nos últimos anos: trata-se da interconsulta de enfermagem psiquiátrica e de saúde mental.
Define-se interconsulta de enfermagem psiquiátrica e de saúde mental como a consultoria dada por enfermeiros especialistas em saúde mental aos enfermeiros generalistas ou de outra especialidade em uma unidade ou serviço geral, por meio de avaliações e/ou discussão de casos, com o intuito de construir um plano de cuidados que abranja as necessidades psicossociais dos pacientes/usuários.1
O interconsultor se utiliza da capacidade de avaliação da subjetividade do paciente, das relações interpessoais e das situações que envolvem o ambiente de cuidado, indicando diagnósticos e resultados de enfermagem, a fim de sugerir cuidados que abranjam os aspectos psicossociais para comporem o plano assistencial com práticas baseadas em evidências.1,8
Em outros países, utilizam-se termos como interconsulta (em inglês, psychiatric nursing consultation) e profissional de ligação (em inglês, liaison psychiatric nursing), porém, no Brasil, houve a junção de ambos os termos, assim, a denominação mais conhecida é consultoria.1,8
O matriciamento em saúde mental é outro termo bastante conhecido na atenção primária à saúde, que também é um serviço de consultoria, geralmente realizado pelos enfermeiros especialistas que atuam nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs) ou pelos profissionais do eMulti, uma estratégia do Ministério da Saúde em substituição ao antigo Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).7
Em suma, o serviço de interconsulta de enfermagem psiquiátrica e saúde mental em hospital geral pode oferecer dois tipos básicos de consultorias:
- auxílio especializado no diagnóstico, resultados de enfermagem e plano de cuidados aos pacientes com transtorno mental ou transtornos decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, alterações emocionais, disfunção adaptativa ao internamento ou condição de saúde e problemas psicossociais;
- auxílio especializado no diagnóstico, resultados de enfermagem e estratégias de enfrentamento da equipe em disfunções e distúrbios interpessoais e institucionais, envolvendo o paciente, a família e a equipe de saúde.