- Introdução
Nas últimas décadas, o tema da primeira infância tem ocupado espaço crescente nas ciências. Aos estudos de áreas de conhecimento, como a Psicologia, a Pedagogia, a Pediatria, a História e a Sociologia, foram se juntando os da Economia, do Direito, das Neurociências, entre outros. Nesse movimento, reformularam-se os conceitos sobre a criança, o que justificou a criação de novas áreas de conhecimento, como a Sociologia da Infância.
Tais conhecimentos revelaram distinções entre os conceitos de criança e infância.1,2 O conceito de criança se refere a uma visão mais biológica, de período do ciclo de vida, com foco no amadurecimento dos sistemas e das funções, tido como natural e, portanto, universal. O conceito de infância, uma construção histórico-social, evidenciou o lugar social das crianças como sujeitos de direitos e participantes ativos na construção da sua realidade, e tais aspectos só se viabilizam dentro de contextos sociais, marcadamente diversos entre as crianças do mundo.2 Assim, compreendeu-se que a infância, de fato, não é um fenômeno único e universal; a realidade remete à coexistência de infâncias diversas.
À medida que foram sendo construídos os conhecimentos sobre as especificidades das crianças, ampliou-se a importância desse período da vida para a constituição do ser humano em todos os seus aspectos: físicos, fisiológicos, cognitivos, emocionais, sociais, culturais e funcionais. Além disso, verificou-se que muitas formas de cuidado correntemente praticado não tinham fundamentação ou eram prejudiciais às crianças. Isso incluiu situações distintas, como:
- alimentação — suas influências na saúde até o final da vida são atualmente mais conhecidas;
- estimulação — antes entendida como necessária apenas para as crianças com déficits de desenvolvimento;
- disciplina mediante força — antes entendida como necessária para moldar os impulsos e a incapacidade de autocontrole infantil.
Ao mesmo tempo, foi fortalecida a perspectiva dos direitos da criança, que a alçou ao status de cidadã, ganho fundamental para a reorientação de políticas públicas e de ações sociais a seu favor, uma conquista essencial para uma “grande virada” na atenção à criança.
Ao ser reconhecido o valor que a criança possui como sujeito de direitos, as questões éticas e o direito de participação surgem como elementos intrínsecos a qualquer aproximação da criança, além da exigência de atenção às suas especificidades de pessoa em desenvolvimento. Com base nisso, o Plano Nacional pela Primeira Infância (PNPIPlano Nacional pela Primeira Infância) ressalta que “viver a primeira infância com plenitude é um direito de toda criança cujo cumprimento depende da decisão, do compromisso político e ético, e do persistente empenho do Governo e da sociedade”.3
No Brasil, o Marco Legal da Primeira Infância4 determina as responsabilidades de todas as esferas de governo e de todos os profissionais que atuam na primeira infância relativas à proteção e à promoção dos direitos de todas as crianças, assim como o provimento de contextos seguros de desenvolvimento que favoreçam o alcance das potencialidades e do funcionamento social saudável dessa população.
Este artigo aborda conceitos e conhecimentos que visam apoiar o enfermeiro na construção de uma atuação que contemple tais responsabilidades, com proposições de cuidado que respeitam as especificidades das crianças e proveem um contexto seguro de desenvolvimento, favorecendo o alcance das potencialidades e do funcionamento social saudável, incluindo aquelas com alguma limitação ou deficiência.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- reconhecer os conceitos de primeira infância, de desenvolvimento infantil (DIdesenvolvimento infantil) e de cuidados para o desenvolvimento;
- discorrer sobre as bases legais e histórico-sociais que justificam a atenção prioritária à primeira infância;
- identificar as ações profissionais do enfermeiro para a atenção à criança no período da primeira infância;
- propor intervenções de enfermagem com foco na promoção da saúde e no desenvolvimento da criança na primeira infância.
- Esquema conceitual