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O IMPACTO DA ANÁLISE DE BIG DATA, TÉCNICAS DE MACHINE LEARNING E MEDICINA P4 NA PSIQUIATRIA

Autor: Ives Cavalcante Passos
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  • Introdução

É difícil fazer um exercício de futurologia na psiquiatria. Qual será o papel do psiquiatra daqui a 10, 30, 50 anos? Qual será a próxima fronteira do conhecimento psiquiátrico? As ciências vinculadas à saúde são menos flexíveis e mais conservadoras se comparadas com a agilidade das ciências computacionais, por exemplo. Talvez pela delicadeza do objeto de estudo, talvez pela dificuldade de renunciar às certezas. Tudo isso torna difícil a realização de uma previsão acerca de como será a psiquiatria. Entretanto, é justamente na palavra previsão que reside um campo promissor com potencial para revolucionar a maneira como a psiquiatria é exercida.

Atualmente, passa-se por uma era dominada pela medicina baseada em evidências, definida pelo médico e epidemiologista David Sackett como a “integração da melhor evidência de pesquisa com a expertise clínica e os valores dos pacientes com a finalidade de tomar decisões clínicas”.1

Com o modelo da MBE, a busca pela descoberta de mecanismos biológicos para explicar as manifestações observadas na semiologia, bem como o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais efetivas, tornou-se ainda mais instigante. Na psiquiatria, por exemplo, as últimas décadas foram marcadas por uma onda de estudos que buscavam descobrir tanto a base fisiopatológica dos transtornos mentais como biomarcadores que auxiliassem no tratamento, prognóstico e diagnóstico desses transtornos.2,3 A pesquisa de fato bateu na porta dos consultórios. Na verdade, esse modelo regeu, e ainda rege, a relação médico-paciente, seja em uma internação, seja no consultório.

Em linhas gerais, após receber um paciente, executa-se uma rodada de semiologia e exames laboratoriais; após, um diagnóstico é estabelecido, um tratamento é escolhido e um prognóstico é determinado. Muitas vezes tudo é conduzido com uma consulta ao UpToDate ou ao Pubmed. Pode, esse modelo que tanto fascina, mudar? A fim de responder a essa pergunta, dois conceitos recentemente ganharam destaque no cenário da psiquiatria: o big data e o machine learning.

O termo big data refere-se a dados extremamente grandes e complexos que podem ser analisados computacionalmente para revelar padrões, tendências e associações, especialmente em relação ao comportamento humano.4 O termo machine learning, muitas vezes utilizado como sinônimo de inteligência artificial, é uma das técnicas estatísticas utilizadas para análise de big data. Tipicamente, os algoritmos de machine learning são mais aplicados nas situações em que inúmeras variáveis devem ser consideradas simultaneamente para estimar a probabilidade de que um evento ocorra.5

Embora as técnicas avançadas de análise de dados tenham chegado à psiquiatria apenas recentemente, seu uso não é novidade e já modificou consideravelmente o dia a dia dos profissionais, sobretudo em áreas relacionadas à informática. Alguém já se questionou, por exemplo, como o Netflix consegue sugerir filmes que alguém provavelmente vai gostar? Ele faz isso identificando padrões após analisar inúmeras variáveis, dentre elas, filmes que o usuário já assistiu. Mais intrigante ainda é o fato de a polícia de Los Angeles prever quando e onde um crime irá acontecer, identificando padrões a partir de variáveis como bairro, período do ano, etnia de uma região etc.

Outros exemplos corriqueiros: alguém já parou para pensar como se fazem as previsões de chuva para o dia seguinte? Ou como o Facebook consegue nos sugerir um contato que provavelmente se conhece? Ou, ainda, como o Google consegue achar uma determinada informação? A resposta para todas essas perguntas é machine learning.6

Embora grandes estudos usando big data e machine learning já estejam em andamento na oncologia e na cardiologia,7 as ciências relacionadas ao comportamento humano, como a psiquiatria, são provavelmente as que mais vão se beneficiar de tais modelos, uma vez que não existe uma variável isolada que determine um diagnóstico psiquiátrico. Com essa técnica, serão construídas ferramentas a partir de grandes bancos de dados que poderão prever no nível individual quem cometerá suicídio, quem responderá ao tratamento, quem fará um episódio depressivo ou, ainda, quem terá uma recaída no uso de cocaína.

A partir dos dois conceitos, de big data e machine learning, Lee Hood construiu o modelo medicina P4.7 Esse novo paradigma médico relata que a medicina será:

 

  • preditiva;
  • preventiva;
  • personalizada;
  • participatória.

Provavelmente, a medicina não mais se focará apenas em fazer o diagnóstico, mas também em predizer quem terá a doença; não mais irá se priorizar apenas as estratégias terapêuticas, mas também as estratégias preventivas. Tudo isso se dará de maneira personalizada, com algoritmos capazes de estratificar individualmente o risco de desenvolver uma doença ou de responder a uma intervenção. Para a construção dos grandes bancos de dados que irão permitir o desenvolvimento dessas ferramentas, a participação da população será fundamental. Por exemplo, hoje está na moda o uso de health trackers para acessar desde o batimento cardíaco até a qualidade do sono. Além disso, já existem alguns projetos de dispositivos para avaliar marcadores no sangue periférico.

Estudos que se utilizam de técnicas de machine learning para análise big data estão ganhando força no campo da pesquisa em psiquiatria. A evolução dessas técnicas também promete introduzir os modelos preditivos na relação médico-paciente. Eles serão representados por dispositivos que irão facilitar a avaliação pelo próprio paciente da sua saúde e auxiliar o médico na decisão de um julgamento clínico.

  • Objetivos

Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de:

 

  • conhecer os recentes estudos englobando esses três conceitos: big data, machine learning e medicina P4;
  • reconhecer a importância do desenvolvimento de instrumentos que viabilizem a medicina P4.
  • Esquema conceitual
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