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O PAPEL DO EXERCÍCIO FÍSICO NA CARDIOTOXICIDADE INDUZIDA PELO TRATAMENTO ONCOLÓGICO

Autores: Suellen Cristina Roussenq, Magnus Benetti, Marina Lobe Durieux Pera
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Introdução

A cardio-oncologia tem sido reconhecida como uma emergente área de interesse nos estudos acerca do tratamento do câncer. Nesse sentido, sugere-se que ligações entre câncer e doenças cardiovasculares (DCVs) sejam monitoradas em pacientes com câncer e sobreviventes.1 Esses dois grupos de doenças são as principais causas de mortalidade no mundo e apresentam uma relação bidirecional, a qual indica que as DCVs aumentam a probabilidade de desenvolvimento de câncer e vice-versa.2 Visto isso, observa-se que os fatores de risco para câncer em adultos também são os fatores de risco para DCVs e que algumas opções de tratamento para o câncer podem levar a toxicidade cardíaca,3–5 comprometendo sua estrutura e função.

Como a cardiotoxicidade está associada à remodelação cardíaca negativa, é fundamental que a origem do dano cardíaco seja investigada minuciosamente, de modo que se possa identificar estratégias de prevenção e tratamento. D’Ascenzi e colaboradores realizaram uma revisão sobre os efeitos benéficos do exercício físico em pacientes com câncer, aplicados com o intuito de prevenir a cardiotoxicidade. Os autores encontraram que o exercício físico é uma intervenção promissora e eficaz para pacientes com câncer, quando realizado durante e após a terapia, e parece neutralizar os efeitos negativos induzidos por medicamentos no sistema cardiovascular.6

Alguns estudos científicos mostraram o papel protetor do exercício físico em relação às reações tóxicas do tratamento de pacientes oncológicos, assim como sua contribuição para a diminuição dos efeitos colaterais e alterações no ambiente de crescimento do tumor, deixando um ambiente mais hostil para sua proliferação. Tais estudos demonstram os mecanismos fisiopatológicos responsáveis pelos benefícios do exercício físico, comparando pacientes com estilo de vida ativo e sedentário.7,8

O estilo de vida sedentário associado ao tratamento do câncer constitui um ambiente propício para o crescimento do tumor, devido, principalmente, ao aumento da disfunção imunológica e inflamações, ao aumento das espécies reativas de oxigênio, dos hormônios sexuais endógenos, da insulina, da glicose e do fator de crescimento semelhante à insulina, bem como à disfunção autonômica.7,8

Por outro lado, o estilo de vida ativo promove uma série de benefícios, como7,8

 

  • mobilização de leucócitos, a qual é uma influência positiva no sistema imunológico, levando à proteção contra a progressão neoplásica;
  • aumento da proliferação e hipertrofia dos miocardiócitos, causando maior resistência à dilatação cardíaca;
  • melhora da contração cardíaca, prevenindo a sobrecarga de cálcio intracelular, otimizando a liberação e captação no retículo sarcoplasmático;
  • aumento da expressão de enzimas antioxidantes, levando à proteção contra radicais de oxigênio e contra a desnaturação de proteínas intracelulares, aceleração do reparo celular e inibição da apoptose celular induzida por medicações;
  • aumento do funcionamento das vias metabólicas, causando incremento da expressão do fator de crescimento endotelial vascular, proteção contra isquemia e limitação das reações às medicações do tratamento, com consequente limitação para o crescimento do tumor.

Nessa perspectiva, os estudos de Jones e colaboradores9 e Antunes e colaboradores10 demonstraram que um programa de exercício físico traz melhorias para a aptidão cardiorrespiratória e as funções sistêmicas, com benefícios em termos de sintomas, qualidade de vida (QV), mortalidade e recidivas de câncer. Especificamente para a função cardiopulmonar, foi observado um menor risco de DCVs, diminuição da disfunção pulmonar e aumento do consumo de oxigênio de pico (VO2pico).

As evidências publicadas também são positivas quanto aos efeitos do exercício físico para força, flexibilidade muscular, aptidão cardiopulmonar, QV e sono durante as fases de terapia anticâncer e de manutenção (acompanhamento) do tratamento — realizada para erradicação do câncer, e entre os sobreviventes expostos a agentes cardiotóxicos.11,12 Em relação à fadiga e à função física, igualmente houve benefícios com o efeito de treinamento.11

Para realizar um programa de exercício físico adequado, é indicado que a sua prescrição seja individualizada, adaptada às características individuais dos pacientes, observando os medicamentos administrados, a história pessoal e a sua resposta ao exercício. Também é orientado que uma avaliação cardiológica deva ser realizada nessa população antes da realização de um protocolo de exercício, incluindo teste de esforço e ecocardiograma.6

Nesse contexto, recomenda-se que a prescrição e o acompanhamento do treinamento físico sejam feitos por uma equipe multidisciplinar, incluindo oncologistas, cardiologistas, fisioterapeutas, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos, como apresentado nos documentos publicados pela American Heart Association (endossado pela American Cancer Society), pelo American College of Cardiology e por D’Ascenzi e colaboradores.3,5,6 Contudo, infelizmente, na prática clínica, percebe-se que essas recomendações ainda não têm sido adequadamente aplicadas.

Nesse sentido, os programas de reabilitação cardiovascular podem ser uma alternativa para pacientes com câncer, representando uma estratégia terapêutica válida, destinada a melhorar a sobrevida e a QV em pacientes com malignidade.2

Assim, este capítulo visa apresentar o conceito de câncer, sua epidemiologia e efeitos colaterais do seu tratamento, bem como a relação entre câncer e doença cardiovascular, os seus tratamentos e as suas avaliações e, por fim, o papel do exercício na cardiotoxicidade induzida pelo tratamento oncológico.

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • descrever o conceito de câncer e sua epidemiologia;
  • identificar quais são os efeitos colaterais do câncer e seus tratamentos;
  • caracterizar a DCV associada ao câncer;
  • explicar o que é cardiotoxicidade e seus fatores predisponentes e de modificação;
  • discutir sobre os processos de avaliação e tratamento da cardiotoxicidade, incluindo o exercício físico;
  • reproduzir os princípios da reabilitação cardio-oncológica, com foco no exercício físico.

Esquema conceitual

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