Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- conceituar a noção de preparo metabólico do paciente cirúrgico relacionando com a resposta orgânica ao trauma associada à gravidade da doença com alterações importantes do metabolismo no pós-operatório que podem causar o aumento da morbidade e mortalidade;
- apresentar as diversas formas de avaliação do estado nutricional e a aplicabilidade no manejo do paciente cirúrgico;
- analisar e discutir as principais indicações de terapia nutricional tanto no período pré como no pós-operatório;
- conceituar os protocolos de cuidados perioperatórios, destacando os principais procedimentos, relacionando sua implantação com a redução de complicações pós-operatórias e de custos hospitalares.
Esquema conceitual
Introdução
O paciente a ser submetido a um procedimento cirúrgico passará por processo de alteração de homeostase em decorrência da resposta orgânica inflamatória ao trauma. A ativação do eixo imune-hipotalâmico-hipófise-adrenal e do sistema nervoso simpático, mediada por nervos aferentes e citocinas, geradas a partir do local da lesão, marca o início da resposta ao estresse.
Essas alterações do período pós-operatório poderão levar a desfecho favorável, com retorno das funções básicas dos órgãos e sistemas, ou a desfecho desfavorável, com complicações pós-operatórias, maior tempo de internação e até mesmo o óbito.
A resposta ao estresse contínua ou exagerada, no entanto, tem consequências clínicas adversas, incluindo
- hiperglicemia;
- catabolismo;
- hipertensão;
- taquicardia;
- imunossupressão.
As terapias clínicas devem, portanto, ter como objetivo atenuar o catabolismo, preservando os processos de resposta ao estresse cirúrgico que promovem recuperação e imunoproteção.
A desnutrição é resultado de uma alimentação inadequada e/ou alterações metabólicas e inflamatórias que causam perda de peso, suprimem funções imunológicas fundamentais, e, por fim, acarretam piora da condição física do paciente. A recuperação pós-operatória requer reserva fisiológica suficiente para suportar as alterações induzidas pelo estresse cirúrgico. Infelizmente, a prevalência de risco nutricional antes de cirurgias abdominais chega a 47%.1 Aliada a isso, a desnutrição suprime a distribuição de células T e o tempo de ativação de linfócitos.2
As alterações relacionadas com o trauma cirúrgico são diretamente proporcionais ao porte da cirurgia, ao diagnóstico de base, às comorbidades e às condições nutricionais e metabólicas do paciente. A Sociedade Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (em inglês, European Society for Clinical Nutrition and Metabolism [ESPEN]) cita a desnutrição como um fator independente de risco para incidência de complicações infecciosas, mortalidade, maior tempo de internação e maiores custos para pacientes cirúrgicos hospitalizados.3
Além disso, resultados de um recente estudo observacional prospectivo demonstraram que pacientes desnutridos, ou com risco de desnutrição, têm duas vezes mais chances de serem readmitidos em 30 dias após cirurgia colorretal eletiva.4 Kassin e colaboradores demonstraram que as três causas mais comuns para readmissão hospitalar nesse período, após cirurgia geral, são complicações gastrintestinais, infecções cirúrgicas e desnutrição.5
A desnutrição tem efeito deletério não apenas no curso pós-operatório, mas também pode complicar ou até limitar a administração ou comprometer a eficácia de outros tratamentos, como quimioterapia ou radioterapia, no período perioperatório. Além disso, quando esses outros tratamentos são administrados no pré ou no pós-operatório, também podem piorar a desnutrição preexistente.
Uma vez que o diagnóstico e o porte cirúrgico não podem ser modificados, devem existir estratégias para identificar e modular os estados metabólico, nutricional e funcional para diminuir as taxas de complicações pós-operatórias, o tempo de internação e os números de óbito.