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Reabilitação nas lesões claviculares e escapulares

Autores: Felipe de Souza Serenza, Marcela Camargo Tozzo, Carolina Matiello Souza, Letícia Jonas de Freitas, Giovanna Dutra Scaglione, Anamaria Siriani de Oliveira
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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • descrever os conceitos básicos da avaliação e do tratamento fisioterapêutico aplicados em pacientes com lesões traumáticas dos membros superiores (MMSS) — clavícula e escápula;
  • identificar as principais complicações e o prognóstico terapêutico em pacientes com lesões traumáticas dos MMSS (clavícula e escápula).

Esquema conceitual

Introdução

Este não é um capítulo fácil de ser redigido com base em evidências científicas, uma vez que fraturas da clavícula e escápula são pouco frequentes em comparação com outros traumas do membro superior (MS), como fraturas de falanges (40%), de extremidade distal do rádio (20%), de metacarpos (10%), de carpos (7%) e de terço proximal do úmero (6%). A menor incidência de casos dificulta a obtenção de amostras de tamanho significativo para os mais variados tipos de estudo científico de interesse clínico.1-4

Embora seja difícil estimar a proporção de publicações científicas dedicadas às fraturas de escápula e clavícula em comparação com outras fraturas do corpo humano, é possível constatar que elas são relativamente mais estudadas sob a perspectiva das intervenções médicas, havendo poucas pesquisas de boa qualidade que possam impactar de forma significativa a prática clínica do fisioterapeuta.1–4

A clavícula é considerada um osso longo e superficial que se articula com o esterno e com a escápula, formando a cintura escapular. As fraturas da clavícula representam cerca de 5% de todas as lesões ósseas em adultos, enquanto as luxações da clavícula são menos comuns, correspondendo a 2,6% dessas lesões.3–25

A luxação acromioclavicular (LAC), por exemplo, ocorre quando há perda de congruência entre as extremidades articulares na região da articulação AC e pode ser classificada em diferentes graus de acordo com a gravidade, podendo afetar a função do ombro e do MS. Fraturas da clavícula são lesões traumáticas, causadas, geralmente, por impacto direto ou quedas, que ocorrem com maior frequência em homens jovens, entre 20 e 40 anos de idade.3–25

Embora raras, complicações como lesões dos grandes vasos sanguíneos podem ocorrer em casos de fraturas ou luxações graves. O tratamento da fratura da clavícula, comumente, envolve imobilização com uma tala ou gesso e fisioterapia, com altas taxas de sucesso terapêutico. Já o tratamento da luxação da clavícula pode variar de acordo com a gravidade da lesão, podendo incluir imobilização, fisioterapia ou cirurgia, especialmente em casos em que há danos em ligamentos ou em nervos adjacentes.15

A escápula, por sua vez, é um osso plano e triangular que se localiza na parte posterior da cintura escapular. As fraturas de escápula representam cerca de 1 a 2% de todas as fraturas ósseas em adultos e, quando envolvem a glenoide ou mesmo a clavícula, têm, proporcionalmente, mais impacto funcional para os pacientes.3

Alguns estudos mostram que fraturas de escápula são mais comuns em homens que em mulheres, com a incidência aumentando com a idade e, em geral, associadas a traumas diretos na região da escápula, como em acidentes automobilísticos, quedas e traumas esportivos. Em casos leves, o paciente pode recuperar a função normal do ombro e do MS após um período de imobilização e fisioterapia. No entanto, em casos graves, tratamento cirúrgico e um período de reabilitação mais prolongado podem ser necessários para recuperar a funcionalidade.26-28

A avaliação da gravidade da fratura da escápula inclui análise do número e da magnitude do deslocamento dos fragmentos ósseos, se é uma fratura exposta, associada a lesões de tecidos moles internos ou se afeta a glenoide. Nesse último caso, pode haver prejuízo na estabilidade e na função da articulação glenoumeral (AGU). Outras complicações menos comuns após fratura da escápula incluem infecções, hemorragias, lesões vasculares e problemas respiratórios, especialmente nos casos em que os fragmentos ósseos afetam costelas e pulmões.26-28

As fraturas da escápula e a fratura ou luxação da clavícula podem estar associadas a lesões nervosas decorrentes de compressão, estiramento ou ruptura dos nervos periféricos que atravessam a região. Os nervos mais frequentemente afetados são o axilar, que inerva o músculo deltoide e a pele da região lateral do ombro, e o supraescapular, que inerva os músculos supraespinhal e infraespinhal. Lesões no nervo radial, que inerva a região posterior do braço e da mão, também podem ocorrer em algumas fraturas da clavícula e escápula.

Os sintomas de uma lesão nervosa podem variar dependendo do nervo afetado e da gravidade da lesão. Em geral, incluem dor, fraqueza muscular, dormência, formigamento ou perda de sensibilidade na área inervada pelo nervo ou ramo afetado. O tratamento dessas lesões, normalmente, envolve, além da fisioterapia, medicações prescritas por um médico e, em alguns casos, cirurgia.

A dor complexa regional é uma complicação rara, mas possível, em fraturas de escápula e clavícula. Acredita-se que essa condição ocorra em razão do mau funcionamento do sistema nervoso simpático, resultando em dor crônica e outros sintomas vasomotores, como edema, variações de temperatura e coloração locais. No entanto, a frequência exata de pacientes com fratura de escápula e clavícula que desenvolvem dor complexa regional não é bem estabelecida na literatura.

Algumas pesquisas indicam que a dor complexa regional pode ocorrer em menos de 5% dos casos de fraturas da clavícula, mas esses dados são limitados e ainda carecem de confirmação ou revisão sistemática da literatura.

No contexto da atenção à saúde de pacientes politraumatizados, como ocorre em traumas de grande impacto ou quedas, a prioridade pode ser outra que não abordar lesões relacionadas ao sistema musculoesquelético, o que implica atendimento fisioterapêutico tardio e risco de pior prognóstico para o tratamento específico dessas lesões. Por outro lado, nos pacientes com traumas relativamente menos complexos, o tratamento fisioterapêutico após os períodos iniciais de imobilização é, em geral, parte essencial para o restabelecimento da função dos MMSS.

Duas deficiências estruturais fáceis de serem detectadas na avaliação de pacientes com traumas de escápula e clavícula são fraqueza neuromuscular por atrofia e desuso e redução da amplitude de movimento (ADM) do complexo do ombro após a imobilização. A necessidade de imobilização por, no mínimo, 3 a 4 semanas implicará redução da capacidade de gerar torque ativo decorrente das alterações funcionais e estruturais típicas da atrofia por desuso no músculo esquelético. Dependendo da gravidade do trauma e da presença de dor, uma inibição neuromuscular e mudanças biomecânicas podem levar a desvantagens para os músculos, como pode acontecer nas fraturas graves da escápula.

A diminuição da ADM ocorre naturalmente, em consequência da imobilização prolongada do braço para permitir a consolidação da fratura ou reparo dos tecidos capsulares e ligamentares. No entanto, em alguns pacientes, especialmente nos traumas mais graves, instala-se um quadro de rigidez pós-traumática, que tem perspectiva de melhora ou de redução menos significativa e, portanto, com maior impacto para o paciente.

A rigidez pós-traumática que causa restrição de movimento do complexo do ombro é a deficiência mais desafiadora para fisioterapeutas nos pacientes com esses três traumas. Isso ocorre porque mesmo pequenas reduções de mobilidade da escápula e da clavícula podem causar restrição para o funcionamento do complexo do ombro e, consequentemente, o uso do braço.

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