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URTICÁRIA NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA: ASPECTOS ATUAIS

Autores: Luis Felipe Ensina, Herberto José Chong Neto
epub-BR-PROPED-C10V3_Artigo3

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • diagnosticar e classificar as urticárias;
  • realizar a avaliação laboratorial criteriosa das urticárias;
  • tratar as urticárias de acordo com a diretriz internacional.

Esquema conceitual

Introdução

A urticária é uma condição caracterizada pelo desenvolvimento de urticas (urticária), angioedema ou ambos. A urticária deve ser diferenciada de outras condições médicas nas quais podem ocorrer lesões urticariformes, angioedema ou ambos, por exemplo, anafilaxia, síndromes autoinflamatórias, vasculite urticariforme ou angioedema mediado por bradicinina, incluindo angioedema hereditário (AEH).1

A urtica em pacientes com urticária tem três características típicas, como um inchaço central de tamanho variável, quase invariavelmente circundado por eritema reflexo, sensação de coceira ou às vezes de queimação, natureza fugaz, com a pele retornando ao seu aspecto normal, em geral, dentro de 30 minutos a 24 horas.

O angioedema em pacientes com urticária é caracterizado por um edema eritematoso ou da cor da pele, súbito e pronunciado da derme inferior e subcutâneo ou membranas mucosas, às vezes, dor, em vez de coceira. A resolução é mais lenta do que a das urticas (pode demorar até 72 horas).

A urticária é classificada em urticária aguda, urticária crônica espontânea (UCE) e urticária crônica induzida.1

A urticária aguda é definida como a ocorrência de urticas espontâneas, angioedema ou ambos por menos de 6 semanas. A urticária crônica (UC) é definida como a ocorrência de urticas, angioedema ou ambos por mais de 6 semanas e é classificada como espontânea (nenhum fator de desencadeamento específico envolvido) ou induzida (fator de desencadeamento específico envolvido).1

As urticárias induzidas são o dermografismo sintomático, a urticária ao frio, de pressão tardia, solar, ao calor, colinérgica, de contato e aquagênica e o angioedema vibratório.1

1

Paciente do sexo masculino, 13 anos de idade, natural e procedente de Curitiba, estudante, iniciou com urticas em face, tronco e membros há 2 meses sem fatores desencadeantes. Em consulta com o pediatra no início do quadro, foi prescrita hidroxizina 25mg, de/ 12/12 horas, via oral, por 3 semanas. Foi solicitada após o tratamento a dosagem de IgE total e específica para leite, ovo, trigo, soja, amendoim, nozes e camarão. Os resultados foram os seguintes:

 

  • IgE total 325kU/L;
  • IgE leite <0,1kU/L;
  • IgE ovo <0,1kU/L;
  • IgE trigo <0,1kU/L;
  • IgE soja <0,1kU/L;
  • IgE amendoim <0,1kU/L;
  • IgE nozes <0,1kU/L;
  • IgE camarão <0,1kU/L.

Durante o uso da hidroxizina, houve melhora das urticas, mas o paciente apresentou sonolência e diminuição da diurese, que melhorou após cessar o tratamento.

Ao exame físico, a pele e o TCSC com urticas em face, tronco e membros. Edema de lábio inferior e pálpebras à esquerda. Realizado teste de controle da urticária (UCT) = 3. Hipótese diagnóstica: UCE.

A conduta adotada foi a seguinte:

 

  • prescrição de levocetirizina 5mg/dia, uso contínuo;
  • solicitação de hemograma completo, D-dímero, VHS e dosagem de IgE total;
  • retorno em 4 semanas.

No retorno após 4 semanas, o paciente persiste com urticas em face, tronco e membros, pruriginosas, com dificuldade para dormir. Observaram-se:

 

  • UCT: 4;
  • escore de atividade de urticária em 7 dias (UAS-7): 22;
  • hemograma:
    • leucócitos: 5.200/µL;
    • eosinófilos: 120/µL;
    • neutrófilos: 2.500/µL;
    • linfócitos: 1.700/µL;
    • plaquetas; 350.000/µL;
  • D-dímero: 150ng/mL;
  • VHS: 2mm;
  • IgE total: 150UI/mL.

A conduta neste momento foi aumentar a dose de levocetirizina para 5mg, de 12/12 horas, uso contínuo. Foi solicitado retorno em 4 semanas para reavaliação.

No retorno após 4 semanas, o paciente persiste com urticas em tronco e membros, pruriginosas, que interferem nas atividades diárias. Observaram-se:

 

  • UCT: 6;
  • UAS-7: 20.

A conduta então foi aumentar a dose de levocetirizina para 10mg, de 12/12 horas, uso contínuo. Foi solicitado retorno em 4 semanas para reavaliação.

No próximo retorno após 4 semanas, o paciente persiste com urticas em tronco e membros, pruriginosas, que interferem nas atividades diárias. Observaram-se:

 

  • UCT: 8;
  • UAS-7: 16.

A conduta então foi associar ciclosporina 5mg/kg/dia, uso contínuo. Foi solicitado retorno em periódico para reavaliação.

Após 6 meses de tratamento, o paciente persiste com urticas em tronco e membros, pruriginosas, que interferem nas atividades escolares. Observaram-se:

 

  • PA: 140x90mmHg;
  • UCT: 8;
  • UAS-7: 18.

A conduta foi substituir a ciclosporina por omalizumabe 300mg, a cada 4 semanas. Retorno em 4 semanas.

Após 4 semanas de tratamento, o paciente relata melhora da urticária, sem lesões pruriginosas. Tem exercido as atividades diárias sem interferência e sono sem alterações. Observaram-se:

 

  • UCT: 15;
  • UAS-7: 2.

A conduta foi manter omalizumabe 300mg a cada 4 semanas.

Terapêutica do caso 1

Objetivos do tratamento no caso 1

Os objetivos do tratamento são controlar a urticária até que ela entre em remissão e adotar medidas, que incluem:

 

  • identificação e eliminação de causas subjacentes;
  • afastamento dos possíveis desencadeantes (se houver);
  • indução de tolerância;
  • uso de fármacos para prevenir a ativação e/ou a liberação de mediadores pelos mastócitos.

Condutas no caso 1

As condutas foram as seguintes:

 

  • diagnóstico clínico e laboratorial correto da urticária;
  • avaliação laboratorial de biomarcadores de resposta ao tratamento;
  • manejo adequado da urticária sempre com anti-histamínicos de segunda geração inicialmente;
  • manejo adequado da urticária com omalizumabe em caso de não resposta aos anti-histamínicos;
  • manejo adequado da urticária com ciclosporina em caso de não resposta ao omalizumabe.

Acertos e erros no caso 1

No atendimento inicial do quadro realizado pelo pediatra, foi prescrito anti-histamínico de primeira geração, classe não recomendada para o tratamento das urticárias. No atendimento inicial do quadro realizado pelo pediatra, foi solicitada dosagem de IgEs específicas para alimentos. Esses exames estão indicados eventualmente na urticária aguda, quando há história de exposição a determinados alimentos, que não foi o caso.

A maioria das urticárias agudas em pediatria é provocada por agentes infecciosos, especialmente vírus.

Na consulta seguinte, o médico fez o diagnóstico de UCE, pois a doença tem duração superior a 6 semanas e não há causa física aparente para urticárias induzidas, o que está correto. Além disso, foi feito o uso adequado de ferramentas que permitem avaliar a atividade (UAS7) e controle (UCT) da urticária, ambas validadas para a faixa etária pediátrica.

Foram investigados biomarcadores de resposta ao tratamento de maneira adequada. Foram prescritos anti-histamínicos de segunda geração em dose habitual e quadruplicada de maneira acertada. Foi acrescentada ciclosporina com a dose quadruplicada de anti-histamínico, porém a recomendação das diretrizes é associar omalizumabe a cada 4 semanas, anterior ao uso de ciclosporina.

Evolução do paciente do caso 1

O paciente não apresentou resposta ao uso de anti-histamínico de segunda geração em dose quadruplicada e nem tão pouco associado à ciclosporina. No entanto, quando foi substituída ciclosporina por omalizumabe, houve controle da doença com redução da atividade após 4 semanas de tratamento.

ATIVIDADES

1. “A UC é definida como a ocorrência de urticas espontâneas, angioedema ou ambos por mais de 6 semanas e é classificada como ___________ (nenhum fator de desencadeamento específico envolvido) ou __________ (fator de desencadeamento específico envolvido).” Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas.

A) aguda — crônica.

B) colinérgica — aquagênica.

C) pruriginosa — não pruriginosa.

D) espontânea — induzida.

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "D".


A UC é definida como a ocorrência de urticas, angioedema ou ambos por mais de 6 semanas e é classificada como espontânea (nenhum fator de desencadeamento específico envolvido) ou induzida (fator de desencadeamento específico envolvido).

Resposta correta.


A UC é definida como a ocorrência de urticas, angioedema ou ambos por mais de 6 semanas e é classificada como espontânea (nenhum fator de desencadeamento específico envolvido) ou induzida (fator de desencadeamento específico envolvido).

A alternativa correta e a "D".


A UC é definida como a ocorrência de urticas, angioedema ou ambos por mais de 6 semanas e é classificada como espontânea (nenhum fator de desencadeamento específico envolvido) ou induzida (fator de desencadeamento específico envolvido).

2. Em relação às características da urticária, assinale V (verdadeiro) ou F (falso) nas afirmativas a seguir.

A resolução do angioedema é mais rápida do que a das urticas (pode durar apenas 24 horas).

A UCE é definida como a ocorrência de urticas espontâneas, angioedema ou ambos por menos de 6 semanas.

A urticária deve ser diferenciada de outras condições médicas nas quais podem ocorrer lesões urticariformes, angioedema ou ambos.

As urticárias induzidas são o dermografismo sintomático, a urticária ao frio, de pressão tardia, solar, ao calor, colinérgica, de contato e aquagênica e o angioedema vibratório.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) V — F — V — F

B) F — V — F — V

C) F — F — V — V

D) V — V — F — F

Confira aqui a resposta

Resposta incorreta. A alternativa correta e a "C".


A resolução do angioedema é mais lenta do que a das urticas (pode demorar até 72 horas). A urticária aguda espontânea é definida como a ocorrência de urticas, angioedema ou ambos por menos de 6 semanas.

Resposta correta.


A resolução do angioedema é mais lenta do que a das urticas (pode demorar até 72 horas). A urticária aguda espontânea é definida como a ocorrência de urticas, angioedema ou ambos por menos de 6 semanas.

A alternativa correta e a "C".


A resolução do angioedema é mais lenta do que a das urticas (pode demorar até 72 horas). A urticária aguda espontânea é definida como a ocorrência de urticas, angioedema ou ambos por menos de 6 semanas.

2

Criança, 2 anos de idade, iniciou a 1 dia com urticas em face, tronco e membros, pruriginosas. Há 2 dias, iniciou com coriza e febre. Frequenta a creche. Sem história de alergias.

Ao exame físico:

 

  • FC: 120bpm;
  • FR: 18ipm;
  • T: 38,3ºC;
  • PA: 85x55mmHg (50º percentil);
  • SatO2: 98%;
  • C/P: normal;
  • PC: BCRNF S/S;
  • CPP: livres e sem RA;
  • abdome: plano, RHA+, flácido e sem VCM;
  • pele e TCSC: urticas em face, tronco e membros.

A hipótese diagnóstica foi de urticária aguda.

Foram prescritos:

 

  • prednisolona 1mg/kg/dose via oral;
  • adrenalina 1:1.000 0,01mg/kg subcutâneo;
  • prometazina 25mg intramuscular;
  • paracetamol 10mg/kg.

Após 1 hora, a criança apresentou melhora da urticária, persistindo poucas urticas.

Ao exame físico, a criança estava (com):

 

  • sonolenta e em bom estado geral;
  • FC: 90bpm;
  • FR: 16ipm;
  • T: 36,3ºC;
  • PA: 80x50mmHg (50º percentil);
  • SatO2: 97%.

A conduta adotada foi prescrever dexclorfeniramina 0,15mg/kg, via oral, de 12/12 horas, por 21 dias. Foi solicitada dosagem de IgE específica para leite, ovo, trigo, soja, nozes, camarão, amendoim, castanha e peixe. Por fim, a criança foi encaminhada ao especialista.

Terapêutica do caso 2

Evolução da paciente do caso 2

Após 4 semanas, em consulta com o especialista, a paciente apresenta-se sem queixas e com exame físico normal. Os resultados foram os seguintes:

 

  • IgE leite <0,1kU/L;
  • IgE ovo <0,1kU/L;
  • IgE trigo <0,1kU/L;
  • IgE soja <0,1kU/L;
  • IgE nozes <0,1kU/L;
  • IgE camarão <0,1kU/L;
  • IgE amendoim <0,1kU/L;
  • IgE castanha <0,1kU/L;
  • IgE peixe <0,1kU/L.

Conduta: alta médica.

Acertos e erros no caso 2

Diagnóstico incorreto de anafilaxia. A paciente apresentou apenas urticas, sem manifestação de outros sistemas, como cardiovascular, respiratório e gastrintestinal. O diagnóstico correto é de urticária aguda de origem infecciosa, provavelmente viral, pela presença de coriza e febre.

Prescritos, de maneira equivocada, adrenalina, corticoterapia sistêmica e anti-histamínico de primeira geração intramuscular. Ainda que o caso fosse de anafilaxia, em um primeiro momento, deveria ser aplicada adrenalina intramuscular e não subcutânea.

Os anti-histamínicos de primeira geração intramuscular devem ser evitados em caso de urticária pelo risco de eventos adversos graves, como aumento do intervalo QT e arritmia. No caso clínico 2, a criança apresentou sonolência, que poderia mascarar uma possível reação anafilática pelo rebaixamento do nível de consciência.

Na alta, o médico prescreveu novamente anti-histamínico de primeira geração, não mais recomendado no tratamento da urticária, além de solicitar dosagem de IgE específica a diversos alimentos, pois não havia histórico de alergia alimentar. Ressalta-se que, na maioria dos casos de urticária aguda na criança, a etiologia mais provável é a infecciosa, em especial, a viral.

Na consulta com o especialista, confirmou-se que a paciente não é alérgica e que o caráter benigno da urticária aguda é de origem infecciosa, com resolução completa e demonstrando que não havia necessidade de solicitar os exames.

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