Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- identificar as principais características anatômicas e biomecânicas do tornozelo e do pé e seu impacto no exame e na intervenção;
- utilizar achados clínicos pertinentes para chegar a um diagnóstico diferencial e ao prognóstico;
- demonstrar sólida tomada de decisão clínica na avaliação;
- identificar e elencar os principais procedimentos usados na fisioterapia traumato-ortopédica, com base em evidências, para cada contexto clínico;
- discutir questões relacionadas ao desempenho seguro nas intervenções para tornozelo e pé;
- demonstrar competência básica no desempenho de um conjunto de habilidades essenciais de técnicas de mobilização articular para o tornozelo e o pé.
Esquema conceitual
Introdução
As lesões ligamentares do tornozelo constituem as patologias traumáticas mais frequentes na prática de esportes e da população em geral. Muitas vezes, essas lesões são menosprezadas pelos médicos e pacientes, podendo causar sintomas residuais e até sequelas permanentes. Por outro lado, cerca de 80–90% de todas as lesões do tornozelo, quando adequadamente tratadas, evoluem com resultados satisfatórios.1,2
Ao avaliar a epidemiologia dessas lesões, nota-se que as entorses de tornozelo têm maior incidência em mulheres do que em homens (2:1 aproximadamente) e são significativamente mais frequentes em crianças e adolescentes em comparação aos adultos.1,2
Além disso, sabe-se que o grupo de ligamentos mais frequentemente lesionado é o complexo ligamentar lateral (85% dos casos), e o ligamento talofibular anterior é o mais frequentemente acometido, seguido pela segunda lesão mais frequente, a lesão do ligamento talofibular posterior, juntamente com ligamento fibulocalcâneo.1,2
Com menos frequência, em 10% dos casos ocorrem lesões associadas à lesão ligamentar da sindesmose tibiofibular, provocada pelo mecanismo de torção interna da tíbia com eversão e dorsiflexão do pé. Já os ligamentos mediais, compostos principalmente pelos ligamentos que formam o ligamento deltoide, são afetados apenas em 5% das lesões, que têm como mecanismo básico a eversão do pé.1,2
Entre as lesões musculoesqueléticas, a articulação do tornozelo é a segunda parte do corpo mais comumente lesionada nos esportes, sendo responsável por cerca de um quarto de todas as lesões esportivas, ficando atrás somente da articulação do joelho. Entre todas as lesões do tornozelo, 80% estão relacionadas às entorses.3
A entorse lateral do tornozelo é mais frequente, sendo o trauma em inversão, que envolve extremos de inversão do retropé e rotação externa da tíbia, o principal mecanismo de lesão, responsável por 70–85% das lesões de tornozelo. Ele envolve o complexo ligamentar lateral e pode ser doloroso e debilitante por várias semanas.3
Um número expressivo de pacientes, cerca de 33%, queixa-se de dor, inchaço e rigidez após 12 meses da lesão. Após cinco anos, quase 20% dos pacientes relatam que as queixas são persistentes. Além das queixas persistentes, um risco aumentado de entorse recorrente está especialmente presente no primeiro ano após a entorse inicial. Estudos com acompanhamento de longo prazo (5–7 anos) mostraram que, após uma entorse inicial, até 20% dos pacientes relataram lesões recorrentes.4
Acredita-se que até 74% dos indivíduos com entorse inicial de tornozelo terão uma lesão subsequente de entorse de tornozelo ou sintomas residuais, como dor, fraqueza e episódios de falseio. Esses sintomas crônicos são comumente designados como instabilidade crônica do tornozelo e estão associados a níveis reduzidos de atividade física. A incidência de osteoartrite pós-traumática resultante de instabilidade desse tipo pode chegar a 78%.5
As entorses de tornozelo agudas representam entre 3% e 10% de todos os atendimentos do departamento de emergência no Reino Unido. Além do impacto físico para o indivíduo, há o impacto financeiro. Mesmo em um país pequeno como a Holanda (cerca de 17 milhões de habitantes), os custos médicos anuais com entorses de tornozelo entre atletas atendidos no pronto-socorro em 2017 foram de quase € 6 milhões.6
Estima-se que as lesões relacionadas ao esporte, globalmente, gerem um ônus financeiro de US$ 1 bilhão por ano em despesas médicas, licenças médicas e custos administrativos. A reabilitação e a prevenção dessas lesões musculoesqueléticas constituem uma parte significativa da carga de trabalho da fisioterapia, e os custos sociais e econômicos são consideráveis, uma vez que muitos dos indivíduos afetados estão em idade produtiva.7