Introdução
A doença renal crônica (DRCdoença renal crônica) é considerada um problema de saúde pública mundial, a qual tem evolução lenta e assintomática, levando à perda progressiva e irreversível da estrutura e da função renal, impossibilitando a manutenção do equilíbrio metabólico e eletrolítico do organismo.1
Em função de a DRCdoença renal crônica ser assintomática nos primeiros estágios, é importante atentar-se para os principais fatores de risco associados, que incluem pessoas com cardiopatias, diabetes melito (DMdiabetes melito), hipertensão arterial sistêmica (HAShipertensão arterial sistêmica) e história familiar de DRCdoença renal crônica. Além disso, a obesidade, a dislipidemia e o tabagismo aceleram a sua progressão, até que seja necessário o uso de alguma forma de Terapia Renal Substitutiva (TRSTerapia Renal Substitutiva).2
Como na DRCdoença renal crônica ocorre a perda continuada da função renal, processo patológico conhecido como progressão, ela pode levar muitos desses pacientes para a doença renal crônica terminal (DRCTdoença renal crônica terminal).3 As TRSTerapia Renal Substitutiva utilizadas na DRCTdoença renal crônica terminal incluem as terapias dialíticas, como a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal. A Hemodiálise é a forma de tratamento da DRCdoença renal crônica mais utilizada no Brasil. Caracteriza-se em filtrar o sangue rico em toxinas por meio de uma máquina e um dialisador para remoção de líquidos e impurezas. Para tal procedimento, necessita de uma confecção de fístula arteriovenosa que pode ser feita com as próprias veias do indivíduo ou com materiais sintéticos, ou pode ser ainda por meio de um cateter de acesso venoso central, sendo essa opção geralmente temporária. A duração da sessão de hemodiálise é três a quatro horas, três vezes por semana, em um serviço de terapia renal substitutiva (TRSTerapia Renal Substitutiva). Esse rim é transplantado na pessoa com DRCdoença renal crônica.
A Diálise Peritoneal consiste na inserção de um cateter (tubo flexível biocompatível que não causa dor e permanece por período indeterminado) no abdome, próximo à cicatriz umbilical. As formas de diálise peritoneal consistem em Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua (DPAC), a pessoa realiza em casa, geralmente necessita quatro trocas ao dia, cada troca de bolsa leva em torno de 30 minutos; A Diálise Peritoneal Automatizada (DPA), a pessoa realiza todos as noites, em casa, com uma máquina ciclador que infunde e drena o líquidos; e a Diálise Peritoneal intermitente (DPI), essa forma de tratamento a pessoa desloca-se à um Serviço de Hemodiálise duas vezes por semana, para realizar o procedimento de Diálise. O transplante renal consiste na retirada de um rim funcionante de um doador compatível, saudável ou de um doador falecido.
A proporção de pessoas que necessitam ou vão necessitar de TRSTerapia Renal Substitutiva vem aumentando, atingindo cerca de 10% da população mundial, sendo elas de todas as idades e etnias.3 A incidência e a prevalência da DRCdoença renal crônica no Brasil, em 2000, cresceram de forma acelerada. Estimou-se que 42.695 pacientes estavam em TRSTerapia Renal Substitutiva e, em julho de 2012, a marca alcançou 97.586 pacientes, um crescimento de aproximadamente 2,3 vezes em 12 anos, correspondendo a 503 pacientes por milhão da população (pmp).2 Em 2016, essa prevalência aumentou para 596pmp, variando, por região, entre 344pmp na região Norte a 700pmp na região Sudeste em tratamento hemodialítico.4
A terapia dialítica mais empregada ao longo dos anos foi a hemodiálise, atingindo, em 2015, 92,8% do tratamento em pessoas que necessitaram de TRSTerapia Renal Substitutiva, as quais eram adultos entre 20 e 65 anos de idade (64,9%) e do sexo masculino (58%).5
Em função de a DRCdoença renal crônica ser uma das principais doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) que causa a morte, afeta muitos adultos, principalmente homens, e identificá-la pelos fatores de risco associados nos estágios iniciais é de suma importância,6 de modo a oportunizar a otimização do cuidado, impedindo ou retardando a evolução da doença e proporcionando melhorias para a qualidade de vida (QVqualidade de vida), além da redução da morbidade e mortalidade.7
Melhorar a QVqualidade de vida em pacientes com DRCdoença renal crônica permite impactar positivamente no seu bem-estar e na sua sobrevivência.8,9 Em vista disso, vem crescendo um movimento dentro das ciências humanas e biológicas no sentido de valorizar parâmetros mais amplos no controle de sintomas, na diminuição da mortalidade e no aumento da expectativa de vida das pessoas com DRCdoença renal crônica.10 O sintoma de maior impacto na perda da QVqualidade de vida em pacientes com DRCdoença renal crônica, independentemente da TRSTerapia Renal Substitutiva a qual eles sejam submetidos, é a fadiga,11 que está significativamente associada a fatores demográficos e clínicos, aumentando o risco de mortalidade naqueles em hemodiálise.
A fadiga é um sintoma subjetivo, encontrado na população com frequência, que depende do autorrelato para ser identificado, podendo ocorrer em pessoas sadias. Em geral, sua origem envolve aspectos físicos, cognitivos e emocionais, sendo eles os mecanismos primários do processo inflamatório, da disfunção do eixo neuroimunoendócrino, das alterações na ativação do córtex cerebral e dos mecanismos secundários, como distúrbios do sono, redução da atividade física, depressão, ansiedade, alterações psicológicas, dor e uso de fármacos.12
Na área da enfermagem, a fadiga é definida como uma “sensação opressiva e sustentada de exaustão e de capacidade diminuída para realizar trabalho físico e mental no nível habitual”.13
Comumente, o usuário de um serviço de TRSTerapia Renal Substitutiva é acompanhado por uma equipe multiprofissional, na qual a enfermagem é quem permanece por maior tempo em contato com ele durante o tratamento hemodialítico e tem papel importante no processo de cuidar, pois as competências do enfermeiro em nefrologia incluem habilidades de comunicação como um meio para satisfazer as necessidades dos pacientes.14 Portanto, esse profissional está apto a diagnosticar e a prescrever cuidados para a fadiga apoiado na sistematização da assistência para proporcionar cuidados de qualidade e promover o bem-estar e a QVqualidade de vida às pessoas com DRCdoença renal crônica.
O sintoma de fadiga é encontrado com frequência em pessoas com DRCdoença renal crônica;8,15–26 contudo, ele também está presente em uma grande variedade de desordens clínicas e, ainda, pode ocorrer em indivíduos considerados sadios. Por se tratar de um fenômeno multicausal, cuja origem e expressão envolvem aspectos físicos, cognitivos e emocionais, depende do autorrelato para ser identificado.13
A fadiga é um sintoma subjetivo e desagradável, que incorpora sensações corporais totais, que vão desde o cansaço até a exaustão.13
A fadiga pode ocorrer em várias doenças crônicas, como, por exemplo, câncer, insuficiência cardíaca congestiva (ICCinsuficiência cardíaca congestiva), depressão, esclerose múltipla (EMesclerose múltipla) e insuficiência renal crônica (IRCinsuficiência renal crônica), independentemente da forma de TRSTerapia Renal Substitutiva.13
Em função do impacto na QVqualidade de vida, é importante que a fadiga seja diagnosticada; no entanto, ela é omitida ou subnotificada com frequência. As sensações de características da fadiga nomeadas pela NANDA International, Inc. (NANDA-I) são13
- aumento das necessidades de repouso;
- aumento das queixas físicas;
- cansaço;
- concentração comprometida;
- desempenho diminuído;
- desinteresse quanto ao ambiente que o cerca;
- falta de energia ou de incapacidade de manter o nível habitual de atividade física;
- incapacidade de restaurar energia mesmo após o sono;
- incapacidade de manter as rotinas habituais;
- introspecção e libido diminuídas;
- necessidade percebida de energia adicional para realizar as tarefas de rotina;
- sentimento de culpa por não cumprir suas responsabilidades;
- sonolência;
- verbalização de uma constante e opressiva falta de energia.
Dado o impacto da fadiga à pessoa com DRCdoença renal crônica, existe a necessidade de conhecer os sintomas associados a ela e os instrumentos utilizados para avaliar a sua ocorrência. Para tanto, apresentam-se, neste capítulo, a fisiopatologia da DRCdoença renal crônica, os instrumentos usados para avaliar o sintoma de fadiga e as intervenções recomendadas a partir de experiências internacionais de enfermeiros.
Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- reconhecer os sintomas associados à fadiga em pessoas com DRCdoença renal crônica;
- descrever os instrumentos utilizados para avaliar o sintoma de fadiga em pessoas com DRCdoença renal crônica;
- identificar as estratégias utilizadas pela enfermagem no enfrentamento do sintoma de fadiga em pessoas com DRCdoença renal crônica.