Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- descrever conceitualmente as abordagens de curso de vida, capacidade intrínseca e habilidade funcional da pessoa idosa;
- diferenciar a perspectiva em saúde sobre curso de vida e ciclo de vida;
- identificar os fatores associados ao envelhecimento saudável;
- refletir sobre a construção da saúde da pessoa idosa no curso de vida para o envelhecimento saudável;
- apontar considerações sobre capacidade intrínseca, habilidade funcional e envelhecimento saudável;
- distinguir as implicações da perspectiva do curso de vida para o cuidado de enfermagem no fomento ao envelhecimento saudável.
Esquema conceitual
Introdução
O envelhecimento humano é comum a todos, sendo um processo natural, heterogêneo, dinâmico, multidimensional, contínuo e irreversível, que evolui de forma individual e gradativa.1 Todo ser humano deseja uma boa velhice. Os determinantes para a efetividade dessa pretensão surgem das mais variadas formas e fontes. Estudiosos das áreas de geriatria e gerontologia já transitaram e transitam profissionalmente por vários princípios orientadores, com o intuito de trazer sentido à prática do envelhecimento saudável para as pessoas que estão envelhecendo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS)2 tem como um dos seus objetivos estratégicos fortalecer a saúde ao longo do curso de vida. Assim, é essencial compreender o curso de vida e sua aplicação prática para integrar saúde e bem-estar. O conceito de curso de vida é um dos pilares da visão estratégica de desenvolvimento humano sustentável.3 Para tanto, a velhice bem-sucedida inclui a preservação do potencial para o desenvolvimento do ser humano, relacionado à qualidade no transcurso da vida,1 não se restringindo à condição de saúde e doença.
Reforçando essa abordagem, destaca-se a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com o chamado à mobilização de esforços para erradicar a pobreza, sendo a priorização da saúde uma etapa essencial desses esforços. O terceiro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) propõe “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”.4,5
Na prática de saúde pública, os profissionais de enfermagem reconhecem e gerenciam modelos estratégicos de cuidados, que fortalecem a saúde de modo pontual na velhice, resultando em desfechos nem sempre positivos. No entanto, a prática da enfermagem gerontológica exige estratégias e instrumentos para a compreensão profunda do ser humano, facultando teoricamente ao profissional de enfermagem desenvolver um cuidado mais adequado e coerente com a realidade.
A prática da enfermagem gerontológica requer o olhar desperto para as trajetórias de vida das pessoas, considerando as mudanças dos indivíduos e das populações em relação ao seu entorno. Exige também visão além da sobrevivência como objetivo central, sendo preciso que a saúde transcenda essa concepção simplista e de combate às doenças.3 A saúde deve ser vista como recurso para a vida, conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais e as capacidades das pessoas.
O cuidar requer tempo e espaço, dedicação e técnica, ciência e sabedoria, conhecimento teórico e práxis, em um modelo que possibilite cuidar do ser humano em uma perspectiva única e profunda, criando trajetórias positivas de saúde desde o início da vida. A perspectiva do curso de vida enfatiza a abordagem integral aos cuidados, considerando o bem-estar das pessoas ao longo do curso de vida.
Este capítulo está alicerçado em princípios orientadores compreendidos no relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)3 chamado Construindo a Saúde no Curso de Vida: Conceitos, Implicações e Aplicação em Saúde Pública. Nesse relatório, é destacada a perspectiva do envelhecimento como processo, o caminho ao longo da vida, que permite ver e compreender novos desafios que se aproximam. Além disso, o documento proporciona intervenções e estratégias mais eficazes para as mudanças do perfil de saúde e bem-estar na velhice.
Para a OPAS,3 promover o desenvolvimento humano na conjuntura de saúde pública requer transformação, com modelo de saúde pública renovado, que estabeleça que as ações, ou a falta de ações, a qualquer momento da vida, determinam a trajetória de saúde, afetando até mesmo as gerações futuras. A abordagem do curso de vida não deve apenas centrar nas doenças, mas construir para uma boa saúde, para alcançar o maior capital humano possível.
Nesse contexto, o envelhecimento saudável considera fatores que afetam a saúde da pessoa idosa, incluindo eventos e experiências passadas que criam condições influenciadoras da saúde e da qualidade de vida. O envelhecimento saudável permite visualizar a sociedade que apoia e valoriza as contribuições das pessoas idosas, respeita a diversidade e trabalha para reduzir as desigualdades na saúde. Além disso, oferece oportunidade para alcançar autonomia e independência, manter a qualidade de vida e tomar as decisões corretas ao longo do curso de vida.
O envelhecer saudável mantém as habilidades funcionais e possibilita viver de forma saudável mesmo com a presença de patologia. Como aspecto definidor desse envelhecimento está a habilidade funcional de uma pessoa à medida que envelhece, representada pela interação, combinando capacidade intrínseca e condições ambientais externas.
Para alcançar a saúde, em sua complexa compreensão de bem-estar físico, mental e social, os indivíduos e as comunidades devem ser capazes de identificar e cumprir suas aspirações, satisfazer suas necessidades e modificar ou enfrentar os desafios de seu ambiente social e físico. A construção da saúde vai além da prevenção e promoção da saúde, assim, é fundamental melhorar as capacidades ao longo do curso de vida.
Para Tavares e colaboradores,6 o envelhecimento saudável está relacionado a diferentes dimensões de saúde:
- biológica — adoção de hábitos e comportamentos saudáveis como autorresponsabilidade;
- psicológica — sentimentos de otimismo e felicidade;
- espiritual — fé e religiosidade;
- social — reciprocidade no apoio social e capacidade de viver com autonomia e independência.
Interpretações positivas ou negativas de certos acontecimentos vivenciados resultam de experiências únicas e influenciam o envelhecimento saudável.7 Essa abordagem convergente com o curso de vida é demandada pelo envelhecimento populacional, renovação de programas e políticas de saúde com visão integrada ao longo do viver, podendo ser utilizada para detectar e interpretar tendências nos desfechos de saúde populacional.
O curso de vida pode marcar a terceira era da saúde, na qual as ciências explicam o desenvolvimento e as origens da saúde, inclusive os padrões de doenças, revelando exposições ambientais e experiências sociais — principalmente em períodos sensíveis da vida —, integrados com sistemas biológicos e comportamentais.3 Essa teoria, ainda em evolução, alicerça-se em modelos biopsicossociais e genômicos, segundo os quais a saúde é considerada seu próprio processo de sistemas complexos.8