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ABUSO INFANTIL

Autores: Renata D. Waksman, Mario Roberto Hirschheimer
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  • Introdução

O abuso infantil é toda forma de violência, maus-tratos, negligência ou tratamento negligente, exploração comercial, sexual ou outro tipo de exploração que resulte em dano real ou potencial à saúde, à sobrevivência, ao desenvolvimento ou à dignidade da criança, no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder, como os pais, outro adulto que tenha a guarda da criança, ou adultos próximos, por exemplo, familiares, professores, cuidadores ou responsáveis.1

O abuso infantil infelizmente é um fenômeno enraizado e difundido que atormenta milhões de crianças e adolescentes nos locais que deveriam garantir cuidado e proteção a essa população, como dentro de casa, nas escolas, em seu entorno, nas instituições e no ciberespaço. Existem comportamentos profundamente enraizados, regras sociais, culturais, atitudes e crenças que toleram ou promovem a violência contra crianças e adolescentes, o que compromete a salvaguarda dos seus direitos.2

A violência contra crianças e adolescentes pode ser classificada em doméstica ou intrafamiliar, extrafamiliar e autoagressão. Cada um desses tipos de violência pode se manifestar de formas diferentes, não excludentes entre si.3,4

Neste capítulo, aborda-se a violência doméstica, caracterizada por todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes, capaz de causar dano físico, sexual ou psicológico à vítima, que implica, de um lado, uma transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, a negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.5

A violência física implica o uso da força física de forma intencional com o objetivo de ferir, danificar ou destruir a vítima, deixando ou não marcas.3,4,6–9

 

A violência sexual caracteriza-se pelo uso da criança ou do adolescente em qualquer atividade de natureza erótica ou sexual para a gratificação sexual de adulto ou adolescente mais velho. Essa situação sempre desrespeita um dos envolvidos em seu direito de escolha, que pode ser suprimido por coação, ascendência, sedução ou imaturidade.3,4,6,9–11

 

A violência psicológica compreende toda forma de discriminação, desrespeito, rejeição, depreciação, cobrança ou punição exagerada e utilização da criança ou do adolescente para atender às necessidades psíquicas dos adultos.3,4,6,9,12 É a forma de mais difícil de ser conceituada e diagnosticada, pois, muitas vezes, resulta do despreparo dos pais para educar seus filhos, valendo-se de formas culturalmente aprendidas de educar.9,12 Por sua sutileza e muitas vezes falta de evidências físicas, é de difícil detecção, muito embora, com frequência, acompanhe e permeie os demais tipos de violência.3,4,6,7,9,12

A negligência caracteriza-se por atos ou atitudes de omissão, de forma crônica, do responsável pela criança ou pelo adolescente em prover as necessidades básicas para o seu desenvolvimento, como higiene, nutrição, saúde, educação, proteção e afeto, apresentando-se em vários aspectos e níveis de gravidade. Nesse contexto, considera-se o abandono o seu grau máximo de expressão.3,4,6,7,9,13,14 A negligência pode ser social ou intencional, de difícil identificação, e não deve ser confundida com dificuldades econômicas de parte da população em prover essas necessidades.3,4,6,7,9,11,14,15

A síndrome de Münchhausen, por sua vez, é o ato de se levar um paciente para cuidados médicos com base em sintomas e sinais inventados, provocados ou simulados por seus pais ou responsáveis, geralmente a mãe. Essa prática impõe sofrimentos físicos e psíquicos ao paciente, exigência de exames complementares desnecessários, uso de medicamentos ou ingestão forçada de substâncias e por múltiplas consultas e internações sem motivo. É considerada uma doença mental grave, em que o agressor, de forma compulsiva e deliberada, usa a criança ou o adolescente como objeto de sua própria satisfação e inventa, simula ou causa sinais ou sintomas de doenças para atingir um maior reconhecimento ou valor frente à família, à sociedade em geral e à classe médica e de enfermagem. Quanto maior o sofrimento da vítima — o próprio filho — e mais impossível o seu diagnóstico, maior a sua satisfação.3,4,6,7,9,16

A pessoa com síndrome de Münchhausen é incapaz de se abster desse comportamento, mesmo conhecendo seus riscos. Essa síndrome deve ser considerada uma grave perturbação da personalidade, de tratamento difícil e prognóstico reservado.

LEMBRAR

A violência contra crianças e adolescentes ocorre independentemente de classe social, etnia, credo, raça ou religião. Nesse contexto, alguns indicadores de risco, predisponentes e agravantes, podem estar presentes, como gestação não desejada, rejeição, agressor vítima de violência na infância, resolução de conflitos pela força, sejam isolados ou em associação.

Este capítulo tem como objetivo orientar e esclarecer profissionais da saúde sobre as formas eticamente adequadas e os encaminhamentos juridicamente lícitos do atendimento a crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos. O desafio é integrar os conhecimentos médico-científicos, de gestão e jurídicos à sensibilidade ética e humanitária em uma única abordagem.

É importante enfatizar que o atendimento deve visar ao benefício e à segurança do paciente. Deve ser realizado por uma equipe multiprofissional na qual cada um saiba o seu papel e atue de modo integrado com os demais. Não compete ao profissional da saúde, por exemplo, buscar o suspeito de ser algoz de seu paciente para puni-lo. Entretanto, providenciar a notificação às autoridades é um dever legal do médico, mesmo que somente de caso suspeito, mas o modo e o momento oportuno devem ser criteriosamente ponderados pela equipe multiprofissional.

  • Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • identificar os diferentes tipos de violência contra crianças e adolescentes;
  • estabelecer o atendimento eticamente adequado e os encaminhamentos juridicamente lícitos a crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos;
  • reconhecer as evidências disponíveis para adotar ações, prevenir e combater a violência infantil.
  • Esquema conceitual
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