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AVALIAÇÃO DO CONTROLE POSTURAL E DA ATIVAÇÃO MUSCULAR EM ATLETAS COM DOR LOMBAR CRÔNICA: IMPLICAÇÕES PARA A CINeSIOTERAPIA

Autores: Alexandre Henrique Nowotny, Rubens Alexandre da Silva Jr.
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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • comparar o déficit de equilíbrio postural quantificado por meio de uma plataforma de força durante o teste de apoio unipodal em extensão e em flexão de 30 graus de joelho;
  • comparar as respostas neuromusculares de controle do tronco por meio das medidas de eletromiografia (EMG) de superfície durante a execução do teste modificado de Sorensen, no qual se avalia o padrão de recrutamento muscular e a fadiga muscular em atletas com e sem dor lombar crônica (DLC);
  • comparar as respostas neuromusculares de controle postural do tronco e da pelve por meio das medidas de EMG de superfície e plataforma de força nas posturas em pé para a análise da ativação do músculo glúteo médio em atletas com DLC;
  • sugerir tratamento fisioterapêutico com base no movimento, ou seja, na cinesioterapia.

Esquema conceitual

Introdução

A postura bípede, bem como a marcha humana, são ímpares na natureza. Para vencer a força da gravidade, ficar em pé, andar, correr ou saltar, o ser humano desenvolveu vários mecanismos próprios de controle motor durante a sua existência e evolução. Também aprimorou estratégias de ativação musculares axiais, além de desenvolver padrões de movimentos específicos e coordenados para os membros inferiores (MMII) e membros superiores (MMSS).1 Entre regiões corporais e as principais estruturas do corpo humano que agem pare esse fim, atuam o arco longitudinal interno no pé, o valgo do joelho, a anteversão do colo femoral no quadril, a anteversão da pelve e as curvaturas da coluna vertebral (CV).2

A utilização constante desses mecanismos de sustentação associada a estratégias motoras pré-estabelecidas pode levar ao aparecimento e desenvolvimento de várias patologias musculoesqueléticas independentes de traumas diretos como fatores causais. Entre estas, chamam a atenção e despertam a curiosidade os números relacionados à dor lombar (DL). Estimativas apontam para 632 milhões de pessoas afetadas por tal patologia no mundo todo, um número realmente alarmante.2

No meio esportivo, o cenário não é diferente, no âmbito das patologias musculoesqueléticas encontradas nesse ambiente, a DL é um achado comum, frequente, e ocorrem cerca de 0,36 a 0,49 lesões lombares para cada 1 mil atletas.3 Assim, os números epidemiológicos da DL no esporte também são elevados, tais quais os da população em geral, e também chamam a atenção e despertam não só curiosidade, mas preocupação. Mesmo em populações de atletas amadores, a prevalência é significativa e atinge 27%, enquanto, entre os atletas profissionais, os números dobram e atingem 65%.4,5

A DL tem incidência de 30% nos esportes, o que não é pouco, e representa 10 a 15% de todas as lesões esportivas, novamente atraindo a atenção.6,7 Entre os esportes com maior número de acometimentos, encontram-se 85% das ginastas, 69% dos golfistas, 55% dos nadadores, 54% dos levantadores de peso, 45% dos corredores de prova de fundo, 37% dos jogadores de futebol e 32% dos tenistas.8 Entre as crianças consideradas atletas, a prevalência é de 10 a 15%, números que sugerem uma devida atenção a ser despendida desde o início da formação da carreira esportiva.9

Nos atletas adolescentes, a prevalência chega a 28% e praticamente atinge a metade do número que afetam os adultos.10 Os atletas adolescentes também devem ser monitorados e atendidos precocemente, na tentativa de se prevenirem problemas futuros com a DLC. A literatura mostra um ciclo crescente nos números da DL no esporte — desde a infância, que passa pela adolescência até chegar à fase adulta, o desenrolar dessa patologia demonstra a necessidade de se reconhecerem de forma clara e objetiva as características das variáveis fisiológicas, físicas e funcionais envolvidas e relacionadas com a CV lombar.

Na tentativa de identificar os mecanismos funcionais envolvidos com a DL em geral, 10% dos fisioterapeutas mensuram a amplitude de movimento (ADM) da CV lombar, realizam testes neurológicos e ortopédicos e mensuram provas de função muscular, bem como a palpação, e 99% ainda acessam a sensibilidade dolorosa e apenas 7% acessam os parâmetros psicológicos e sociais.11

De forma geral, os fisioterapeutas apresentam dados de natureza clínica, informações estas que não permitem esclarecer com dados objetivos precisos e consolidados na literatura as estratégias de controle motor envolvidas nessa patologia bastante complexa, que pode ser definida como uma “disfunção lombar complexa”. Portanto, avaliações com respostas respaldadas em tecnologia de ponta, validadas e consideradas padrão-ouro pela literatura são necessárias.

Entre os atletas, alguns fatores de risco, embora não totalmente elucidados, tais como a fadiga da musculatura lombar, a fraqueza muscular abdominal e paravertebral (PV), alterações da coordenação e da função sensório-motora, assim como alguns fatores psicossomáticos, podem contribuir para desencadear a DLC e favorecer incapacidades físicas, funcionais, cognitivas e psicológicas associadas.12–16 Todos esses fatores ainda não foram quantificados e explicados de forma clara em relação a como podem influenciar a estabilidade da CV. Tais condições, portanto, podem fragilizar as estruturas anatômicas da CV ao longo do tempo e favorecer a sua disfunção e levá-la à DLC.

Segundo a teoria de estabilidade e movimento para com a CV descrita por Panjabi, que versa sobre a interdependência dos sistemas responsáveis pela estabilidade da coluna lombar (sistemas estático, dinâmico e neural), quando um dos subsistemas sofre algum comprometimento funcional, como, por exemplo, em uma dor traumática, ou postural ou uma outra lesão musculoesquelética lombar qualquer, todos os demais sistemas sofrem juntos, em conjunto, com maior ou menor comprometimento de cada um. Essas alterações dos sistemas estático (ossos, articulações, ligamentos, discos intervertebrais e fáscias), dinâmico (músculos) e neural (medula espinhal, nervos, terminações nervosas) levam a compensações funcionais em diferentes áreas e estruturas da coluna lombar.17,18

Tal condição produz um efeito em cascata. Considera-se que a disfunção inicial das estruturas passivas da CV (p. ex., ligamentos, articulações e discos intervertebrais), quando lesadas, produzem: (1) lesões dos mecanorreceptores, os quais informam erroneamente o sistema central de controle motor, que, por sua vez, (2) ativa compensações musculares inadequadas (alteração dinâmica, músculos se contraindo de forma descoordenada), (3) o que provoca a sobrecarga das estruturas passivas da CV e evolui para a degeneração tecidual e, por fim, (4) causa a dor crônica, produzida pela inflamação dos tecidos em geral da região lombar, principalmente os elementos neurais.17,18

Entretanto, nesses casos, os músculos PVs e abdominais são os principais responsáveis pelas ações de coordenação motora para manter a estabilidade da coluna lombar.17,18 Esses grupos musculares representam e respondem pelo sistema ativo que sustenta cargas fisiológicas e funcionais de muitos Newtons sobre as estruturas passivas da CV. Assim, essa situação, quando mantida constantemente, compromete o subsistema ativo e perpetua o efeito cascata sobre a CV, levando à DLC.16–18

Nesse interim, sabe-se que exposição desses músculos à fadiga também põem em risco a estabilidade da CV. Dessa forma, a fadiga desses grupos musculares é considerada um fator preditivo para o aparecimento da DLC.16–18 Ainda com base na teoria de Panjabi, ela considera que a fadiga desses músculos da região lombar aumenta os riscos de déficits neuromusculares e causa movimentos descoordenados, o que pode aumentar a instabilidade da CV e, novamente, produzir sobrecarga e lesões nas suas estruturas passivas.17,18

O resultado final sobre todas as alterações desse sistema funcional conjunto já alterado é a DLC. Com relação ao sistema ativo de estabilidade vertebral, o músculo transverso do abdome é considerado como peça fundamental no processo de ação profunda de controle e de estabilidade lombo-pélvica.19–26 De fato, a interação adequada dos componentes do controle motor lombar é necessária para a função lombar efetiva, e a alteração deles, em maior ou menor intensidade, deve ser investigada e detalhada, a fim de se evitar a instalação da DLC.

Evidenciam-se na literatura trabalhos que investigaram as variáveis de equilíbrio e ativação muscular por meio do uso de equipamentos de alta tecnologia já validados associados a uma metodologia de avaliação biomecânica robusta para se caracterizarem as diferenças entre os indivíduos não atletas que sofrem de DLC versus aqueles que são assintomáticos.27–29

Contudo, a utilização dessas metodologias para se reconhecerem as características do comportamento do equilíbrio postural e da ativação neuromuscular diante da fadiga muscular em atletas portadores de DLC ainda não foi realizada. Portanto, o reconhecimento das características dessas variáveis nos atletas com DLC frente à normalidade é de suma importância para o processo de prevenção, avaliação e intervenção no ambiente esportivo.

Como interesse futuro, as respostas para esses fatores de risco permitirão estabelecer um protocolo de avaliação objetiva para se reconhecer as características das variáveis já citadas e assim permitir a comparação entre distintas metodologias de intervenções fisioterápicas para o tratamento da DLC em atletas.

Com relação à cinesioterapia, atualmente, duas metodologias são citadas com frequência na literatura como possíveis opções de tratamento para a DLC, uma por meio do fortalecimento muscular lombar específico dos músculos PVs lombares e a outra pela metodologia de estabilização da CV lombar como um todo. Algumas evidências científicas apontam para o benefício do uso dessas duas formas de exercícios terapêuticos no processo de tratamento da DLC, e foi observada melhora dos sintomas clínicos e funcionais e do desempenho físico.22–26 Porém, com relação aos atletas portadores de DLC, não se encontra, na literatura, a comparação entre as duas metodologias de tratamento avaliadas por um protocolo no qual se utilizam equipamentos de ponta considerados padrão-ouro para esse fim.

Esta presente proposta visa auxiliar os fisioterapeutas, atletas e demais profissionais da reabilitação no reconhecimento das facetas ainda obscuras que pairam em torno do problema da DLC no ambiente esportivo, além de estabelecer indicações terapêuticas adequadas para esses atletas a partir de dados avaliados objetivamente, ou seja, com base em evidências objetivas.

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