Introdução
A população humana mundial está em um processo de transição demográfica que, integrada à transição epidemiológica, caracteriza o envelhecimento atual. O expressivo aumento do número de idosos, principalmente em países mais desenvolvidos, determina a necessidade de evolução da sociedade em relação às questões políticas, sociais, econômicas, culturais e de sistema de saúde, que devem se adaptar a essa nova condição.1
Nesse cenário, os Médicos de Família e Comunidade (MFCs), na Atenção Primária à Saúde (APS), devem ter proficiência na avaliação do idoso, que inclui fatores ambientais, sociais e biológicos que influenciam o bem-estar e a qualidade de vida, dando atenção específica aos seguintes aspectos:1
- capacidade funcional;
- risco de quedas;
- uso de medicamentos;
- alimentação;
- atividade física;
- visão;
- audição;
- humor;
- funções de eliminação
- outros.
Os idosos apresentam um conjunto de características próprias que os tornam complexos no que tange ao processo saúde-doença. Nessa perspectiva, o processo de envelhecimento fisiológico, a senescência, contínua e progressiva com a multiplicidade de transformações, e a senilidade, relacionada a doenças crônicas e a multimorbidades, fazem com que a abordagem integral e longitudinal seja imperativa.2
De acordo com o fenômeno da transição epidemiológica, a incidência e a prevalência de muitas doenças aumentaram, e há um alto índice de patologias múltiplas, crônicas e degenerativas. Em alguns países, como o Brasil, apesar dessa transição, ainda há uma ocorrência significativa de doenças infecciosas e parasitárias e de causas externas.3
Essa carga de problemas médicos dificulta a atenção à saúde ao idoso, pois alguns sintomas podem resultar da interação de vários fatores, e um processo pode mascarar e interferir no surgimento e tratamento de outro agravo.3 Entre os problemas e as condições mais frequentemente encontrados, estão:
- déficits sensoriais;
- demência;
- incontinência;
- instabilidade e quedas;
- imobilidade;
- desnutrição;
- iatrogenia;
- isolamento social;
- depressão.
A maioria dos estudos de rastreamento não está dirigida ao estudo da população de idosos, por isso, há certa escassez de dados com base em evidências para firmar recomendações. Em função disso, o MFC deve fazer um balanço entre os riscos e os benefícios na investigação de anormalidades em testes de rastreamento, no tratamento indicado para as morbidades encontradas, bem como deve ter em mente que, nesse grupo populacional, algumas dessas alterações se explicam pela própria fisiologia heterogênea do envelhecimento. Então, busca-se a decisão compartilhada com paciente e família.3
Nesse sentido, devem ser considerados a idade, a expectativa de vida e os diversos graus de fragilidade para a tomada de decisão. Um artifício mnemônico simples — CCFP — câncer, doença cardiovascular, quedas (falls) e osteoporose (imunização preventiva) — pode ser utilizado para lembrar alguns tópicos importantes dessa avaliação.4
Apesar do grau de incerteza na avaliação, há consenso de que os objetivos da promoção da saúde e da prevenção de doenças, nos pacientes idosos, são a redução da mortalidade prematura por doenças agudas ou crônicas, a manutenção da independência funcional e da autonomia, a extensão da expectativa de vida ativa e a melhora na qualidade de vida.
Existem evidências de que a aplicação de um instrumento de avaliação multidimensional durante a consulta médica, em APS, aumenta a eficiência diagnóstica para detecção dos problemas de saúde que mais comumente afetam a qualidade de vida do idoso.5
Problemas comuns na geriatria, como delirium, demência, quedas, incontinência, alteração da capacidade funcional, úlceras de pressão e fragilidade, podem ser detectados na avaliação multidimensional em fases mais precoces. Assim, o planejamento do cuidado deve iniciar o mais breve possível, com o intuito de prevenir incapacidades e manter a autonomia e a independência do idoso.6
Diversos modelos de avaliação global do idoso (AGI) e de avaliação geriátrica ampla (AGA) são descritos na literatura com significativas variações nos domínios avaliados, nas escalas utilizadas e no tempo de aplicação de acordo com a modalidade de atendimento em que são realizados.
Ao longo deste capítulo, serão apresentados alguns exemplos de AGI/AGA utilizados em nosso meio, com ênfase ao instrumento de avaliação multidimensional do idoso (AMI), que foi desenvolvido para ser usado na APS.
Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- compreender a importância e a utilidade da AMI;
- identificar os principais instrumentos de avaliação do idoso;
- identificar o momento de aplicar a AMI e como aplicá-la;
- aplicar a AMI na APS;
- identificar os principais indícios de problemas de saúde do idoso por meio da aplicação da AMI;
- reconhecer as intervenções que podem ser planejadas de acordo com as informações obtidas por meio da AMI.