- Introdução
A pesquisa científica é baseada na possibilidade de demonstrar a relação causal de determinado evento. Essa relação de causa e efeito deve ser passível de comprovação empírica de modo reprodutível, universal e confiável, garantindo, assim, segurança quanto à previsibilidade de resultados. Trata-se de um procedimento usado para testar hipóteses, aceitá-las ou rejeitá-las e que permite, pela interpretação dos resultados, eliminar as dúvidas e reproduzir todo o processo estudado. Uma pesquisa científica pode ser do tipo observacional (descritiva) ou experimental (explicativa).1,2
Na pesquisa observacional, o investigador tem um papel “passivo”: não interfere no desenrolar dos eventos, apenas observa os acontecimentos, faz anotações e observações e, em um momento final, procura estabelecer o nexo causal do fenômeno.1,2
Um investigador pode estar interessado em estabelecer uma eventual relação entre o tabagismo e o câncer de pulmão. Então, em um primeiro momento, ele seleciona uma amostra de tabagistas e outra de não tabagistas, estabelece um período de tempo para as observações, determina as variáveis a serem estudadas, avalia os riscos de vieses e estabelece os níveis de confiança estatística dos dados a serem coletados. Em um segundo momento, dentro dos princípios éticos da pesquisa em seres humanos, ele parte para o campo, coletando os dados, quer de maneira retrospectiva ou prospectiva, dentro do período estabelecido. Em uma terceira fase, de posse dos dados, faz a sua tabulação e a análise crítica, procurando estabelecer a relação causal de tabagismo e câncer de pulmão.
Percebe-se que, nessa pesquisa observacional, o investigador não interferiu ativamente nos eventos. Apenas coletou dados do que estava ocorrendo na natureza, anotou-os, ordenou-os, tabulou-os e fez sua interpretação na busca de verificar se o hábito de fumar está relacionado de alguma forma com o diagnóstico de câncer pulmonar. A pesquisa observacional é aplicada com muita frequência nas ciências humanas/sociais.3
Já a pesquisa experimental é caracterizada pela intervenção do pesquisador no decorrer do evento em estudo.1,2 Um investigador pode estar interessado em avaliar o uso de uma substância ou um procedimento na prevenção do câncer de pulmão em tabagistas. Como na pesquisa observacional, ele seleciona uma amostra de indivíduos tabagistas, os quais, em um período de tempo determinado, serão submetidos à exposição da substância/procedimento em estudo ou ao placebo/tratamento padrão. O investigador determina as variáveis a serem estudadas, avalia as eventuais causas de viés e estabelece o nível de confiança estatístico dos dados a serem coletados.
No período de estudo determinado, dentro dos princípios éticos da pesquisa em seres humanos, o investigador fará a intervenção nos indivíduos selecionados aplicando ou não a droga ou o procedimento em estudo. Em outras palavras, ele experimentará se a droga ou o procedimento tem algum efeito na evolução do câncer na amostra de tabagistas. Os resultados dessa experiência serão tabulados, submetidos a tratamento estatístico e, então, interpretados quanto à eficácia da droga ou do procedimento.
Se, na pesquisa observacional o investigador teve um papel passivo de observador, na pesquisa experimental ele teve uma participação ativa, interferindo nos eventos em estudo. A intervenção deve seguir um protocolo preestabelecido e normatizado conhecido como método científico. Na verdade, o método científico norteia ambos os tipos de pesquisa científica (observacional e experimental).
A pesquisa experimental é uma prática comum nas ciências da saúde, em particular na área médica, aplicada em seres humanos.4 Todas as drogas em uso, bem como as que serão usadas no futuro, passaram ou passarão por uma fase experimental em humanos para comprovar a sua efetividade, eficiência e eficácia. No entanto, talvez pelo fato de a palavra “experimental” carregar o estigma de algo não definido, de algo que apresenta risco de não “dar certo”, de uma tentativa com resultado incerto e com potencial danoso, a prática da pesquisa experimental recebe a denominação eufemística de “trabalho clínico”, “ensaio clínico” ou “pesquisa clínica”.
O uso e os costumes acabaram reservando o termo “pesquisa experimental” para aquelas realizadas em outras espécies animais. O mais adequado seria substituir o termo por “pesquisa em animais de experimentação”.
A utilização de animais, quer para experiências, quer para ensino, vem de longa data. A domesticação de espécies selvagens talvez tenha sido o primeiro passo na relação (exploração/convivência) dos animais com os seres humanos. Estudos morfológicos, fisiológicos, medicamentosos, cirúrgicos, comportamentais, entre outros tantos, foram e são de uso corriqueiro na ciência.
O uso das mais diversas espécies foi progressivamente sendo depurado com o passar dos anos. Foram criados numerosos modelos de doenças que se prestaram e se prestam para testar drogas medicamentosas e procedimentos cirúrgicos. A evolução tecnológica e a percepção da senciência animal impuseram algumas regras e limites à experimentação em animal de laboratório. A aplicação do conceito dos três erres (reduce, refine, replace) e o avanços nas práticas éticas fazem hoje com que os projetos de pesquisa científica sejam mais cuidadosamente planejados e executados.
O pesquisador, além de dominar os preceitos metodológicos da pesquisa, deve submeter-se às exigências das agências reguladoras governamentais e também atender criteriosamente aos clamores da sociedade civil, que questiona o uso dos animais.
Neste artigo será abordada a pesquisa experimental em cirurgia de modo geral, mas se focará a pesquisa com animal de experimentação.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- identificar alguns conceitos básicos de metodologia científica;
- relacionar conhecimento da história natural da doença (HNDhistória natural da doença) com suas implicações nos desdobramentos da pesquisa;
- reconhecer os principais tipos de pesquisa, aprofundando na cirurgia experimental em animais de laboratório;
- listar os passos que devem ser seguidos junto às agências governamentais reguladoras da pesquisa no Brasil;
- descrever os critérios para uma pesquisa adequada;
- explicar as vantagens e limitações da pesquisa animal e de sua transposição para os seres humanos.
- Esquema conceitual