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COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS TARDIAS

Autores: Fábio Liberali Weissheimer, Anna Carolina Franco, Talitha Mariela Farah Vassoler, Alberto Bicudo-Salomão
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  • Introdução

Estima-se que, anualmente, sejam realizadas em torno de 234 milhões de cirurgias no mundo.1 Afecções de tratamento cirúrgico estão presentes em todas as faixas etárias, independentemente de grupos sociais ou étnicos, correspondendo a situações clínicas com elevada morbidade e mortalidade.

O tratamento cirúrgico traz consigo a peculiaridade da necessidade, em maior ou menor grau, de invasão de estruturas corporais. Em outras palavras, o cirurgião é o médico que espera curar o paciente por meio de uma ferida. Assim, após a remoção de um foco patológico, pode-se gerar uma “doença pós-operatória”, a qual tem em muitos casos uma evolução imprevisível, caracterizando assim o que chamamos complicações pós-operatórias.

Apesar de toda evolução ocorrida no conhecimento médico-cirúrgico ao longo do último século, incluindo o advento da cirurgia minimamente invasiva, todas as operações são perigosas. Nenhuma delas é isenta de complicações. Por sua vez, tais complicações pós-operatórias podem ser tanto gerais quanto específicas para o tipo de cirurgia realizada. Sua maior incidência se dá entre 1 e 3 dias após a operação. Complicações específicas podem ocorrer com padrões temporais distintos, compreendendo desde o pós-operatório imediato até várias semanas, meses ou mesmo anos após a operação, ao que chamamos, complicações pós-operatórias tardias.

Globalmente, estima-se um percentual de mortalidade relacionada a procedimentos cirúrgicos em ambiente hospitalar em torno de 0,4 a 0,8%, com complicações pós-operatórias maiores ocorrendo de 3 a 17%.2 Tais taxas são expressas a partir de estudos realizados em países desenvolvidos, podendo, portanto, ser muito maiores em países em desenvolvimento. Dessa forma, cuidados cirúrgicos e suas complicações representam um fardo avultado relacionado à doença e faz jus à atenção por parte da comunidade de saúde pública mundial.2

Evidências atuais relacionam o trabalho multidisciplinar a melhores resultados em cirurgia. Por essa lógica, o paciente cirúrgico passa a ser conduzido não mais exclusivamente pelo cirurgião responsável pelo procedimento, mas por toda uma equipe de apoio, em diversas áreas de atuação e especialidades, cujo trabalho conjunto tem demonstrando levar a uma diminuição significativa dos eventos adversos relacionados à operação.2,3 Esforços para melhorar a qualidade em cirurgia-geral exigem uma compreensão específica do procedimento e seus resultados. O conhecimento das taxas e tipos de complicações pós-operatórias é importante para traçar metas com intuito diminuir a morbidade e a mortalidade relacionadas ao pós-operatório.4

O período de 2 semanas após a alta hospitalar é um momento em que o paciente está particularmente vulnerável.4 Um estudo revelou que a razão mais comum para a readmissão não planejada é a infecção de sítio cirúrgico (19,5%), a qual pode ou não estar relacionada à sepse. Obstrução intestinal ou íleo foi a razão mais comum para a readmissão após a cirurgia bariátrica (24,5%) e o segundo motivo mais comum em situações gerais (10,3%).5 É extremamente importante termos em mente que a ocorrência de uma complicação cirúrgica pós-alta indica uma mudança importante na recuperação do paciente. Tais complicações são as mais relacionadas à necessidade de reoperação e consequente disfunção de múltiplos órgãos e óbito.2

Por sua vez, em ambiente hospitalar, sobretudo nas UTIs, pacientes em pós-operatório, especialmente na presença de morbidades com insulto inflamatório persistente (como na pancreatite aguda grave), pacientes com grandes queimaduras, sepse cirúrgica e trauma fechado grave, a partir do 14.o dia de internação, são os mais afeitos a desenvolverem alterações de cunho imunológico e inflamatório, englobados na atualidade no conceito de persistent inflammation, immunossuppression and catabolism syndrome (PICSpersistent inflammation, immunossuppression and catabolism syndrome).6 Esses pacientes, passado o primeiro insulto, que os levou a uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS), permanecem com insuficiência de múltiplos órgãos (IMOinsuficiência de múltiplos órgãos) controlável, administrável pela nossa tecnologia atual. Estudos feitos por autópsia, logo após a morte, mostram que 80% dos pacientes que morrem por sepse ainda têm um foco infeccioso não controlado. Isso acontece ou por falta de diagnóstico ou de terapêutica adequada ou, muito provavelmente, por falência imunológica.

Quando um paciente jovem é vitimado precocemente por sepse, como ocorre em um choque toxêmico ou na menigococcemia, ele geralmente morre devido à resposta hiperinflamatória. Quando a morte por sepse é lenta, e hoje em um grande número o é, o paciente vai sendo levado a um estado de anergia, com redução drástica da produção de citocinas pró ou contrainflamatórias. O curso clínico é lento, longo e caracteriza-se por um catabolismo proteico intenso, dificuldade de cicatrização, imunossupressão com susceptibilidade aumentada para novas infecções, geralmente por bactérias não usuais como Stenotrophomonas, Acinetobacter, ou virais como herpes e citomegalovírus ou fúngicas.

Frequentemente, essas infecções consomem o indivíduo apesar de tratamento adequado, reforçando o efeito da imunossupressão. São pacientes que ficam vagando entre as unidades de tratamento intensivo, semi-intensivo, unidades de internação segundo seu estado, geralmente em uma internação prolongada de meses e passam a entrar em um estado catabólico e imunodeficiente para morrerem lenta, indolentemente ou serem transferidos para instituições de cuidado para pacientes crônicos ou cuidado em casa (home-care), sem a mínima condição de serem reinseridos socialmente.

Portanto, a PICSpersistent inflammation, immunossuppression and catabolism syndrome pode, em muitos casos, fazer parte de um contexto tardio de complicações pós-operatórias, sendo hoje o fenótipo predominante que substituiu o que chamávamos de IMOinsuficiência de múltiplos órgãos tardia. Esses pacientes, em especial, estarão sujeitos a uma série de eventos, que poderão surgir tardiamente ao procedimento cirúrgico inicialmente realizado, cujos mais comuns descreveremos ao longo deste artigo.

  • Objetivos

Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de:

 

  • identificar as complicações tardias mais esperadas das principais intervenções cirúrgicas;
  • conhecer as complicações a longo prazo da cirurgia do trato gastrintestinal;
  • entender o uso adequado de imagem na avaliação de complicações a longo prazo;
  • compreender que a prevenção das complicações é a melhor forma para diminuir a morbidade e mortalidade no pós-operatório.
  • Esquema conceitual

 

ATIVIDADE

1. Mencione complicações tardias de cirurgias gastrintestinais de seu conhecimento. Compare sua resposta com o texto a seguir.

 

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