Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- organizar o processo de trabalho com foco na atenção de pessoas com doenças crônicas na Atenção Primária à Saúde (APS);
- explicar a recepção e o acolhimento, a programação da assistência, o uso de diretrizes clínicas baseadas em evidência e a estratificação segundo risco como estratégias metodológicas para aperfeiçoar a atenção à saúde na APS;
- utilizar a clínica ampliada na gestão de casos clínicos complexos e com alto nível de estratificação de risco;
- planejar e executar a gestão da clínica a partir de metodologias como o projeto terapêutico singular, grupos Balint-Paidéia, reunião de equipe e atividades educativas em grupo.
Esquema conceitual
Introdução
O século XXI tem trazido transformações em diversos setores da sociedade. Entre essas transformações, podem ser destacadas as mudanças no perfil epidemiológico e o aumento da expectativa de vida da população, fatos que vêm se construindo historicamente desde as últimas décadas do século passado.1 Na perspectiva clínica e epidemiológica, as doenças crônicas não transmissíveis incluem as seguintes características:2
- história natural prolongada;
- multiplicidade de fatores de risco complexos;
- interação de fatores etiológicos conhecidos e desconhecidos;
- causa necessária desconhecida;
- especificidade de causa desconhecida;
- ausência de participação ou participação duvidosa de microrganismos entre os determinantes;
- longo período de latência;
- longo curso assintomático;
- curso clínico em geral lento, prolongado e permanente;
- manifestações clínicas com períodos de remissão e exacerbação;
- lesões celulares irreversíveis;
- evolução para graus variados de incapacidade ou morte.
Ao contrário das doenças infecciosas, que geralmente declinam com o crescimento econômico da população, os riscos de doenças crônicas aumentam com altos níveis de educação e renda. Além disso, tais condições clínicas compartilham os principais fatores de risco, que são:3
- uso de tabaco;
- dieta inadequada;
- sedentarismo;
- consumo de álcool.
As doenças crônicas não transmissíveis constituem um problema de saúde pública de dimensão global. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, em 2019, essas doenças somaram 73,6% das mortes em todo o mundo. Já no Brasil, no mesmo ano, as doenças crônicas foram responsáveis por 41,8% das mortes prematuras, ou seja, entre pessoas com 30 a 69 anos de idade.4
Os números apresentados repercutem no modo como as pessoas acometidas por condições crônicas se relacionam (ou não) com os serviços de saúde na APS. Devido à impossibilidade de cura e à existência de crises e complicações em longo prazo decorrentes dessas enfermidades, as pessoas demandam cuidados em saúde continuados, de modo que a relação entre o(a) usuário(a) e a equipe se dá com maior frequência. Se, por um lado, esse contato e relação contribuem para produzir e refinar o vínculo, por outro, apresenta para ambos os lados os desafios e as dificuldades próprias de uma relação que se alonga no tempo.
Neste capítulo são apresentadas algumas atividades, metodologias e ferramentas com vistas à reorganização do processo de trabalho e da gestão da clínica voltadas à atenção à saúde de pessoas que vivem com doenças crônicas no contexto da APS.