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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL PARA PACIENTES COM DOR NO OMBRO: UM GUIA PARA FISIOTERAPEUTAS ATUANDO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Autor: Daniel Cury Ribeiro
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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • definir as principais disfunções do ombro;
  • listar os critérios clínicos para excluir ou confirmar a presença das disfunções mais comuns de ombro;
  • estruturar um processo de raciocínio clínico para avaliar pacientes com dor no ombro.

Esquema conceitual

Introdução

Disfunções musculoesqueléticas são comuns globalmente e no Brasil. No mundo inteiro, elas são a primeira causa para anos vividos com deficiência.1 Entre as disfunções musculoesqueléticas, as de ombro são a terceira causa mais comum para pacientes buscarem tratamento com profissionais da saúde. O custo das disfunções do ombro é alto e sua recuperação pode ser lenta.

Entre as disfunções do ombro, a tendinopatia do manguito rotador é a mais comum. Outras comuns incluem instabilidade do ombro, disfunções da articulação acromioclavicular (AAC), disfunções da articulação glenoumeral ([AGU] isto é, osteoartrite e capsulite adesiva).2 Tendinopatia do manguito rotador é considerada uma expressão guarda-chuva que inclui outros termos, tais como dor subacromial, bursite, síndrome do impacto e dor do ombro relacionada ao manguito rotador.3 Alguns autores já sugeriram o uso de dor de ombro não específica.4

Síndrome do impacto é outra expressão comumente utilizada para diagnosticar disfunções do ombro. No entanto, não existe evidência alguma confirmando que a dor do ombro seja causada pelo impacto entre estruturas subacromiais. É recomendado que essa expressão não seja utilizada na prática clínica, visto que não representa um mecanismo e aumenta a percepção do paciente de que um exame complementar é necessário para avaliar sua condição clínica.2

A expressão tendinopatia do manguito rotador será utilizada neste capítulo para descrever pacientes com dor e fraqueza na região do ombro.3,5 Esses sintomas são causados por atividades do braço em cima da cabeça e rotação externa do ombro ou pioram com elas — movimentos que causam sobrecarga mecânica nos tecidos do manguito rotador. A irritabilidade tecidual pode variar consideravelmente entre pacientes.6 A causa exata dos mecanismos que levam os pacientes a apresentarem esses sintomas é incerta.7

A sobrecarga mecânica parece ser o principal fator causal para início dos sintomas de dor no ombro. É provável que outros fatores também influenciem a qualidade e a força do tendão (p. ex., idade, obesidade, tabagismo, fatores genéticos e cardiovasculares) e acabem contribuindo para o quadro clínico do paciente.

Historicamente, as disfunções do ombro foram diagnosticadas baseadas em um modelo patológico-anatômico. Muitos testes clínicos foram desenvolvidos para identificar qual estrutura anatômica é responsável pelos sinais e sintomas que o paciente apresenta.8,9 No entanto, é impossível estabelecer uma estrutura anatômica como causa dos sintomas apresentados.10

A correlação entre alterações anatômicas estruturais e intensidade dos sintomas é muito baixa. A teoria da compressão mecânica subacromial não é plausível, visto que a cirurgia de descompressão subacromial não causa melhora dos sintomas clínicos quando comparada com a cirurgia placebo ou a nenhum tratamento clínico.11

Rupturas parciais do manguito rotador estão presentes em indivíduos assintomáticos e, nos indivíduos sintomáticos, a magnitude da ruptura não tem correlação com sintomas clínicos. Além disso, pessoas sem nenhuma disfunção clínica comumente apresentam alterações anatômicas estruturais que são identificadas por exame complementares (p. ex., ultrassonografia [USG], ressonância magnética [RM]).

Outras possíveis causas para dor e incapacidade em pacientes com dor no ombro são sensibilização do sistema nervoso central (SNC) e fatores psicossociais. Atualmente, há muita incerteza no papel da sensibilização do SNC em pacientes com dor no ombro.12–14 Fatores psicológicos, como pensamentos de catastrofização, depressão e ansiedade, não apresentam correlação com desfechos clínicos (dor e incapacidade).15 Estudos futuros auxiliarão a melhor entender se e como aspectos de sensibilização do SNC e psicológicos contribuem para o quadro clínico de pacientes com dor no ombro.

Muitos estudantes e fisioterapeutas se mostram inseguros ou incertos ao avaliar um paciente com disfunção do ombro. Fisioterapeutas enfrentam alguns desafios quando examinam esses pacientes. Tais desafios incluem impossibilidade de estabelecer um diagnóstico definitivo, em virtude da baixa precisão de diagnóstico dos testes clínicos para confirmar um diagnóstico estrutural, assim como os possíveis diagnósticos diferenciais que devem ser considerados (descartados ou confirmados) durante a avaliação.

O fisioterapeuta precisa entender que, durante a avaliação, ele trabalha com possibilidades de diagnóstico clínico. Para aumentar a chance de obter um diagnóstico, o profissional precisa implementar um processo sistematizado e flexível para avaliar um paciente com dor no ombro. Esse processo sistematizado e flexível envolve raciocínio clínico e é importante para fisioterapeutas atuando na Atenção Primária à Saúde (APS).

O raciocínio clínico se refere aos processos cognitivos e de decisões tomadas durante a prática clínica.16,17 Ao longo do processo de raciocínio clínico, o fisioterapeuta opta pela melhor decisão clínica considerando circunstância, contexto e paciente.18 Existem diferentes definições de raciocínio clínico na literatura,19 assim como diferentes modelos de raciocínio clínico, por exemplo, raciocínio clínico hipotético-dedutivo, reconhecimento de padrões clínicos, raciocínio narrativo.16,17,20

O raciocínio clínico hipotético-dedutivo envolve utilizar as informações clínicas obtidas durante a avaliação clínica para desenvolver hipóteses clínicas. O reconhecimento de padrões clínicos se refere à identificação de padrões clínicos baseados nas informações obtidas durante a avaliação subjetiva e aos sinais e sintomas apresentados pelo paciente. O raciocínio narrativo diz respeito à colaboração discursiva que ocorre entre o paciente e o fisioterapeuta. Esse processo permite ao clínico entender as perspectivas dos pacientes para que, então, ambos decidam as estratégias de tratamento.17

Existe alguma evidência de que fisioterapeutas mais inexperientes, ao avaliarem pacientes com dor no ombro, tendem a utilizar mais o raciocínio clínico hipotético-dedutivo e não implementam processos mais complexos durante seu raciocínio clínico.21

O autor deste capítulo apresenta um processo de avaliação para diagnóstico diferencial em pacientes com dor no ombro que são atendidos nos serviços de APS. O autor focou no processo de avaliação e critérios clínicos para excluir ou confirmar a presença de determinadas disfunções do ombro e não incluiu uma descrição detalhada da avaliação subjetiva e de outros aspectos do exame físico. O capítulo não é sobre todos os aspectos da avaliação clínica. Essas descrições estão fora do escopo deste material.

Por fim, o processo de avaliação sugerido aqui é uma adaptação de outras propostas e critérios de avaliação descritos na literatura5,22–25 em combinação com outros estudos e revisões sistemáticas na área de reabilitação do ombro.

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