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DISTRESSE MORAL E RESILIÊNCIA MORAL: DESAFIOS PARA GESTORES DE ENFERMAGEM

Autores: Michel Maximiano Faraco, Francine Lima Gelbcke, Laura Cavalcanti de Farias Brehmer
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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • discutir sobre o distresse moral e as estratégias de resiliência moral na gestão de enfermagem;
  • revisar o conceito de distresse moral;
  • refletir sobre como o distresse moral se manifesta nos cenários de cuidado, em especial junto aos gestores de enfermagem, em diferentes contextos do cuidado à saúde;
  • analisar o conceito de resiliência moral;
  • identificar as estratégias de resiliência moral na gestão em enfermagem em diferentes contextos do cuidado à saúde.

Esquema conceitual

Introdução

O processo de trabalho na enfermagem envolve diferentes dimensões, destacando-se as assistenciais e as gerenciais, que em muitas situações aparecem de forma indissociada, mediadas pelas relações de poder, articulando saberes filosóficos, políticos e éticos. A natureza do trabalho dos enfermeiros possibilita que esses profissionais articulem o processo de trabalho da enfermagem ao processo de trabalho na saúde, tendo um papel relevante nas instituições de saúde.1

As atividades gerenciais envolvem coordenação, controle, supervisão e organização do trabalho da enfermagem e de outros profissionais. A administração e o gerenciamento são competências específicas a serem desenvolvidas pelos enfermeiros, estando presentes inclusive nas diretrizes curriculares nacionais.1 No entanto, gerenciar não é uma tarefa fácil e, em muitas situações, os gestores vivenciam situações de sofrimento psíquico e físico, desencadeadas por um processo denominado sofrimento, angústia ou distresse moral (DM).

Em diferentes serviços de saúde, as atividades de gestão são práticas inerentes ao exercício profissional do enfermeiro, cabendo-lhe privativamente a organização e a direção dos serviços de enfermagem, conforme aponta a Lei do Exercício Profissional n° 7.498, de 25 de junho de 1986.2

Essa dimensão do processo de trabalho, articulada com as dimensões de cuidado, educação e pesquisa, influencia diretamente a organização estrutural e funcional das instituições e a qualidade da assistência, não apenas da enfermagem, mas de toda a instituição, pois o trabalho da enfermagem faz parte de um coletivo de trabalhos na área da saúde, em função da prática multidisciplinar.1

A organização do processo de trabalho é vital para garantir os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), como universalidade de acesso e integralidade da assistência. Para o enfermeiro, em toda a Rede de Atenção à Saúde (RAS), a gestão do cuidado, em sua concepção teórica, envolve a relação entre o saber-fazer gerenciar e o saber-fazer cuidar, que resulta em um processo dinâmico, situacional e sistêmico, caracterizando-se por ações instrumentais de cuidado direto (assistência) e indireto (gerenciar), de articulação e interface dos aspectos técnicos, políticos e sociais para o desenvolvimento da cidadania e da organização.3

A gestão do cuidado em enfermagem, como uma atividade privativa do enfermeiro, está pautada em ações de planejamento, organização e controle da prestação de cuidados, assegurando uma atenção à saúde assertiva e ininterrupta, oferecendo sustentabilidade às políticas e orientações estratégicas da instituição.3

No cotidiano de trabalho, no âmbito dos profissionais de saúde, percebe-se que o enfermeiro assume um protagonismo na gestão dos serviços, articulando recursos, competências e interesses diversos. Tal circunstância alinha-se ao processo de formação em enfermagem, com determinada ênfase na gestão do cuidado, haja vista que as diretrizes curriculares nacionais definem, entre as competências gerais a serem adquiridas pelos enfermeiros, a liderança, a tomada de decisões, a administração e o gerenciamento.1

Nesse sentido, na prática profissional do enfermeiro, constata-se uma articulação sistêmica entre a assistência direta e indireta, entre assistência e gestão ou mesmo pela necessária liderança que emerge nas relações de trabalho com a própria equipe de enfermagem e com a equipe multiprofissional.1

Esse fato exige do profissional enfermeiro um maior investimento em seu processo de formação, com o aperfeiçoamento das suas competências técnicas e políticas, bem como das suas habilidades em liderança de equipes, comunicação, relações interpessoais e tomada de decisões, com o exercício ético da autonomia e da cooperação.3 Requer, ainda, o aprimoramento de suas percepções empreendedoras, na adoção de habilidades administrativas e na mobilização de recursos para atingir objetivos, a partir de inovações e mudanças criativas da prática.

Os enfermeiros gestores desenvolvem múltiplas tarefas com alto grau de exigência. Tais ações podem interferir na qualidade do cuidado, a depender da forma como está organizado o trabalho, dos conhecimentos e das práticas de liderança adotadas.4

Os enfermeiros centram esforços em contornar as dificuldades quanto à gestão de pessoas, aos entraves organizacionais, à falta de suporte dos níveis hierárquicos superiores, à morosidade dos serviços de apoio e aos mecanismos instituídos de dominação e de relações muito assimétricas de poder, além da divisão técnica e social do trabalho, que resulta, por sua vez, na fragmentação das práticas.4

Além disso, observa-se no dia a dia que as políticas públicas, as exigências sanitárias, as diretrizes estratégicas e de governança, os interesses individuais e coletivos, as tensões trabalhistas, as influências corporativistas, as questões estruturais e de processos, as interdependências setoriais e as relações cooperativas e interpessoais são perspectivas conflitantes que se manifestam de formas distintas entre os diferentes níveis de gestão em enfermagem. Essas adversidades podem tornar o cotidiano do enfermeiro gestor desafiador e estressante, o que desencoraja muitos profissionais a assumir essas posições.

Este capítulo tratará do DM, um conceito-chave que, apesar de frequentemente identificável em contextos do trabalho da enfermagem, ainda é pouco conhecido. Também será apresentado o conceito de resiliência moral (RM), que corresponde à estratégia subjetiva para enfrentar o DM. Além dos conceitos, o capítulo discutirá o DM e a RM a partir de estudos que apontam como essas questões se manifestam no cotidiano do trabalho da enfermagem, em especial de enfermeiros gestores.

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