Entrar

Esse conteúdo é exclusivo para assinantes do programa.

EPILEPSIAS E SONO: INTERAÇÕES E ASSOCIAÇÕES

Autores: Alan Luiz Eckeli, Fernando Gustavo Stelzer , Regina Maria França Fernandes
epub-PRONEURO-C5V1_Artigo

Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • reconhecer a complexa interação entre sono e epilepsias;
  • caracterizar as principais síndromes epilépticas relacionadas ao sono;
  • descrever o impacto do sono na investigação das epilepsias, especialmente por sua influência como método de ativação do eletroencefalograma (EEG);
  • estabelecer o diagnóstico diferencial entre crises epilépticas e doenças do sono;
  • identificar a influência das crises epilépticas e de seu tratamento no sono;
  • discutir o impacto das doenças do sono nas epilepsias e crises epilépticas.

Esquema conceitual

Introdução

Compreender a complexa interação entre sono, doenças do sono e epilepsias é fundamental para o diagnóstico e o tratamento de indivíduos com epilepsia. Se um sono de qualidade é importante para todo ser humano, também é essencial para essas pessoas.1

A relação entre sono e epilepsia é reconhecida desde a Antiguidade. De fato, há registros tanto no Corpo Hipocrático quanto em Aristóteles da ocorrência de crises epilépticas no sono. No entanto, somente no século XIX, com William Gowers, teve início a investigação científica dessa relação, mediante a avaliação da epilepsia de grand mal com o ciclo sono–vigília. Foi identificado que 21% (n = 84) dos indivíduos tinham crises somente durante o sono.1

Em 1929, Hans Berger descobriu o EEG, que passou a compor a investigação complementar das crises epilépticas. Em 1947, o casal Gibbs descreveu pela primeira vez a relação entre atividade epileptiforme interictal e sono, com a descrição do aumento da prevalência dessa atividade no sono em relação à vigília.1 Foi somente a partir dos anos 1960, com a introdução da polissonografia (PSG), que fenômenos episódicos relacionados ao sono puderam ser mais bem avaliados.2

Os estudos citados contribuíram para a diferenciação entre crises epilépticas e doenças do sono, como sonambulismo e terror noturno. Essas condições compartilham de manifestações similares, como início abrupto, confusão mental, desorientação e amnésia.2

Determinadas síndromes epilépticas são caracterizadas pelo predomínio de crises durante o sono ou após o despertar. Isso pode ser independente da qualidade de sono ou estar relacionado com a fragmentação ou privação de sono. Este grupo heterogêneo de síndromes epilépticas é denominado epilepsias relacionadas ao sono.3

Em indivíduos portadores de epilepsia, o comprometimento do sono noturno pode resultar não somente em sonolência diurna excessiva (SDE) mas também em aumento da frequência das crises epilépticas e piora relevante da qualidade de vida. Além disso, doenças do sono e epilepsia podem ocorrer de forma concomitante no mesmo indivíduo. Em determinados casos, o reconhecimento dessa coexistência tem potencial para fazer a diferença no que se refere ao controle de crises epilépticas e ao diagnóstico de epilepsia refratária.

Diversas condições relacionadas ao sono, como parassonias ou distúrbios do movimento, podem se confundir com crises epilépticas, o que gera implicações de tratamento e prognóstico. Por outro lado, o uso de medicações anticrise epiléptica, na maioria dos casos, tem impacto no sono, potencialmente modificando sua arquitetura ou gerando SDE.

A expressão medicação antiepiléptica tem sido abandonada, uma vez que os medicamentos disponíveis não têm mecanismos antiepilepsia propriamente ditos. Como eles atuam na profilaxia de crises epilépticas, o termo atualmente recomendado é medicação anticrise epiléptica.

O sono tem potencial de ativação da atividade epileptiforme no EEG. Tanto eventos ictais quanto paroxismos interictais estão associados com o nível de consciência. O sono não REM está relacionado com o aumento da prevalência e o espraiamento dos paroxismos epileptiformes. Por sua vez, o sono REM tem efeito supressor tanto nos paroxismos epileptiformes quanto nos eventos ictais. No sono REM, de fato, os paroxismos epileptiformes tendem a ficar mais localizados. Como a PSG (tipos I e II) também registra padrões de EEG, esses grafoelementos podem ser captados durante a avaliação de pacientes em investigação para doenças do sono.2,4

×