Introdução
Os avanços da neonatologia na área da neurobiologia da dor neonatal e do estresse, com o uso de medidas não farmacológicas e farmacológicas, têm contribuído para as mudanças na assistência de recém-nascidos (RNs) de risco (prematuros e gravemente enfermos). Apesar de a construção desse conhecimento datar da década de 1990, ainda há o subtratamento da dor, com baixa adesão ao contato pele a pele, à amamentação, à ordenha de leite humano e ao uso de analgésicos.1–3 Existe uma lacuna entre o conhecimento científico e a prática clínica.4
Os RNs experienciam a dor como parte da rotina de cuidados realizados com maior frequência nas unidades de terapia intensiva neonatais (UTINs), que incluem, entre outros:5–8
- punção de calcâneo;
- aspiração traqueal e de vias aéreas (VAs) superiores (VASs);
- administração de fármacos via intramuscular (IM);
- punção arterial e venosa.
Estudos nacionais dimensionaram a elevada exposição a esses procedimentos nos primeiros 14 dias de vida, evidenciando uma média de 5,5 procedimentos realizados por dia. Em um estudo internacional, tal média variou de 7,5 a 17,3 por dia.5–8
Quanto menor a idade gestacional (IG), maiores os tempos de internação e de exposição a inúmeros procedimentos dolorosos e estressantes. Crianças que nascem antes das 32 semanas, ou com peso inferior a 1.500g, apresentam um elevado risco de sequelas em seu neurodesenvolvimento, como, por exemplo, paralisia cerebral (PC).9,10
O RN prematuro é mais suscetível ao ambiente da UTIN do que o RN a termo, pois seu desenvolvimento cerebral ainda não está completo.9,10
Ao nascimento, o RN possui um número definido de células cerebrais, que vão formando as sinapses e dependem diretamente do ambiente e dos estímulos positivos ou negativos. A plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro para se adaptar às mais variadas situações (positivas ou negativas), acontece mediante essas experiências vivenciadas, que acompanharão o indivíduo pelo resto da vida.11–13
Os inúmeros procedimentos realizados pelos profissionais de saúde para o tratamento, o diagnóstico e a terapêutica do RN, bem como o ambiente da UTIN, podem causar experiências negativas ao longo da vida e, como consequência, danos cerebrais quanto à cognição, memória e aprendizado. A exposição a diversos procedimentos dolorosos e estressantes tem potencial para desencadear, ainda, fenômenos como alodinia e hiperalgesia.11–13
Como visto, torna-se imperativo tratar a dor neonatal de forma mais efetiva, por meio de intervenções comportamentais e ambientais já evidenciadas na literatura e com a participação dos pais. A educação em saúde continua sendo necessária.11–13
É fundamental que o profissional de saúde possa compreender o conceito de dor e avaliar a dor do RN por três eixos básicos: mudanças fisiológicas, comportamentais e hormonais em resposta aos procedimentos dolorosos e estressantes. O RN dá pistas, sendo imprescindível olhá-lo com atenção para um cuidado seguro, ético, humanístico e individualizado.14
Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- discutir sobre a atualização do conceito de dor proposta pela International Association for the Study of Pain (IASP);
- reconhecer evidências atuais sobre a dor que possam ser aplicadas na prática;
- planejar e executar a ação do cuidado neuroprotetor para o RN com a participação da família, visando à minimização da dor, refletindo sobre o mínimo manuseio e o agrupamento dos cuidados;
- utilizar instrumentos de avaliação da dor do RN traduzidos para a língua portuguesa e validados no Brasil;
- aplicar estratégias de minimização da dor com a participação e a ausência da família;
- identificar tecnologias de tradução do conhecimento (TC) relacionadas ao alívio da dor no RN, com potencial para difusão entre profissionais e famílias.