- Introdução
Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMSOrganização Mundial da Saúde) apontaram que, no mundo, aproximadamente 289 mil mulheres perderam a vida durante o período gravídico e puerperal no ano de 2013, com taxa mundial de 210 mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos.1 Nesse momento, a meta brasileira era atingir 35 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos até 2015, o que não foi alcançado.2
Muitas dessas mortes poderiam ser evitadas se os serviços de saúde ampliassem os direitos sexuais e reprodutivos à mulher e garantissem uma atenção obstétrica segura e respeitosa.3 Tais atributos assistenciais são alcançados por meio da utilização de cuidados que têm base em evidências científicas e que consideram a opinião das mulheres.
Destaca-se a monitoração do trabalho de parto com auxílio do partograma como ferramenta clínica capaz de identificar precocemente alterações na progressão do trabalho de parto e evitar eventos adversos maternos e fetais desnecessários, que potencializam a morte materna.
Entretanto, os dados da recente pesquisa Nascer no Brasil4 — realizada com 23.940 mulheres de risco habitual, de todas as regiões do país — demonstrou que, entre os anos de 2011 e 2012, menos de um terço delas se alimentou durante o trabalho de parto e utilizou procedimentos não farmacológicos para alívio da dor. Aproximadamente, 45% dessas mulheres referiram ter se movimentado durante o trabalho de parto e tiveram o progresso monitorado pelo partograma. Em mais de 70%, foi realizada a cateterização intravenosa (IVintravenosa) periférica, enquanto o uso de ocitocina e amniotomia ocorreu em cerca de 40% delas.4
Percebe-se que, no Brasil, a assistência à mulher em processo parturitivo tem sido marcada pela excessiva utilização de intervenções na fisiologia desse processo. Essas intervenções são, rotineiramente, utilizadas pelos trabalhadores da saúde, e a maioria delas não possui sustentação em evidências científicas.
Há muito tempo essas práticas vêm sendo utilizadas em diversos estabelecimentos de saúde, com a justificativa de que são capazes de potencializar correções na dinâmica de processo da parturição e prevenir problemas potenciais para a parturiente e seu concepto, garantindo, assim, a segurança no nascimento. Entretanto, a parturiente não participa da tomada de decisão no que se refere à utilização dessas práticas, sendo-lhe retirado o direito ao exercício de sua autonomia.
Tais intervenções são direcionadas por meio de exames realizados nas parturientes. Destacam-se os exames digitais do colo do útero por meio do canal vaginal, que objetivam identificar parâmetros pélvicos, condições do colo, da bolsa das águas e fetais e avaliação do padrão das contrações miometriais. Tais avaliações contribuem para mensurar a evolução favorável ou desfavorável do processo parturitivo.
Porém, mesmo sendo considerado o padrão-ouro para a identificação de desvios da normalidade na progressão do trabalho de parto, o exame digital do colo do útero contribui para a ocorrência de desconfortos para a parturiente, sendo necessária a utilização conjunta de outros métodos clínicos não invasivos.
Também se deve atentar para o diâmetro da dilatação cervical, considerado indicador de admissão nas unidades de centro obstétrico. As pesquisas mostram que quando esse parâmetro clínico é menor do que 6cm, as parturientes recebem mais ocitocina IVintravenosa5–7 e usam analgesia peridural.7 Além disso, há maior risco de realização de cesárea (em comparação com aquelas mulheres admitidas com maior dilatação)7,8 e maior risco de hospitalização do recém-nascido em unidades de cuidados intensivos neonatal.7
Nesse sentido, a medicalização da atenção à mulher em processo parturitivo tem transformado o cenário do centro obstétrico em espaço de intenso sofrimento materno, configurado pela prática invasiva e abusiva dos profissionais da saúde.
A utilização indiscriminada das condutas anteriormente mencionadas não tem impactado nos indicadores de saúde materna vigentes no país, o que tem estimulado a utilização de cuidados com base em evidências científicas que potencializem a filosofia do cuidado respeitoso à mulher e ao recém-nascido.
Embora o desrespeito e os maus-tratos possam ocorrer em qualquer momento do período gravídico e puerperal, a maior vulnerabilidade da mulher se dá durante o trabalho de parto e no parto. Tais práticas podem ter consequências adversas diretas para a mãe e a criança. Assim, todas as mulheres têm direito ao mais alto padrão de saúde atingível, incluindo o direito a uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto, e o direito de estar livre de violência e discriminação.9
O fortalecimento da qualidade da atenção obstétrica e o combate aos abusos de diferentes tipos contra a mulher durante a assistência são essenciais não apenas para produzir desfechos maternos e perinatais ótimos, mas também para assegurar que as instituições de saúde sigam sendo uma opção segura e atraente para as gestantes e suas famílias no Brasil e no mundo.10
- Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- identificar as bases fisiológicas da dilatação e descida da apresentação cefálica no processo parturitivo;
- distinguir os métodos e parâmetros para a avaliação clínica da progressão no processo parturitivo;
- avaliar as repercussões dos exames vaginais durante o processo parturitivo;
- reconhecer a importância da identificação da linha púrpura como método clínico complementar na avaliação do progresso do processo parturitivo;
- identificar e avaliar a linha púrpura durante o processo parturitivo.
- Esquema conceitual