- Introdução
Arritmia cardíaca é qualquer distúrbio na formação ou condução do estímulo elétrico cardíaco que provoque alteração na regularidade e/ou na frequência dos batimentos cardíacos.1
Diversos processos fisiológicos, farmacológicos e patológicos podem fazer com que ocorra uma disfunção na geração e/ou transmissão dos impulsos elétricos por meio do tecido de condução.2,3 Quando ocorrem essas alterações, a função miocárdica poderá ser prejudicada, podendo gerar impacto hemodinâmico negativo.4 Como consequência, haverá redução do débito cardíaco (DCdébito cardíaco) e má perfusão coronariana, culminando na redução da capacidade funcional,4 diminuição da qualidade de vida,5 aumento do risco de morte súbita, acidente vascular encefálico (AVEacidente vascular encefálico) e infarto agudo do miocárdio (IAMinfarto agudo do miocárdio).6,7
O tratamento clínico tem por objetivo restabelecer o ritmo sinusal, além de otimizar o controle da frequência cardíaca (FCfrequência cardíaca), evitando desta forma momentos de taquicardia. A terapia utilizada pode incluir:
- agentes farmacológicos;
- ressecção cirúrgica;
- ablação endocárdica por catéter;
- implante de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEIdispositivo cardíaco eletrônico implantável).6,7
Entre os DCEIdispositivo cardíaco eletrônico implantávels, o marca-passo (MPmarca-passo) certamente é o mais conhecido e utilizado, seguido do cardiodesfibrilador implantável (CDIcardiodesfibrilador implantável) e dos ressincronizadores.8
No Brasil, entre 1994 e 2010, foram realizadas cerca de 240.000 cirurgias para implante de MPmarca-passo definitivo, 8.000 cirurgias para implante de CDIcardiodesfibrilador implantávels e 5.000 cirurgias para implante de ressincronizadores cardíacos, conforme informações do Registro Brasileiro de Marca-passos, realizado pelo Departamento de Estimulação Cardíaca Artificial da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. 1
A escolha do DCEIdispositivo cardíaco eletrônico implantável guarda relação com o tipo de arritmia e o risco de morte súbita.8
Em pacientes portadores de bloqueios atriais e/ou atrioventriculares e bradarritmias, o MPmarca-passo será o dispositivo de escolha. Aqueles que apresentam episódios de taquiarritmia, taquicardia ventricular sustentada (TVStaquicardia ventricular sustentada), episódio de parada cardíaca ou disfunção ventricular de moderada a grave são eleitos para implantação do CDIcardiodesfibrilador implantável, com intuito de prevenir morte súbita.4
Na última recomendação da American Heart Association6 sobre o assunto, o CDIcardiodesfibrilador implantável foi indicado para prevenção primária de morte súbita nos pacientes portadores de disfunção ventricular severa (fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 30%), independente da causa e da presença de arritmias. Nos pacientes que apresentam assincronia ventricular, a terapia de ressincronização cardíaca (TRCterapia de ressincronização cardíaca) está associada com melhora da função ventricular e classificação funcional.9,10
O Quadro 1 resume a indicação e a principal função dos DCEIdispositivo cardíaco eletrônico implantávels.
Quadro 1
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS DISPOSITIVOS CARDÍACOS ELETRÔNICOS IMPLANTÁVEIS |
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Tipo de dispositivo |
Capacidade principal |
Função principal |
Marca-passo |
Estimulação/sensibilidade no átrio/ventrículo |
Terapêutica da bradiarritmia |
Cardiodesfibrilador implantável |
Cardioversão/desfibrilação |
Terapêutica de fibrilação ventricular (FVfibrilação ventricular) / TV |
Ressincronizador cardíaco |
Estimulação multissítio (biventricular) |
Ressincronização ventricular |
Cardiodesfibrilador implantável + Ressincronizador cardíaco |
Cardioversão/desfibrilação + Estimulação multissítio (biventricular) |
Terapêutica de FVfibrilação ventricular/TV + Ressincronização ventricular + Terapêutica da bradiarritmia |
A reabilitação cardiovascular (RCVreabilitação cardiovascular) está bem fundamentada nos pacientes portadores de afecções cardiovasculares ou miocardiopatias. Estudos evidenciam significativa melhora no condicionamento físico e consequente melhora no desempenho funcional e na qualidade de vida, e diminuição na mortalidade, sendo um importante recurso não farmacológico que promove atenuação dos sintomas cardíacos.11,12
A despeito da extensa literatura que aborda os efeitos positivos da RCVreabilitação cardiovascular em pacientes portadores de afeções cardiovasculares ou miocardiopatias, a prescrição dessa terapia coadjuvante muitas vezes é limitada pelo desconhecimento e receio da equipe multidisciplinar e dos pacientes.13
Nos pacientes portadores de DCEIdispositivo cardíaco eletrônico implantávels, muitas são as dúvidas acerca de quais atividades podem ser empregadas, qual intensidade deve ser prescrita e como monitorar a resposta cardiovascular durante o esforço, uma vez que estes pacientes estão sujeitos a arritmias e resposta cronotrópica diminuída. Desta forma, indica-se a realização de avaliação pré-participação completa, que inclua informações sobre o dispositivo implantado, visando evitar interferências e a precipitação de eventos arritmogênicos durante o treinamento.
Para o melhor entendimento deste artigo, faz-se necessário uma breve revisão do sistema de condução cardíaca, assim como as principais arritmias envolvidas na indicação destes dispositivos.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, espera-se que o leitor possa:
- conhecer as principais arritmias cardíacas e indicações de dispositivos cardíacos implantáveis;
- identificar as características e diferenciar marca-passo, cardiodesfibrilador implantável e terapia de ressincronização cardíaca;
- compreender os efeitos dos dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis sobre a qualidade de vida;
- conhecer as evidências acerca da prescrição do exercício físico para portadores de marca-passo, cardiodesfibrilador implantável e ressincronizadores.
- Esquema conceitual