Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- diferenciar os conceitos relacionados a gênero e outros marcadores sociais;
- considerar gênero e outros marcadores sociais na formulação de casos e tratamentos;
- conhecer uma breve história do movimento feminista;
- integrar o movimento feminista à psicologia em termos teóricos e práticos.
Esquema conceitual
Introdução
Para iniciar a discussão sobre desigualdade de gênero, feminismo e psicoterapia, é necessário esclarecer a diferença entre alguns conceitos-chave. Sexo é o termo relacionado a aspectos biológicos, utilizado para referir-se às características existentes ao nascer em questões de genitais, cromossomos, composição hormonal, entre outras.1 Entende-se por “fêmea” quando há um órgão sexual feminino, cromossomos XX e maior produção de hormônios estrogênio e progesterona; por “macho” quando há órgão sexual masculino, cromossomos XY e maior produção do hormônio testosterona; e por “intersexo”2 quando existem características mistas.
Já o termo gênero pode ser entendido como uma construção social das categorias feminino e masculino3 que organiza as relações entre homens e mulheres em determinado contexto, estruturando relações de poder desiguais.4 O gênero é um dos principais marcadores sociais que constroem a subjetividade, e é culturalmente moldado pelos significados e pelas representações associados às características anatômicas sexuais de um indivíduo desde o nascimento.5
O entendimento de “gênero” enquanto uma extensão lógica natural do sexo biológico, inferido a partir da aparência dos genitais, é parte tanto do senso comum de várias filosofias pseudocientíficas em nossa sociedade. A naturalização do corpo constitui um fenômeno social e simbólico que repercute na socialização de meninos e meninas, condicionando as representações e os imaginários sobre o masculino e o feminino.5
Identidade de gênero, por sua vez, é o termo que abarca uma série de denominações para definir a identificação ou não que um indivíduo tem com o gênero ao qual foi designado a partir do sexo biológico. Quando há tal identificação, define-se como cisgênero, e quando a identificação é com o sexo oposto ao do nascimento, define-se como transgênero. É possível, ainda, que um indivíduo não se identifique com nenhum dos gêneros, identifique-se com mais de um ou transite entre vários, o que é definido como não binário. A identidade de gênero também não é relacionada à orientação sexual, que pode ser heterossexual (atração pelo sexo oposto), homossexual (atração pelo mesmo sexo), bissexual (atração por ambos os sexos), entre outras.1
Observar como um indivíduo se identifica de acordo com as categorias apresentadas é fundamental, pois pode trazer informações importantes sobre estressores específicos. Pessoas não heterossexuais sofrem com estigmas e discriminação social, além de apresentarem maiores índices de comprometimento na saúde mental do que os heterossexuais6, o que pode ser entendido à luz da Teoria do Estresse de Minorias.7 Estressores também podem acumular-se quando um indivíduo faz parte de mais de um grupo minoritário: uma mulher negra e lésbica, por exemplo, acumulará opressões relacionadas a seu gênero, sua raça e sua orientação sexual.
Por fim, os papéis de gênero podem ser definidos como uma construção social que envolve um conjunto de características esperadas para cada gênero, desde comportamentos e sentimentos até vestimentas. A não conformidade de um indivíduo com o seu papel de gênero pode ser mais um estressor a ser considerado. Os papéis de gênero contribuem, ainda, para a discriminação baseada no gênero, conhecida como “sexismo” e “machismo”, e para o preconceito. Esses papéis mudam de acordo com a cultura, sendo o papel de gênero de uma mulher brasileira diferente do de uma mulher colombiana; da mesma forma que o papel de uma mulher branca, jovem, de classe alta difere do esperado para uma mulher negra, jovem, de classe baixa, ainda que vivendo na mesma cidade do Brasil.