- Introdução
A demanda cada vez mais diversificada dos cuidados médicos, o aumento de expectativa de vida das pessoas, a necessidade de prover saúde para todos, o direcionamento de problemas mais amplo do que o processo saúde-doença e o avanço tecnológico associado a recursos escassos constituem uma situação difícil de ser equalizada. A tarefa a que os médicos de família e comunidade (MFCmédico de família e comunidades) se propõem consiste em prover um melhor cuidado, superando a setorização e buscando a aproximação com uma visão que tem como princípios a integralidade, a longitudinalidade e o contexto.
O primeiro nível de cuidado e de resolução dos problemas de saúde das pessoas ocorre por meio do autocuidado e da busca de respostas dentro dos recursos próximos, como a família e a comunidade.
Para descobrir como uma pessoa resolve seus problemas e ajudá-la a alcançar suas expectativas de bem-estar, é necessário conhecer e compreender a constituição da sua família e o papel que essa pessoa exerce dentro dela, qual sua ocupação, seu nível de educação formal, as expectativas da família em relação ao indivíduo e as conexões afetivas que construiu com suas vivências ao longo do tempo. A família adquire importância fundamental, visto que pode se constituir em fonte geradora de problemas e de sua solução.
A utilização dos princípios de abordagem sistêmica aplicada à família fornece recursos para melhor intervir nas questões de saúde e dá significado às intervenções entre os membros da família.
Pensando-se na família como primeiro sistema, havendo mudança em uma parte deste, haverá impacto nas outras partes que o compõem.
O mau êxito terapêutico, muitas vezes, é consequência da não avaliação da situação-problema dentro do contexto familiar.
É fundamental que o médico possa compreender a família para realizar uma abordagem coerente e culturalmente aceitável, de forma a estabelecer um interesse comum e um vínculo com esse sistema, capaz de quebrar a inércia e produzir mudanças.
Na prática cotidiana, os profissionais de atenção primária atendem pacientes que têm enfermidades, mas que se relacionam e vivem em um contexto mais amplo: a família, a comunidade e seu ecossistema. Além da doença, as pessoas possuem problemas complexos que, inúmeras vezes, expressam-se por meio de sintomas vagos e indefinidos, que não conseguem ser explicados pela ciência médica porque sua origem está nas dificuldades que existem no seu entorno, em que a família possui um papel central.
Uma das premissas básicas do modelo biopsicossocial é de que os diversos subsistemas (biológico, psicológico, social, individual, familiar e comunitário) mantêm uma estreita relação, de tal forma que possuem influência recíproca que afeta tanto a saúde como a doença.2 A teoria geral dos sistemas vem ao encontro dessas necessidades, valorizando a família, a influência de seu ecossistema e as interações pertinentes às relações entre estes.
Para compreender a família dos casos clínicos apresentados neste artigo e muitas outras, bem como as situações com que os médicos se deparam na prática clínica, muitas vezes, sob resistência em um primeiro momento, são apresentados alguns conceitos, ou melhor, verdadeiras ferramentas que, de acordo com a experiência das autoras deste artigo, gerarão diferentes visões do problema e possibilitarão soluções.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, espera-se que o leitor possa
- identificar conceitos de família, sistema, tipologia familiar e ferramentas de abordagem familiar;
- reconhecer a estrutura da família e o papel que o paciente exerce dentro dela, sua ocupação, seu nível de educação formal, as expectativas da família em relação a ele e as conexões afetivas (relações) construídas por meio das vivências;
- identificar a fase do ciclo de vida na qual se encontra a família no momento da consulta, visando a realizar uma intervenção propícia ao momento;
- identificar os instrumentos de abordagem familiar, interpretando seus símbolos para analisar e descrever o entendimento da relação familiar em estudo;
- indicar as técnicas de abordagem familiar na entrevista a fim de realizar uma intervenção clínica, determinando o tratamento correto, e melhorar o vínculo com o paciente e a família mediante estratégias específicas.
- Esquema conceitual