Objetivos
Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de
- distinguir como as variáveis que afetam o comportamento alimentar podem ser avaliadas e tratadas no contexto clínico;
- identificar fatores ambientais, históricos, sociais e epigenéticos que compõem as influências do comportamento alimentar;
- analisar diferentes transtornos alimentares possíveis, assim como aos diversos sintomas do comer transtornado para trabalhar na sua mitigação;
- identificar os antecedentes e consequentes relevantes do comportamento alimentar normal e transtornado;
- descrever as possíveis técnicas apresentadas para o manejo do comportamento alimentar;
- elencar estratégias para uso clínico em cada contexto.
Esquema conceitual
Introdução
Toda tentativa de compreensão do ser humano perpassa o entendimento da história de sua espécie. Assim ocorre com o comportamento alimentar, cujas características foram sendo alteradas desde o paleolítico até a contemporaneidade.1 Uma das funções do comportamento alimentar que se mantém desde os primórdios é a necessidade de se obter energia por meio dos alimentos para desempenhar papéis de caçadores, coletores, faxineiros, políticos, mães e pais, professores. Sem energia e, portanto, sem alimento, o desempenho de nenhum desses papéis é possível.
Há, no entanto, outros contextos no qual a alimentação se insere e que pouco têm a ver com o ganho de energia: a necessidade de se sentir bonito, as academias de ginástica, os encontros em família, o ataque à geladeira após uma desregulação emocional. São todas situações corriqueiras, transpassadas pela cultura que enaltece a magreza, ao mesmo tempo em que deixa disponível uma enorme quantidade de alimentos altamente palatáveis (aqueles com sabor irresistível, normalmente com alto teor de gorduras e açúcares).
O comer faz parte da vida do ser humano, portanto, não pode passar despercebido dentro do setting terapêutico. Deve-se comer todos os dias, com uma frequência regular, e o aumento ou a diminuição dessa frequência alimentar pode levar a problemas de saúde, além de chamar a atenção da comunidade ao redor do indivíduo, podendo inclusive ser tida como um transtorno mental. Nada mais lógico, consequentemente, que o comportamento alimentar seja foco de intervenções dentro do consultório psicológico.
O etólogo Desmond Morris apontou em 1967 que, por vezes, não se olha para o óbvio: ao explicar o comportamento humano, talvez se esqueça de descrever o que ele faz de mais natural. Nada mais natural do que o comer, e por isso o autor desenvolveu um capítulo inteiro do seu livro “O macaco nu” para descrever processos tipicamente humanos, como fazer a comida, partilhar a mesa e caçar em grupo.2
Segundo Morris,2 houve avanços na chamada Ciência do Comportamento Alimentar, em especial no tocante à descrição de comportamentos tidos como transtornados — anorexia nervosa, bulimia, compulsão alimentar, entre outros. No entanto, poucos são os pesquisadores empenhados em descrever o comportamento alimentar em seu desenvolvimento normal, razão pela qual neste capítulo se visa apresentá-los, pressupondo-se que é a partir desses conhecimentos que o tratamento de comer transtornado se torna viável.
A ideia de olhar para o desenvolvimento normal do comportamento alimentar de maneira a sintetizar o conhecimento das diferentes áreas que o estudam — psicologia, nutrição, medicina, antropologia, entre outras — foi retomada,3 propondo algumas ferramentas, como o etograma do comportamento alimentar4 e o ciclo de seleção alimentar,5 inicialmente descrito por Rozin,6 interessado nos processos psicológicos subjacentes ao comer que dedicou sua carreira a estudar as variáveis que afetam o comportamento alimentar, como seleção da comida, preferências, aceitação e rejeição.
No presente capítulo pretende-se apontar o dever do psicólogo clínico de compreender como as variáveis que afetam o comportamento alimentar podem ser avaliadas e tratadas no contexto clínico. Esse dever independe da existência de um transtorno psiquiátrico diagnosticado, tendo-se em vista o papel profissional de dirimir o sofrimento psicológico mesmo que ainda não agudo, além de promover qualidade de vida.