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INTERVINDO CLINICAMENTE NO PERFECCIONISMO: O QUE DIZEM AS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS DISPONÍVEIS?

Autores: Marcela Mansur-Alves, Marina Goulart de Oliveira Leite
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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

  • conceituar perfeccionismo e identificar seus principais componentes;
  • identificar o funcionamento de uma pessoa perfeccionista;
  • reconhecer as evidências científicas disponíveis das intervenções clínicas para o perfeccionismo;
  • aplicar o modelo cognitivo-comportamental para compreensão do perfeccionismo (MCC-P).

Esquema conceitual

Introdução

O perfeccionismo, enquanto construto de interesse da ciência psicológica, vem sendo estudado desde os anos 1930 por teóricos proeminentes como Alfred Adler e Karen Horney.1,2 Entretanto, uma mudança chave no campo ocorreu há aproximadamente três décadas quando a compreensão do perfeccionismo passou de unidimensional a multidimensional, despertando o interesse de diferentes grupos de pesquisa na compreensão da estrutura e rede de relações de cada componente deste construto complexo.1,3

Foi neste momento, início dos anos 1990, que as primeiras propostas de modelos multidimensionais do perfeccionismo emergiram, bem como as primeiras ferramentas para avaliação objetiva das várias facetas do perfeccionismo.1,3

A proposta multidimensional de Hewitt e Flett4 e a de Frost e colaboradores5 e suas respectivas escalas, que continuam sendo os instrumentos mais utilizados para mensuração do perfeccionismo multidimensional, datam dessa época. Esses modelos e outros que foram surgindo alguns anos mais tarde foram essenciais para, de uma maneira mais definitiva, impulsionar o desenvolvimento do campo pelo reconhecimento da complexidade e da riqueza psicológica do construto e de sua extensa rede de relações.1,3

As pesquisas sobre o perfeccionismo multidimensional cresceram exponencialmente, bem como a própria manifestação do construto em nossas sociedades.3,6 Do ponto de vista da investigação científica, como citam Smith e colaboradores3, passou-se de um total de cerca de 100 artigos, indexados no PsycINFO, entre os anos de 1990 e 1999, para quase 2.500 publicações entre os anos de 2010 e 2019. Não apenas são muitas as produções científicas, como também são variadas em suas temáticas.

Há estudos interessados nos fatores de risco e na vulnerabilidade para o desenvolvimento do perfeccionismo; há pesquisas centradas em identificar tipos de perfeccionistas e diferenças entre eles; há estudos associando o perfeccionismo a diferentes desfechos de saúde mental e adoecimento psicológico, a desfechos educacionais e de carreira; estudos no contexto do esporte, da dança e do exercício. Algumas pesquisas estão centradas em desenvolver instrumentos de medida para diferentes faixas etárias e outras em desenvolver e testar protocolos de intervenção.7-15

Em conjunto, e em sua maioria, as pesquisas em diferentes contextos, desfechos e faixas etárias apontam para os efeitos deletérios de níveis elevados de perfeccionismo e sobre a importância de se desenvolver programas de intervenção que coloquem o perfeccionismo no centro.3,16-18

Um dos objetivos deste capítulo é justamente se debruçar mais detalhadamente sobre as evidências dos programas de intervenção disponíveis.

O aumento expressivo dos níveis de perfeccionismo reforça ainda mais a necessidade de investigações que possam auxiliar na identificação, na prevenção e na intervenção eficazes. Curran e Hill6 afirmam que os níveis de perfeccionismo têm aumentado drasticamente nas últimas três décadas, estimando um aumento de 32% entre os anos de 1989 e 2017 entre adultos.

De forma semelhante, Sironic e Reeve,19 ao examinarem a prevalência de perfeccionismo entre adolescentes australianos, apontam que 3 em cada 10 jovens apresentam níveis clínicos de perfeccionismo; estimativa bem parecida àquela feita por Stornae e colaboradores20 entre adolescentes noruegueses (38% apresentariam níveis disfuncionais de perfeccionismo).

Só para se ter um parâmetro de comparação, a incidência de diagnósticos de transtorno da personalidade borderline na população geral mundial é de 2% (ou seja, a cada 100 pessoas, duas teriam esse diagnóstico) e de transtornos de ansiedade é de 9,3% (ou seja, a cada 100 pessoas, nove teriam um transtorno de ansiedade). Usando essa mesma referência, 30 pessoas a cada 100 teriam níveis clínicos de perfeccionismo.20

Considerando os efeitos nocivos de níveis clínicos de perfeccionismo já mapeados, essas estimativas são preocupantes e deveriam chamar a atenção de pesquisadores, clínicos e pessoas envolvidas com a elaboração de políticas de saúde e educacionais. É o que está sendo feito com este capítulo: tentando mostrar para você, profissional psicólogo, que o perfeccionismo existe como construto psicológico único; que é complexo e multifacetado; é paradoxal e merece a sua atenção.

Ao final, espera-se que você consiga identificar adequadamente o perfeccionismo e entender a relação que ele estabelece com desfechos de saúde mental, quais são as intervenções clínicas disponíveis e suas evidências de eficácia para o tratamento e como começar a pensar no perfeccionismo a partir de um modelo cognitivo-comportamental para ser usado em sua prática profissional. O caminho é longo, mas é preciso dar um passo curto e imperfeito de cada vez!

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