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MANEJO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUE SOFRERAM VIOLÊNCIA SEXUAL

Lílian Schwanz Lucas

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Objetivos

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

 

  • definir a epidemiologia do abuso sexual;
  • identificar a suspeita de abuso sexual e quais comportamentos são normais e quais são sugestivos de abuso;
  • aplicar os métodos recomendados para fazer um histórico quando houver suspeita de abuso sexual, bem como as técnicas adequadas para examinar uma criança ou adolescente e interpretar descobertas físicas, com a ciência de que um exame físico normal não descarta o abuso sexual;
  • identificar os aspectos psicológicos e legais do abuso sexual;
  • discernir entre as abordagens adequadas de manejo da violência sexual contra a população de crianças e adolescentes.

Esquema conceitual

Introdução

A violência, em suas mais diversas formas de expressão, sempre esteve presente na história humana. Crianças e adolescentes estão entre suas principais vítimas em razão de sua vulnerabilidade e dependência.1

Especificamente sob a forma de abuso sexual contra crianças e adolescentes, a violência é considerada um problema de saúde pública com alta prevalência e com consequências que podem ser de curto e de longo prazo na vida das vítimas e de suas famílias.2,3 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência atinge 18% das meninas e 8% dos meninos ao redor do mundo.1

Não existe uma definição universal de abuso sexual infantil.2,4

A OMS define o abuso sexual infantil como o envolvimento da criança em atividade sexual que ela não compreende por inteiro, para a qual é incapaz de fornecer consentimento informado ou não está preparada do ponto de vista do desenvolvimento, não podendo dar consentimento, ou que viole as leis ou tabus sociais da sociedade.2,4

Outras definições incluem a utilização de uma criança para gratificação sexual por parte de um adulto ou de um indivíduo significativamente mais velho.2,4

Há um consenso geral de que a violência sexual é um fenômeno complexo que ocorre por várias razões, de diversas maneiras e em diferentes relacionamentos dentro de famílias, grupos de pares, instituições e comunidades.5 É preciso estar alerta para identificar os sinais de sofrimento em decorrência do abuso sexual e saber como proceder em relação a eles. A urgência do enfrentamento desse problema decorre da sua alta prevalência e da constatação de que a sociedade ainda duvida de que realmente ocorra e, em consequência, apresenta dificuldade na identificação dos casos existentes.

É sempre bom lembrar que a discussão sobre maus-tratos familiares em crianças redundou na fundação, por Henry Bergh, da Sociedade de Prevenção de Crueldade em Crianças de Nova York, nos Estados Unidos, em 1874. Essa sociedade, por mais curioso que pareça, teve origem na Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade em Animais, existente desde 1866.4

A prevalência e os graves danos causados pela violência sexual, juntamente com o reconhecimento transcultural de que não é moralmente justificável, contribuíram para sua inclusão como um alvo específico de ação e prevenção na versão mais recente dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS, metas 5.2 e 16.2) da Organização das Nações Unidas (ONU).6 A ONU segue a declaração de Finkelhor e Korbin,7 segundo a qual, mesmo na abordagem mais culturalmente sensível, a violência sexual deve ser classificada como um dos três domínios de maus-tratos que exigem um “foco para ação e atenção internacionais combinadas”.

Green e colaboradores8 estimam que os maus-tratos representam 45% do risco atribuível à população de transtornos psiquiátricos de início na infância. Além disso, sobreviventes de maus-tratos na infância apresentam taxas mais altas de inflamação quando adultos, síndrome metabólica, doença isquêmica do coração, câncer e telômeros encurtados, problemas de saúde associados à redução da expectativa de vida. Os caminhos exatos que levam a esses diversos resultados negativos ainda precisam ser revelados.9

Tal cenário é uma dura realidade mundial e um enorme desafio para aqueles que atendem essa população.

As consequências dos maus-tratos para a saúde mental podem estar presentes após décadas, gerando trauma agudo e crônico.

A prática de atos sexuais não consentidos com qualquer pessoa e de qualquer idade ou gênero, com emprego de violência ou grave ameaça, sempre será crime. Se o ato sexual com menores de 18 anos é consentido, há hipóteses em que tal consentimento pode ser considerado inválido ou inexistente, tipificando o “estupro de vulnerável” (art. 217-A do Código Penal). Isso ocorre quando a vítima tem menos de 14 anos de idade, apresenta deficiência mental ou não pode, por qualquer outra causa, como uma incapacidade física permanente ou momentânea, oferecer resistência.10

A presunção de violência prevista no art. 224 do Código Penal é absoluta, sendo irrelevante o consentimento da vítima ou sua experiência em relação ao sexo. Considerar como estupro a violência sexual perpetrada contra vulneráveis é uma proteção legal que ratifica a incapacidade desse grupo para consentir, já que ainda estão passando pela formação do seu desenvolvimento psicossocial e não possuem liberdade sexual plena, para a qual é necessária a maturidade.10

Crianças e adolescentes estão entre as principais vítimas da violência e, por conseguinte, em constante risco social. De acordo com o art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criança é a pessoa com até 12 anos incompletos. A legislação brasileira e as diretrizes da ONU reconhecem a criança como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, que deve ser tratada como sujeito de direitos legítimos e indivisíveis e que demanda atenção prioritária por parte da sociedade, da família e do Estado.11

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