- Introdução
As doenças do colágeno (colagenoses) correspondem a um grupo heterogêneo de doenças com características autoimunes que podem afetar diversos órgãos, inclusive os pulmões.1–3 As manifestações intratorácicas são bastante comuns, com graus variados de gravidade, sendo que os seus respectivos padrões e as suas frequências dependem do tipo específico de colagenose, podendo envolver um ou vários compartimentos de modo simultâneo, incluindo1–5
- alvéolo-ductal;
- interstício;
- vasos;
- linfático;
- vias aéreas;
- pericárdio;
- pleura.
A avaliação detalhada da radiografia (raio X) e da tomografia computadorizada de alta resolução (TCARtomografia computadorizada de alta resolução) em pacientes com anormalidades pulmonares parenquimatosas pode auxiliar no diagnóstico da colagenose:5
- anormalidades articulares (como nos ombros e nas articulações esternoclaviculares) podem estar relacionadas à artrite reumatoide (ARartrite reumatoide);
- a dilatação do esôfago pode ser um achado útil para se pensar em esclerodermia;
- a dilatação do tronco arterial pulmonar pode ser vista nas colagenoses, em particular, na esclerodermia;
- calcificações em partes moles podem ser vistas na dermatomiosite (DMdermatomiosite) ou na esclerodermia;
- o derrame/espessamento pleural ou pericárdico, ou as anormalidades esofágicas, estatisticamente, são mais comuns em indivíduos com fibrose pulmonar relacionada à colagenose do que em pacientes com intersticiopatia fibrosante idiopática.
Este artigo tratará das características gerais das colagenoses que afetam o tórax, com as principais manifestações intratorácicas das doenças do colágeno, incluindo a possibilidade de complicações relacionadas ao tratamento das colagenoses.
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- reconhecer as características gerais das colagenoses que afetam o tórax;
- identificar as principais manifestações intratorácicas das doenças do colágeno, inclusive os padrões de doenças pulmonares intersticiais mais comuns para cada tipo;
- avaliar a possibilidade de complicações relacionadas ao tratamento das colagenoses no contexto clínico apropriado.
- Esquema conceitual
- Manifestações intratorácicas das colagenoses
A relação de manifestações intratorácicas das doenças do colágeno pode ser observada no Quadro 1, a seguir.
Quadro 1
MANIFESTAÇÕES INTRATORÁCICAS DAS DOENÇAS DO COLÁGENO |
|
Pneumopatias intersticiais |
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Manifestações vasculares |
|
Manifestações das vias aéreas |
|
Manifestações pleurais e pericárdicas |
|
Infecções oportunistas |
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Nódulos reumatoides |
|
Amiloidose |
|
Neoplasia |
|
Outros |
|
Fonte: Adaptado de Müller e Müller (2017).1
Muitas das doenças do colágeno são caracterizadas pela presença de tipos específicos de autoanticorpos, o que pode ser útil no diagnóstico. Os anticorpos relacionados às doenças do colágeno estão elencados no Quadro 2.
Quadro 2
PRINCIPAIS AUTOANTICORPOS ASSOCIADOS A COLAGENOSES |
|
Colagenose |
Anticorpos associados |
Artrite reumatoide (ARartrite reumatoide) |
|
Esclerodermia/esclerose sistêmica progressiva (ESPEsclerodermia/esclerose sistêmica progressiva) |
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Lúpus eritematoso sistêmico (LESLúpus eritematoso sistêmico) |
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Síndrome de Sjögren (SSsíndrome de Sjögren) |
|
Polimiosite (PMPolimiosite)/dermatomiosite (DMdermatomiosite) |
|
Doença mista do tecido conjuntivo (DMTCDoença mista do tecido conjuntivo) |
|
Fonte: Adaptado de Lynch (2009).5
LEMBRAR
As manifestações pulmonares de maior importância clínica incluem as pneumonias intersticiais difusas e a HAPhipertensão arterial pulmonar, que, em conjunto, representam as principais causas de mortalidade e de morbidade nos pacientes com doença do colágeno.1–3
As doenças pulmonares em pacientes com colagenose podem ser decorrentes não apenas da doença de base, mas também do tratamento instituído, incluindo toxicidade pulmonar medicamentosa ou infecções decorrentes da imunossupressão (por exemplo, pneumocistose).2
As colagenoses que mais comumente cursam com comprometimento intersticial e que possuem maior relevância clínica são1–3
- ARartrite reumatoide;
- ESPEsclerodermia/esclerose sistêmica progressiva;
- LESLúpus eritematoso sistêmico;
- DMdermatomiosite/PMPolimiosite;
- DMTCDoença mista do tecido conjuntivo;
- SSsíndrome de Sjögren.
A classificação histológica das colagenoses é semelhante à das pneumonias intersticiais de natureza idiopática e inclui
- padrões de evolução crônica — PIUpneumonia intersticial usual, PINEpneumonia intersticial não específica e PILpneumonia intersticial linfocítica;
- padrão de evolução subaguda — POpneumonia em organização (antiga BOOPbronquiolite obliterante com pneumonia em organização);
- padrão de injúria pulmonar de evolução aguda — DADdano alveolar difuso.
De modo geral, o prognóstico das pneumonias intersticiais em pacientes com doenças do colágeno é melhor que o da fibrose pulmonar idiopática.1,2 A prevalência de cada tipo de pneumonia intersticial depende da doença do colágeno em questão, conforme detalhado no Quadro 3.
Quadro 3
FREQUÊNCIA DAS PNEUMONIAS INTERSTICIAIS NAS COLAGENOSES |
||||||
Padrão |
ARartrite reumatoide |
ESPEsclerodermia/esclerose sistêmica progressiva |
LESLúpus eritematoso sistêmico |
SSsíndrome de Sjögren |
DMdermatomiosite/PMPolimiosite |
DMTCDoença mista do tecido conjuntivo |
PIUpneumonia intersticial usual |
+++ |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
PINEpneumonia intersticial não específica |
++ |
+++ |
++ |
++ |
+++ |
++ |
POpneumonia em organização (antiga BOOPbronquiolite obliterante com pneumonia em organização) |
++ |
+ |
+ |
- |
+++ |
+ |
PILpneumonia intersticial linfocítica |
+ |
- |
+ |
++ |
- |
- |
DADdano alveolar difuso |
+ |
+ |
++ |
+ |
++ |
- |
+++: associação bastante frequente; ++: associação relativamente comum; +: o padrão é relativamente incomum; -: o padrão é raro ou ainda não descrito para determinada colagenose.
Fonte: Adaptado de Silva e Müller (2008).2
Cabe salientar que, no contexto do paciente com diagnóstico de colagenose que realiza TCARtomografia computadorizada de alta resolução para pesquisa de doença pulmonar intersticial, a realização de imagens adicionais em decúbito ventral pode ser de fundamental importância para a diferenciação dos achados de intersticiopatia incipiente das opacidades nas regiões posteriores dos pulmões relacionadas ao decúbito, como mostra a Figura 1A e B.
Figura 1 — Paciente do sexo feminino, 43 anos, com diagnóstico de ESPEsclerodermia/esclerose sistêmica progressiva, encaminhada para TCARtomografia computadorizada de alta resolução para avaliação de doença intersticial pulmonar. Os cortes axiais em decúbito dorsal (A) demonstram opacidades reticulares e em vidro fosco nas regiões posteriores dos lobos inferiores, que não se desfazem com a mudança de decúbito (B).
Fonte: Arquivo de imagens dos autores.