- Introdução
O diagnóstico de câncer traz consigo a incerteza da continuidade, não apenas no aspecto biológico puro, com o risco de morte, mas também nos inúmeros âmbitos socioculturais em que o indivíduo se encontra submerso. É momento de grande variação emocional: negação, raiva, negociação, depressão e, por fim, aceitação — não necessariamente nessa ordem, mas com todas as suas variações.
Com frequência, pacientes jovens se veem frente a um diagnóstico de malignidade, muitas vezes com curto intervalo de tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento. Há muito a se compreender em pouco tempo, com informações complexas sobre tipos de tratamentos, cirurgias, estadiamentos e prognósticos.
Sabe-se que mulheres com até 39 anos de idade serão diagnosticadas com câncer na proporção de 1:51. Entre os cânceres diagnosticados a cada ano no Reino Unido, 11% ocorrem em pacientes entre 15 e 49 anos de idade.1,2 Felizmente, as terapias contra o câncer têm evoluído, tornando-se mais efetivas e proporcionando menos efeitos colaterais. Entre 1950 e 1954, a sobrevida até 14 anos após diagnóstico de câncer nos Estados Unidos foi de cerca de 20%.2 No mesmo país, entre 2008 e 2012, a taxa de sobrevida dos pacientes com a doença foi de 87%.3
A maior chance de sobreviver e o consequente aumento na população de sobreviventes têm sido fonte de atenção para o impacto dos tratamentos oncológicos na qualidade de vida. É bastante compreensível a preocupação com o que ocorre após o tratamento, tendo em vista o crescente número de pessoas consideradas curadas, que desejam seguir suas vidas após a terapia. A busca por melhores condições de vida baseia-se na oportuna identificação dos riscos secundários ao tratamento oncológico e na aplicação de métodos gerais e específicos para minimizá-los.
Os principais fatores a analisar em relação ao tratamento oncológico são idade ao diagnóstico, tipo de câncer e tipo de tratamento planejado.
Possíveis cenários variam desde a criança recém-nascida diagnosticada com grave tumor renal, ocular ou cerebral, a paciente jovem (35 a 40 anos de idade) sem prole constituída ou mesmo homem jovem com necessidade de quimioterapia potencialmente esterilizante.
LEMBRAR
O tratamento contra o câncer pode ter consequências graves em longo prazo, entre elas a lesão gonadal. O acometimento endócrino/reprodutivo pode ser parcial ou definitivo. Na mulher, pode cursar com falência ovariana precoce (FOPfalência ovariana precoce ) e infertilidade definitiva, com redução da reserva ovariana e diminuição da qualidade oocitária ou subfertilidade e possível menopausa antes do esperado. Também pode haver comprometimento uterino secundário à radioterapia pélvica ou de corpo total, com aumento na incidência de abortamentos, partos pré-termo e baixo peso ao nascer.
No homem, o tratamento oncológico pode causar subfertilidade com baixa contagem e baixa qualidade de espermatozoides ou mesmo azoospermia, com infertilidade definitiva. Algumas doenças sistêmicas não oncológicas podem necessitar tratamentos passíveis de comprometer as funções gonadal e uterina, como quimioterapia ou radioterapia.
Além dos fatos citados, existe o fenômeno atual da postergação da maternidade por motivos sociais. Com frequência, pacientes atrasam os planos reprodutivos, priorizando outros objetivos. Muitas mulheres chegarão aos 40 anos de idade sem terem gestado. É sabido que há aumento na incidência de vários cânceres com a idade, e essa associação pode selar em definitivo os planos reprodutivos da paciente. Um grande estudo populacional realizado na Noruega com 6.701 sobreviventes e 30.355 controles saudáveis demonstrou queda de 30–50% na razão de nascimentos vivos entre pacientes sobreviventes de câncer.4
O comprometimento reprodutivo, com ou sem prenúncio, é grande motivo de sofrimento e de redução da qualidade de vida nos sobreviventes. Informação e orientação a respeito dos riscos e das opções disponíveis para a preservação da fertilidade são essenciais no momento delicado que é o enfrentamento ao câncer. Um estudo recente demonstrou que a maioria das pacientes que recebem informações e aconselhamento reprodutivo antes do tratamento oncológico considera esta uma experiência positiva.5
Pacientes que receberam aconselhamento relataram melhor qualidade de vida em comparação a mulheres que não discutiram essas questões com um profissional da saúde.6,7 O assunto pode ser abordado tanto pelo oncologista, no momento do diagnóstico, quanto pelo especialista em reprodução humana após encaminhamento (ou por ambos, de preferência). Apesar de uma maior frequência de encaminhamentos nos últimos anos, ainda é necessária maior conscientização entre os oncologistas para a importância do aconselhamento reprodutivo para essa população.8,9
- Objetivos
Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de
- analisar os possíveis efeitos nocivos dos tratamentos oncológicos sobre a função reprodutiva;
- identificar os mecanismos conhecidos pelos quais ocorrem efeitos nocivos dos tratamentos oncológicos sobre a função reprodutiva;
- avaliar as técnicas disponíveis para a preservação da fertilidade em pacientes submetidas a tratamentos oncológicos;
- reconhecer técnicas experimentais, algumas delas bastante promissoras, para a preservação da fertilidade em pacientes submetidas a tratamentos oncológicos.
- Esquema conceitual